O
ministro da Educação, Mendonça Filho, integrante de um governo não legitimado
pelo voto popular, anunciou uma ampla reforma no ensino médio por meio de uma
Medida Provisória, o que significa que ela entrará em vigor no dia de sua
publicação no Diário Oficial da União (no caso, neste 22 de setembro de 2016),
sem diálogo ou reflexão. Tal anúncio provoca mais perplexidade em uma sociedade
profundamente abalada por inúmeras ameaças e sequestros de direitos, que
evidenciam aumento de privilégios para poucos, aprofundando as desigualdades
sociais no país.
Publicado
originalmente no Outras Palavras
Toda
política de educação ao mesmo tempo reflete e contribui para um projeto de
sociedade. Cabe-nos perguntar qual é o projeto de sociedade que se fundamenta
em decisões unilaterais apressadas, sem amplo debate, especialmente sem a
participação dos mais interessados: os próprios estudantes e a comunidade
escolar?
As
várias reportagens que noticiam mais essa medida intempestiva do governo Temer
são sempre comentadas por um único movimento, que referenda a iniciativa e
deixa a impressão de que a sociedade, ou ao menos os especialistas, foram
ouvidos.
Dia
desses, uma grande empresa de comunicação fez uma reportagem talhada para
esvaziar o debate e dar como evidente a necessidade de uma reforma nos moldes
da que foi anunciada hoje. Adolescentes de uma favela de Brasília foram
questionados sobre o motivo de não estarem na escola, e os dois meninos dizem
apenas “porque não”, e a menina diz que saiu porque engravidou. A conclusão,
segundo a reportagem: há vários (assim mesmo, genericamente) motivos para o
abandono escolar, e os dos entrevistados foi “falta de estímulo”. Mas que
motivos são esses? Falta de estímulo porque a escola é desinteressante? Por que
não aproveitam o assunto para problematizar questões importantes que provocam
muitos abandonos da escola, como o racismo, a homofobia, o sexismo, a
dificuldade de letramento, e desigualdades de todas as ordens.
As
organizações da sociedade civil estão há muito tempo voltadas para a educação,
promovendo inúmeros diálogos com movimentos sociais, educadores e estudantes
sobre o ensino médio e as questões que permeiam esse debate. Há uma certa
unanimidade quanto à necessidade de mudanças. Os estudantes promoveram dezenas
de ocupações de escolas pelo país, principalmente São Paulo, Ceará e Goiás,
apresentando pautas e propostas para o ensino médio e sobre a relação dos
governos com as escolas públicas. Essas reflexões têm se acumulado e já se tem
muitos elementos que apontam caminhos.
Uma
das principais reivindicações de adolescentes e jovens estudantes de escolas
públicas é a participação direta nas possíveis mudanças na educação. Eles sabem
que a educação que querem e, especialmente, a que não querem. O Inesc, em
parceria com a Unicef, desenvolve um projeto em escolas públicas em Brasília
desde 2014, e em municípios da Chapada Diamantina (BA) e Belém (PA) desde 2016.
O projeto Educação de Qualidade tem como principal objetivo ouvir o que os
estudantes têm a dizer sobre o ensino médio e qual escola desejam. Os diálogos
têm sido muito enriquecedores e o acúmulo de ideias e propostas é enorme. Mas o
que adianta tudo isso se vem um governo ilegítimo, sob aplausos de uns poucos,
e muda tudo por meio de medida provisória, de cima para baixo?
Podemos
dizer que nos últimos anos tivemos avanços interessantes, de forma geral, na
educação. O ensino fundamental foi praticamente universalizado, houve uma
significativa ampliação das vagas para o ensino superior e o acesso às
universidades foi democratizado com a importante ação afirmativa das cotas
raciais. No entanto, o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014
praticamente não saiu do papel, e não há luz no fim desse túnel. Pelo
contrario: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, em tramitação no
Congresso Nacional, propõe um draconiano corte de recursos a curto prazo, e um
enorme prejuízo a médio prazo, para o financiamento de políticas sociais,
principalmente as de educação – essa mesmo que o governo Temer alega estar
querendo ‘salvar’ com essa medida provisória de reforma do ensino médio.
O
mais chocante disso tudo é a informação, registrada pela imprensa, de que a
área de educação do governo ilegítimo vem evitando “vazar” informações sobre a
proposta de reforma do ensino médio para não esvaziar o ato de seu lançamento.
Ou seja: é tudo para a plateia, não há real interesse genuíno em de fato
melhorar a qualidade da educação, muito menos do ensino médio, até porque não
há política de ampliação do ensino superior para receber um maior número de
estudantes. Aliás, ocorre justamente o contrario, um desmonte de políticas que
vinham mudando a cara das universidades, em especial as públicas.
Ironicamente,
no discurso de apresentação da proposta de reforma do ensino médio, o ministro
da Educação falou que o “novo ensino médio tem como pressuposto principal a
autonomia do jovem. É muito comum o jovem colocar que aquela escola não é a
escola que dialoga com ele”. Pois é ministro, a escola não dialoga com
estudante, e o ministério que propõe mudanças também não. Ao contrário, impõe uma
proposta por medida provisória!
Pelo
jeito, o que importa mesmo para o governo ilegítimo e seu ministro da Educação
que tem como um de seus interlocutores centrais o pessoal do equivocado (para
dizer o mínimo) movimento “escola sem partido” – é valorizar apenas o ensino
técnico para quem estuda em escola pública, para termos mão de obra pronta e
barata para atender os anseios do mercado. E assim afastam os jovens das
periferias das universidades. Para esses, empregos técnicos, de nível médio,
são mais do que suficientes para garantir suas sobrevivências.
![]() |
Governo ignora secundaristas e professores ao baixar pacote que valoriza apenas formação de mão de obra. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!