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Trabalhador resgatado em usina do Dep. João Lyra exibe luva rasgada. |
A
partir do cruzamento de dados do Cadastro de Empregadores flagrados com
trabalho escravo, mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela
Secretaria Especial de Direitos Humanos (mais conhecido como a “lista suja” do
trabalho escravo) e as informações de doadores de campanhas eleitorais do
Tribunal Superior Eleitoral, organizadas pelo Portal Às Claras, a Repórter
Brasil mapeou todos os candidatos e partidos beneficiados entre 2002 e 2012 por
empresas e pessoas flagradas explorando trabalhadores em condições análogas à
escravidão. PTB e PMDB são os partidos que mais receberam dinheiro dos atuais
integrantes da “lista suja” no período e o recém-criado PSD é o que mais
recebeu dinheiro na eleição de 2012. Confira abaixo o panorama geral dos
últimos dez anos:
Ao
todo, 77 empresas e empregadores flagrados explorando escravos que constam na
lista atual fizeram doações a políticos, o que equivale a 16% dos 490 nomes.
Eles movimentaram R$ 9,6 milhões em doações, em valores corrigidos pela
inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O
levantamento mostra que os quase R$ 10 milhões se distribuem entre 23 partidos
políticos, considerando as doações feitas aos seus candidatos ou diretamente às
agremiações, através de seus diretórios regionais.
Como
a inclusão de um nome na “lista suja” demora em função do processo
administrativo decorrente do flagrante, no qual quem foi autuado tem chance de
se defender, e considerando que, em linhas gerais, as doações eleitorais são
fruto de relações prolongadas e não pontuais, a Repórter Brasil incluiu mesmo
doações feitas em pleitos anteriores à inclusão no cadastro. O levantamento
informa as doações dos atuais integrantes da relação, e não de todos os que já
passaram por ela.
PSD torna-se o favorito
Em
2012, ano da última eleição, o país tinha 29 partidos registrados no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) aptos a concorrer. Naquele ano, os candidatos do
novato PSD – fundado em 2011 pelo ex-prefeito de São Paulo (SP) Giberto Kassab
– receberam R$ 171 mil de oito nomes da “lista suja”. A cifra representa 22% do
total dos R$ 769 mil doados por escravocratas para as campanhas de 2012 e faz
do PSD o partido que mais dinheiro recebeu para o pleito.
Considerando
a soma das doações nos seis pleitos realizados entre 2002 e 2012, o partido que
mais se beneficiou com dinheiro do trabalho escravo foi o PTB, que recebeu mais
de R$ 2 milhões de 16 nomes da “lista suja” do trabalho escravo. No entanto,
metade desse valor veio de somente uma doação da Laginha Agroindustrial a João
Lyra em 2002. Hoje filiado ao PSD, o deputado federal pelo Alagoas é dono da
empresa produtora de cana-de-açúcar flagrada por duas vezes mantendo
trabalhadores em condições análogas às de escravos. Em 2008, 53 pessoas foram
libertadas no Alagoas. Dois anos depois, outros 207 foram resgatados em Minas
Gerais. Hoje em recuperação judicial, a Laginha é a listada na relação atual de
flagrados explorando mão-de-obra escrava que mais doou às campanhas eleitorais:
a empresa enviou um total de R$ 4,2 milhões a três comitês financeiros
partidários e 15 políticos de Alagoas, Pernambuco e Minas Gerais, como o
governador mineiro Aécio Neves (PSDB) em 2006 e o ex-prefeito de Maceió (AL)
Cícero Almeida em 2004 e 2008, quando foi candidato pelo PDT e pelo PP respectivamente.
Já
o PMDB, segundo colocado entre os partidos que mais receberam de escravocratas,
teve como beneficiárias 40 candidaturas ao longo dos dez anos estudados. O
valor de R$ 1,9 milhão contribuiu para
que 12 prefeitos, seis vereadores e três deputados federais fossem eleitos.
Somente o produtor rural José Essado Neto doou R$ 1,6 milhão ao partido, que o
abrigou por três pleitos até alcançar o cargo de suplente de deputado estadual
em Goiás em 2010, quando declarou à Justiça Eleitoral ter R$ 4,3 milhões em
bens. Ele entrou na “lista suja” do trabalho escravo em dezembro de 2012,
depois de ser flagrado superexplorando 181 pessoas.
O
resultado do levantamento foi organizado em um infográfico, que pode ser
conferido abaixo:
Doações ocultas
No
Brasil, a lei eleitoral exige que os candidatos prestem contas e deixem claro
quem financiou suas campanhas. Deve ser discriminado, também, todo o montante
que veio do próprio candidato – as chamadas “autodoações”. Dos R$ 9,6 milhões
gastos por escravocratas em campanhas eleitorais, R$ 2,3 milhões – ou quase um
quarto do total – vieram de 19 pessoas nessa situação, ou seja, políticos
flagrados com trabalho escravo que doaram a si mesmos. O recurso, no entanto,
dá margem para corrupção, permitindo que os pleiteantes a cargos eleitorais
sejam financiados “por fora” e injetem o valor na campanha como se fosse
proveniente do seu próprio bolso, ainda que não seja possível presumir que seja
esse o caso dos políticos da relação.
Outro
possível artifício para se ocultar a quais candidatos serão direcionadas os
recursos é a doação aos diretórios partidários, como explica a reportagem de
Sabrina Duran e Fabrício Muriana para o projeto Arquitetura da Gentrificação
sobre a atuação da bancada empreiteira na Câmara dos Vereadores de São Paulo.
Por meio dessa modalidade, os valores são distribuídos pelo partido ao
candidato, sem que o próprio partido tenha de prestar contas e informar de quem
recebeu o dinheiro. Os integrantes da “lista suja” do trabalho escravo usaram
esse expediente em 36 ocasiões diferentes, totalizando R$ 1,3 milhão, valor
cujo destino não é possível ser conhecido.
Escravocratas e ruralistas
Entre
os que têm defendido publicamente proprietários de empresas e fazendas
flagradas explorando trabalhadores em condições análogas às de escravos no
Congresso Nacional estão integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária, a
chamada Bancada Ruralista. Os integrantes de tal frente pertencem a partidos
que estão entre os que mais receberam dinheiro de escravocratas.
A
votação na Câmara dos Deputados da PEC do Trabalho Escravo, que determina o
confisco de propriedades em que for flagrado trabalho escravo e seu
encaminhamento para reforma agrária ou uso social, é um exemplo de como o
interesse dos dois grupos muitas vezes converge. Dos seis deputados federais em
exercício na época da aprovação da proposta na Casa que foram financiados por
escravocratas, três se ausentaram da votação, conforme é possível ver no quadro
ao lado. Três votaram pela aprovação.
Em
outros casos, tais associações também ficam evidentes, como no processo de
flexibilização da legislação ambiental com a reforma do Código Florestal. A
mudança, que diminuiu a proteção às florestas nativas e foi aprovada em abril
de 2012, teve apoio dos seis partidos que mais se beneficiaram com doações de
escravocratas e que, juntos, receberam R$ 7,9 milhões, ou 82% do total (confira
o placar da votação da reforma do Código Florestal no site do O Eco).
Outras empresas
O
levantamento levou em consideração a “lista suja” do trabalho escravo tal qual
sua última atualização, de 17 de setembro, o que exclui empresas que forçaram
suas saídas da relação através de liminar na Justiça, como a MRV, e outras que
devem entrar em atualização futura, como a OAS.
Nos
dois últimos anos, a MRV foi flagrada em quatro ocasiões diferentes – em
Americana (SP), Bauru (SP), Curitiba (PR) e Contagem (MG) – explorando
trabalhadores em condições análogas às de escravos. A empresa é uma das maiores
construtoras do Minha Casa, Minha Vida, programa do governo federal de moradias
populares instituído em 2009. Nas eleições de 2010 e 2012, a construtora doou
um total de R$ 4,8 milhões a candidatos e partidos políticos, em valores
corrigidos pela inflação.
Já
a OAS foi autuada no mês passado por escravizar 111 trabalhadores nas obras de
ampliação do Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo. Terceira empresa que
mais fez doações a candidatos de cargos políticos entre 2002 e 2012, a
empreiteira desembolsou R$ 146,6 milhões (valor corrigido pela inflação) no
período. A OAS também faz parte do consórcio que venceu a licitação para a
concessão do Aeroporto de Guarulhos à iniciativa privada no ano passado.
Via
Repórter Brasil