O
site do Senado Federal abriu nesta segunda-feira (18) uma consulta pública
relativa ao programa “Escola Sem Partido”,
estampado no Projeto de Lei 193/2016. De autoria do senador Magno Malta
(PR-ES), o PL objetiva a proibição de manifestações ideológicas e
político-partidárias por parte de professores em sala de aula.
Publicado
originalmente no Brasil de Fato
Fabiano
Godinho Faria, professor de História e coordenador-geral do Sindicato Nacional
dos Servidores Federais da Educação Básica e Profissional (Sinasefe), ressalta
que a iniciativa de proposição do referido projeto de lei se conecta a uma
postura ideológica conservadora surgida no período pré-1964, antes da
instauração da ditadura militar no Brasil.
“Naquela época, havia uma noção de um inimigo
interno que precisava ser combatido em defesa da família e de uma noção
distorcida de democracia. Eles falavam em uma democracia adaptada aos tempos
modernos, que era justamente a ditadura”, explica.
Para
o docente, ao reviver conceitos de intimidação ideológica, a proposta
legislativa segue na mesma linha. “É algo
típico do período da Guerra Fria. O objetivo explícito é perseguir, demitir e
até prender os docentes que defendam uma visão de mundo contrária ao status
quo. Colocar a educação a serviço da manutenção de uma visão de mundo dessas é
um retrocesso, porque afronta avanços que tivemos nas últimas décadas. Nós
chegamos ao ponto de tratar o racismo como crime, de aceitar a união
homoafetiva, e o projeto tenta criminalizar esse tipo de discussão. É uma ode
ao atraso”, avalia.
"Coisa da ditadura"
A proposta, que foi apelidada de “Lei da Mordaça”, vem suscitando a reação de diversos segmentos da sociedade, que criaram na última quarta (13) a Frente Nacional Contra o Projeto Escola Sem Partido, composta por mais de 100 entidades, entre elas o Sinasefe.
“Não existe liberdade de expressão no
exercício estrito da atividade docente, sob pena de ser anulada a liberdade de
consciência e de crença dos estudantes, que formam, em sala de aula, uma
audiência cativa”, diz o texto do PL. Ainda segundo o projeto, a referida
liberdade de consciência dos estudantes estaria “violada” caso o professor se
utilizasse do espaço escolar para promover suas concepções políticas,
ideológicas e morais.
A
medida tem sido interpretada por educadores e diversos formadores de opinião
como sendo uma ofensiva conservadora voltada ao sufocamento de ideologias
divergentes no universo da formação educacional.
“É a institucionalização de uma visão
reacionária da sociedade e das relações sociais que é tida como o ideal e que
pretende enquadrar o pensamento crítico nas escolas, tomando como padrão a leitura
conservadora do mundo. (…) É um projeto direitista”, disse Faria.
Polêmico,
o PL tramita atualmente na Comissão de Educação do Senado e aguarda parecer do
relator, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). Atualmente em viagem ao
exterior, o parlamentar não pôde conversar com o Brasil de Fato.
Anteriormente,
ele já havia se manifestado contrário a um projeto semelhante que foi
apresentado na Câmara Legislativa do Distrito Federal. “Tolher um professor é coisa da ditadura”, disse na ocasião.
A
reportagem procurou ouvir o senador Magno Malta, autor do PL, mas não obteve
retorno da assessoria de imprensa do parlamentar até o fechamento desta
matéria.
No
mesmo fluxo de raciocínio, o professor da Faculdade de Educação da Universidade
de Brasília (UnB) Luiz Araújo relembra que o movimento que atualmente defende o
PL do programa Escola Sem Partido deu sinais na história recente do Brasil.
“Em 2014, quando estava sendo discutido o
Plano Nacional de Educação, houve uma cruzada contra qualquer referência às questões
de gênero no Plano. A bancada evangélica fez uma pressão muito grande. Depois,
em 2015, quando foram elaborar os planos municipais, eles fizeram uma
articulação para alterar a parte que tratava desse tema e interditar a
discussão de gênero. (…) É uma tentativa de impedir que a escola dispute
conceitos progressistas, humanitários, dos quais os segmentos conservadores
discordam”, analisa.
Propostas regionais
Além do Senado, a Câmara Federal e diversas casas legislativas, como as de Alagoas, do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal, têm propostas semelhantes em andamento. Para o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), as iniciativas vão na contramão do que a escola deveria trabalhar na condição de instituição educadora.
"A escola e a universidade devem falar sobre
gênero, sexualidade, política, filosofia, sobre história, ideias, ideologias e
doutrinas de todo tipo, e isso precisa ser visto como algo positivo, não como
um perigo. É preciso que isso seja feito apresentando diversas opiniões e
educando os alunos para que possam fazer uma leitura crítica de todas as ideias
que lhe são apresentadas. Precisamos ter uma escola com todos os partidos, com
democracia, com diversidade, com curiosidade pelo saber, pela informação, pela
pesquisa, pelo debate, pela leitura crítica do mundo — e, sobretudo, uma escola
com muita liberdade”, considera o parlamentar, um dos críticos ferrenhos da
proposta.
Nos
últimos dias, o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) se manifestou publicamente
contra esse tipo de iniciativa legislativa.
“[A proposta] fere a emancipação das
instituições públicas de ensino e dos docentes e impõe a mordaça aos currículos
promotores do crescimento da consciência das novas gerações”,
disse em nota a entidade, que representa 41 instituições pelo país.
O
professor e reitor do Instituto Federal do Maranhão (IF-MA), um dos diretores
do Conif, ressalta que a proposta fere os ditames da Constituição Federal. “Se a liberdade de expressão é garantida por
ela, essa proposta é algo que vai na linha da censura”, disse.
Articulação e resistência
Para o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que é membro titular da Comissão de Educação da Câmara e já foi presidente do colegiado, a sociedade precisa se mobilizar contrariamente às propostas do programa Escola Sem Partido.
Ele
está colhendo assinaturas para a criação de uma frente parlamentar que possa
aglutinar deputados interessados em se opor a projetos que restrinjam direitos.
“Nós temos que ampliar esse movimento dentro da Câmara, mas estou certo também
de que precisamos de iniciativas que extrapolem os muros da Casa, para poder
dar resultado. Precisamos lutar contra essa política de restrição de direitos que
estão querendo implementar”, disse.
Segundo
o coordenador-geral do Sinasefe, Fabiano Godinho Faria, o movimento vem
mobilizando as bases para tentar engrossar o coro contra os PLs que promovem o
programa Escola Sem Partido. Esta semana, a Frente Nacional se reúne em
Brasília para definir um plano de ações. A ideia é articular comitês regionais
e estaduais contra as propostas.
“Vamos fazer corpo a corpo com os
parlamentares e não descartamos uma paralisação nacional. Vamos responder ao
ataque da direita com as nossas armas e com os nossos métodos de mobilização
histórica. Se for necessário ocupar as ruas, faremos isso com força total”,
garantiu.
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Senador Magno Malta (PR - ES) é o autor do Projeto de Lei 193/2016/ Sandro Nascimento ( Alep). |
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