Os
golpes nunca se dizem golpes, os golpistas nunca se fazem chamar de golpistas.
Há sempre vários tipos de nomes, pelos quais os golpistas tentam disfarçar seu
golpe.
Aqui
mesmo o golpe de 1964 pretendeu se chamar "Revolução", que iria
acabar com a subversão e com a corrupção no Brasil. "Revolução", para
justificar o uso da força. Mas diziam que iriam salvar a democracia, que
estaria em perigo. Os jornais imediatamente reproduziram essa versão, tanto O
Globo, quanto O Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo e os outros: a
democracia foi salva pelo movimento dos militares. Isso justificaria os
"excessos" que seriam cometidos.
O
golpe de 1964 também disse que era um movimento legal, que defendia a
Constituição, contra os planos subversivos do presidente da República. O
presidente da Câmara, Ranieri Mazilli, assumiu, empossado pelo presidente do
Senado, Áureo de Moura Andrade, pelo "vazio de poder", já que o presidente
da República havia abandonado o palácio presidencial em Brasília.
Acontece
que tropas militares tinham se sublevado em Minas Gerais contra o presidente
legal do Brasil na noite anterior e deram inicio a um plano golpista planejado
há tempos, de tal forma que esse movimento foi sucedido imediatamente por
pronunciamentos dos chefes das várias regiões militares do país de adesão ao
golpe. João Goulart tentou apoio no sul do pais, da mesma forma que o havia
logrado em 1961, porque estava deposto pelos militares golpistas.
Na
sequência, os laranjas da época (Mazzilli e Moura Andrade, como agora seriam
Michel Temer e Eduardo Cunha) cederam o poder a quem havia dado efetivamente
dado o golpe – os militares. E desapareceram na poeira da história, como estes
de agora também desapareceriam, caso lograssem dar o golpe.
Ser
golpista, assim como ser de direita, é feio. Ninguém é golpista, mesmo que
planeje e dê um golpe, interrompa o processo democrático e imponha uma
ditadura. Ele sempre se pretende imbuído de uma missão nobre: limpeza ética do
país, combate à subversão, resgate da economia dos riscos do estatismo.
As
Marchas que ajudaram à desestabilização do governo assumiam os valores que
estariam em perigo: "Deus, família,
propriedade". O direito à crença religiosa e a existência mesmo de
escolas religiosas, a existência da família (com os fantasmas da guerra fria de
que as crianças seriam retiradas da família e mandadas estudar na URSS), a
propriedade, pelo riscos do Estado se apropriar de todos os bens das pessoas.
Mesmo
com a repressão imediatamente desatada – lembremos da imagem de Gregório
Bezerra, negro, nordestino, comunista, arrastado pelas ruas do Recife amarrado
a um jipe do exercito, para mostrar a sorte que correriam os que ousassem
enfrentar os golpistas -, a mídia não chamou o golpe de golpe. A democracia foi
destruída, instalou-se um regime de ditadura militar, o Estado tornou-se o
quartel general das FFAA para controlar o país e reprimir tudo o que
caracterizassem como subversivo. O Legislativo e o Judiciário foram depurados
sucessivamente dos seus membros, o poder foi controlado completamente pelos
altos mandos das FFAA. Todo tipo de violência e de arbitrariedade foi cometido
pelo regime militar.
Mais
tarde o nome de golpe militar foi se generalizando no lugar do de
"Revolução" e a palavra "golpe" ganhou conotações
claramente negativas. A ponto que O Globo, na parodia de autocritica, e A
Falha, quando tentou passar a ideia de que o que teria havido seria uma
"ditabranda", usaram explicitamente a palavra golpe.
Golpe
é a ruptura do processo democrático por vias não previstas pela Constituição. A
ditadura de 1964 passou a decretar atos institucionais, que se sobrepunham à
Constituição. A democratização demandou uma nova Constituição para o país.
O
movimento golpista atual pretende interromper o processo democrático, tirando
do governo a uma presidenta eleita pelo voto popular, sem nenhum crime de
responsabilidade. Uma ação abertamente golpista. Mas, como todo golpe, ele não
gosta de ser chamado de golpe, os golpistas não querem ser chamados de
golpistas.
Os
golpistas de 1964 tampouco queriam ser chamados de golpistas, o golpe de 1964
não seria um golpe.
Aquele,
como este, tem tudo de golpe: cara, jeito, ação, projeto. Só não aceita o seu
verdadeiro nome: golpe. Não querem aparecer e oposição ao que querem destruir:
a democracia.