(FOTO/ AFP). |
Luta
por direitos, demarcação de terras, combate ao extermínio e à invasão dos
territórios são alguns dos temas incansavelmente proferidos pelos povos
indígenas nos últimos quatro anos. A perseverança surtiu efeito e os tornou
protagonistas da própria história, antes fadada ao destino da invisibilidade e
silenciamento. A última semana entrou para história quando representantes dos
povos mais antigos que habitam o Brasil assumiram seus espaços dentro das
instâncias de poder. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva inicia com forte
apelo às pautas ambientais, o que consequentemente deu aos povos indígenas
maior espaço.
A
criação de um ministério para o segmento concretizou uma das promessas de
campanha de Lula e consagrou ainda mais a vitória quando foram anunciados os
nomes vinculados à pasta. A deputada Sonia Guajajara (Psol-SP) como a chefe do
ministério, a deputada Joenia Wapichana (Psol-RR) como presidenta da Fundação
Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o advogado e ativista Weibe Tapeba como
secretário especial da Saúde Indígena (Sesai) foram indicações consensuais
entre sete organizações do meio. Para a escolha dos nomes foi feita uma lista
tríplice, entregue a Lula pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(Apib).
Os
indígenas também celebraram quando a nova presidenta, Joenia Wapichana, fez a
mudança no nome do órgão que promove a proteção dos direitos dos povos
indígenas de Fundação Nacional do Índio para Fundação Nacional dos Povos
Indígenas. Essa cadeia de fatores foi considerada por esses povos como fortes
sinalizações de que o governo está disposto a de fato incluí-los nas decisões.
Agora, porém, é chegado o momento de cobrar a efetivação das demais
reivindicações.
"A própria questão racista, colonizadora, que
é chamar de índio é herança do SPI [Serviço de Proteção aos Índios] que cuidava
de maneira tutelar, sobretudo passando por uma gestão com repressão policial. A
chegada de Joenia à presidência mostra o reposicionamento e autonomia dos povos
indígenas", diz a deputada federal eleita Célia Xakriabá (Psol-MG).
No
Congresso, cinco indígenas foram eleitos para a Câmara dos Deputados, entre
eles Célia, que pretende dar continuidade aos trabalhos iniciados por Joenia, a
primeira deputada indígena a ocupar a Casa. Além disso, a futura deputada
pretende trabalhar para garantir orçamento para o novo ministério, por meio das
emendas de bancada. Como primeira ação, a parlamentar irá cobrar a execução do
decreto presidencial do governo de Dilma Rousseff, a Política Nacional de
Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
"As próprias emendas podem ser aprovadas por bancada, posso liderar uma ação ou o orçamento pode vir do subsídio da própria lei que a Guajajara enviar, também das leis no Congresso que vão ajudar a calçar as ações do ministério e da Funai. Darei continuidade a projetos de lei da Joenia. No Grupo Técnico (GT) de Transição levantamos as questões emergenciais. São medidas relacionadas à mineração, ao rastro do ouro que apresentou e que pretendo analisar. Ela apresentou uma lista para mim e estou fazendo um levantamento", explicou a deputada eleita. Além das citadas, ela revelou ao Correio que está preparando mais quatro iniciativas, mantidas em sigilo por "interesse de outras bancadas".
Foco político
Apesar
das conquistas que marcam uma nova era, Joenia assumiu a chefia de um órgão
sucateado e com uma equipe de trabalho desfalcada. Na avaliação de Sydney
Possuelo, indigenista e ex-presidente da Funai, a primeira providência deverá
ser recompor as equipes. "O pouco de
servidores que tem na antiga Funai é remanescente do governo passado, que não é
confiável. Está limitada a meia dúzia de pessoas, poucos quadros espalhados
pelo Brasil, precisa de gente capaz, com qualidade. Vai depender de novas
contratações", ressalta.
A
realização dos serviços que precisam ser feitos, na avaliação de Possuelo,
dependerá de haver uma modalidade que fará a instituição chegar a campo, "onde vão fazer as análises das demarcações e
isso vai depender de uma equipe", explica. Possuelo destaca, ainda,
que é importante que a composição da fundação seja feita pela presidente.
"A Joenia precisa ter o apoio e
compreensão de vários outros companheiros que vai chamar. Ela que vai designar
os quadros, não deve ser o ministério que criaram ou o presidente da República,
é ela que deve fazer a sua equipe", alerta.
O
especialista frisa a importância de tal escolha, porque conhece a disputa
política que recai sob o órgão. Ele acredita que a Fundação é a instância mais
importante para garantir o cumprimento dos direitos indígenas, por isso avalia
que até mesmo a criação de um ministério para tal demanda não era necessário.
Apenas o fortalecimento dessa instância bastaria.
"Esse ministério nasceu da visão de boa
vontade do governo Lula em incentivar mais que os povos indígenas ocupem os
espaços e busquem a sua melhor proteção, saúde, mas a criação disso não é
fundamental, é mais uma questão da política do governo. Apareceu por uma oferta
do governo, não foi uma luta deles [dos indígenas]. A Funai tem o respeito dos
índios. Ainda hoje, se for bem conduzida com a nova presidenta, um novo quadro,
sensível às questões indígenas, poderá funcionar", opina.
Demarcações
A
manutenção da fundação chegou a ser um ponto de contestação dentro do GT dos
Povos Indígenas na transição. Antes vinculada ao Ministério da Justiça, agora a
instituição passará a ser comandada pelo Ministério dos Povos Indígenas depois
de uma longa avaliação, inclusive jurídica. O grupo entendeu que ter o comando
do órgão seria um instrumento importante para a execução das demarcações dos
territórios.
"Vai demandar muito, mas se não tomarmos como
responsabilidade dificilmente avançaremos com a questão da demarcação. A
responsabilidade dos procedimentos, estudos e laudos começam na Funai. A grande
questão era a preocupação em destituir a segurança jurídica da Funai,
independentemente ela é autarquia para além de governo. Ela estando dentro do
ministério com segurança jurídica, administrativa e política, tomamos a decisão",
explicou a deputada Xakriabá.
Biomas
O
Ministério também abarcará o Fundo Bioma, que foi desenhado no GT, com o
objetivo de garantir recursos e de ter uma representação indígena direta para
promover a proteção de cada um dos biomas brasileiros.
Depois
de tantos gestos positivos, Xakriabá torce para que em abril, no mês em que se
comemora o dia dos indígenas, venha um anúncio de recorde em demarcações.
"A sinalização efetiva poderia vir
até abril, por causa do Abril Indígena. Seria importante um dos primeiros atos
do governo Lula com a preocupação indígena ser o anúncio da demarcação dos 13
territórios que indicaram no relatório, que não apresentam nenhuma pendência
jurídica. Acredito que depois da COP27 é hora de fazer gestos", cobrou
a deputada.
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Com informações do Correio Braziliense.