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D. Pedro, detalhe do quadro "O grito do Ipiranga", de Pedro Américo, em 1888. |
A
data oficial da independência do Brasil, o Sete de Setembro, está associada à
proclamação feita pelo príncipe D. Pedro, em 1822, às margens do riacho do
Ipiranga, em São Paulo. Mas somente décadas depois a data começou a ganhar
importância no calendário de comemorações oficiais do Império. Antes disso,
outras datas foram pensadas para comemorar a independência do Brasil: a
convocação da Assembleia Constituinte, a coroação ou mesmo o aniversário do
imperador.
No
final do século XIX, os paulistas trataram de marcar o feito ocorrido em seu
território: entre 1885 e 1890, construíram o majestoso “Museu do Ipiranga”
(Museu Paulista), no suposto local do famoso “grito”. Em 1888, Pedro Américo
concluiu a emblemática pintura O grito do Ipiranga (popularmente conhecida como
Independência ou morte) para decorar o museu ainda em obras.
Com
a República, o Sete de Setembro tornou-se data nacional, virou feriado e foi
festejado com desfiles militares, discursos de autoridades e outras
manifestações.
Revisão da História
A
historiografia atual tem revisto a construção do Sete de Setembro como data
nacional da emancipação do Brasil. O episódio do Ipiranga, com exceção das
províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, não teve repercussão no
resto do país no momento em que ocorreu.
Sequer
havia consenso entre os diferentes segmentos da sociedade em apoiar a separação
do país de sua metrópole. Além disso, as enormes distâncias dificultavam a
comunicação de muitas províncias com a capital. O Piauí, o Maranhão e o Pará
tinham pouca (ou nenhuma) comunicação com o Rio de Janeiro e obedeciam a
Portugal. Após o Sete de Setembro, quase
metade do país estava mergulhada em conflitos armados que ameaçavam retomar o
domínio português.
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Câmara Municipal de Cahoeira, Bahia. |
Cachoeira, a cidade pioneira da
independência
Em
25 de junho de 1822, a Câmara Municipal de Cachoeira, cidade do Recôncavo
Baiano, a 120 km de Salvador, proclamou seu rompimento com Portugal, apoiada
pela população e pelas tropas locais. Sofreram, por isso, a intervenção militar
da Coroa portuguesa.
No
mesmo mês, um navio militar comandado pelo almirante português Madeira de Melo,
chegou à Cachoeira pelo rio Paraguaçu decidido a submeter o povo às ordens de
Portugal. A população reagiu e o confronto resultou em bombardeamento e
tiroteio até a captura e prisão dos militares portugueses.
O Dois de Julho
O
sucesso dos “brasileiros” de Cachoeira contagiou outras vilas do Recôncavo que
aderiram à resistência e a rebelião se propagou. O movimento ganhou força e a
guerra pela independência se alastrou por um ano. Nas lutas destacou-se Maria
Quitéria de Jesus Medeiros que, vestida de homem (era chamada de “soldado
Medeiros”), integrou o batalhão “Voluntários do Príncipe D. Pedro” e acabou
sendo condecorada com a Ordem Imperial do Cruzeiro do Sul. Outra participação
feminina na guerra da Bahia foi a da negra Maria Felipa de Oliveira, natural da
ilha de Itaparica; ela liderou um grupo de mulheres que ateou fogo em 42
embarcações portuguesas.
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Festa do 2 de julho, Independência da Bahia. |
Finalmente,
em 2 de julho de 1823, Madeira de Melo e seus homens foram expulsos da Bahia. A
notícia da vitória da Bahia chegou ao Rio de Janeiro quatorze dias depois,
trazida pela sumaca São José Triunfante.
O
Dois de Julho é festejado até hoje como a data da independência da Bahia e, em
junho de 2013, foi oficializado como data histórica nacional. Nas comemorações,
desfilam os tradicionais carros da Cabocla e do Caboclo que representam a
participação indígena na guerra. Na cidade de Caetité, que festeja a data com
grande pompa, a figura de uma cabocla surge num dos carros, matando o “Dragão
da Tirania", que representa o colonizador português vencido.
Em
reconhecimento histórico pelos feitos de Cachoeira em prol do país, a cidade
ganhou o título de “Heroica” e, todos os anos, no dia 25 de junho, a capital do
estado é transferida para esta cidade. Aliás, a Cachoeira já foi capital da
Bahia por ocasião da revolta da Sabinada, em 1835, quando o governo deposto de
Salvador refugiou-se naquela cidade.
A guerra no Piauí, Maranhão e Ceará
Em
outubro de 1822, na cidade de Parnaíba, no norte do Piauí, o povo se levantou
para aclamar D. Pedro I como imperador do Brasil. Imediatamente, de Oeiras,
capital da província, partiu a tropa portuguesa comandada pelo major João da
Cunha Fidié para sufocar a rebelião. Enquanto Fidié lutava no norte, a
população de Oeiras também se sublevou.
Ao mesmo tempo, “brasileiros” do Maranhão e no Ceará aderiram à independência. No Ceará, o líder sertanejo José Pereira Figueiras, comandando o povo, tomou Fortaleza de assalto, depondo o governo português e formando um novo governo fiel à emancipação.
Em
São Luís, no Maranhão, onde o governo aliado a Portugal ainda tentava resistir,
a independência foi aclamada pelo povo com a chegada da esquadra sob o comando
do almirante Cochrane (28 de julho de 1823).
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Batalha do Jenipapo, de Francisco Paz, 2003. Museu de Campo Maior, Piaui. |
A batalha do Jenipapo
No
Piauí, a luta continuava e chegaram reforços de voluntários vindos do Ceará, do
Maranhão e da Bahia que tomaram a cidade de Campo Maior. Nas vizinhanças dessa
localidade, travou-se a Batalha do Jenipapo (13 de março de 1823) entre as
tropas brasileiras e os soldados de Fidié.
A
luta envolveu mais de 2 mil populares, entre vaqueiros, artesãos, roceiros,
pequenos proprietários e até mesmo escravos. Ao final, com centenas de mortos,
os sertanejos conseguiram expulsar o governador que refugiou-se no Maranhão,
onde foi preso e mandado de volta para Portugal (31 de julho de 1823).
Documentário sobre a Batalha do
Jenipapo, programa “De lá pra cá” da TV Brasil
A tragédia do brigue Palhaço, no
Pará
O
governo da província do Pará mantinha-se fiel a Portugal quando, em abril de
1823, o povo se sublevou. Mas, esse primeiro levante foi rapidamente esmagado
pelas tropas portuguesas. Em agosto, a população voltou a se revoltar quando
chegou reforços militares enviados pelo Rio de Janeiro sob o comando do
primeiro-tenente inglês John Pascoe Grenfell.
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Brigue Palhaço, tela de Romeu Mariz Filho. |
Animada
com a perspectiva desse apoio, a população invadiu o palácio do governador,
derrubou o governo e exigiu a entrega do poder aos líderes populares. Mas não
estava nos planos das autoridades, nomeadas diretamente pelo governo central,
que os chefes populares governassem o Pará. Sob as ordens de Grenfell, a
repressão foi violenta: cinco líderes paraenses foram fuzilados e 256 foram
lançados ao porão do brigue Palhaço, em Belém, e cobertos com cal.
Dois
dias depois, aberto o porão, foram retirados os cadáveres dos paraenses
sacrificados em sua luta pela liberdade e independência. Em outubro de 1823, em
Cametá houve uma rebelião contra o morticínio no brigue Palhaço, bem como nas
vilas de Baião, Oeiras, Portel, Melgaço, Moju, Igarapé-Miri, Marajó, Abaeté,
Muaná, entre outras.
A Guerra da Cisplatina
Na
província da Cisplatina, a situação era bem confusa em 1822. O governo
provincial estava dividido entre os favoráveis a Portugal, os partidários da
independência do Brasil e os que desejavam a própria independência da
província.
Em
agosto de 1823, Montevidéu foi submetida a um bloqueio por cinco navios
enviados pelo governo do Rio de Janeiro. Em novembro, os portugueses se
renderam e se retiraram definitivamente da província Cisplatina. A vitória,
contudo, não significou a incorporação tranquila da província ao império
brasileiro e logo eclodiu a guerra pela independência do país.
Concluindo
A
independência do Brasil foi feita de várias datas, anteriores ao Sete de
Setembro de 1822 e que vão muito além dele. Não foi um movimento pacífico e
ordeiro, como ainda afirmam alguns. Ao contrário, foi marcado por conflitos
sangrentos entre brasileiros e portugueses.
Tampouco a separação se firmou rapidamente. Na verdade, o Primeiro Reinado (1822-1831) foi um período turbulento em que D. Pedro I de herói popular foi, nove anos depois, obrigado a abandonar o trono. Para alguns historiadores, a independência só se consolidou após a abdicação.
Como
lembra Alfredo Bosi, em O tempo e os tempos, “datas são pontas de iceberg”. Em
cada data que marca um acontecimento, existem outros acontecimentos submersos.
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