12 de setembro de 2015

Negros bem-sucedidos incomodam



Para a atriz Fernanda Montenegro, em entrevista no domingo (06.09.2015) a Luís Carlos Merten do Estadão (Cad. 2, C1), a afirmação da negritude foi a causa dos problemas de audiência da novela “Babilônia”. “O resto foi pretexto”, disse a atriz.

O escândalo causado pelo beijo de duas personagens femininas teria servido apenas de cobertura, para distrair a atenção de “uma verdadeira revolução” – a grande quantidade de personagens negros bem sucedidos, as uniões inter-raciais, o elogio da miscigenação. “As pessoas se incomodam”, ela disse. 


Se você pensa que a televisão é um mundo que havia afastado esse aspecto insuportável da realidade brasileira ( a presença de negros e negras), um grande elenco negro não poderia deixar de produzir incômodo e mal-estar. O que é mais natural para nós do que ligarmos a TV e não enxergarmos negros?

Cacá Diegues contou o seguinte episódio em sua autobiografia: “Numa reunião para comercial sobre shopping center, a representante do cliente me recitou longo “briefing”. Num comercial de shopping, dizia ela, não podia aparecer dinheiro ou exposição de preços. E sobretudo que não filmássemos nenhum negro, mesmo que em distante figuração. Acreditei que a moça, conhecendo Quilombo, estivesse fazendo uma piada. Mas era isso mesmo, não era permitido aparecer crioulo”. (Vida de Cinema – antes, durante e depois do Cinema Novo. Editora Objetiva, 2014, p. 627.)

Mesmo que em distante figuração. Ou seja, nem a representação de uma figura ao fundo, mera presença, sem participação ou intervenção. Não. Será possível entender a complicada cabeça do (a) brasileiro (a) sem essa negação?

Que fantasia soberba: dinheiro, não; preços, não; pretos, também não. Trata-se, ao que parece, de esconder o que é essencial. Vocês podem imaginar nesse ambiente a tensão criada pelos rolezinhos, lembram-se? Negros na novela provocam, ao que parece, a mesma tensão que os rolezinhos criavam nos shoppings e, segundo Montenegro, acabam constrangendo a audiência.

Tornar possível um Brasil sem preto, convenhamos, pressupõe o extremo domínio de técnicas sofisticadas de exclusão, mas pressupõe também outras disposições e aptidões especialíssimas. No relato feito por Diegues, como vimos, não há nenhuma sofisticação. De regra, há, no entanto, meios mais refinados de fazer prevalecer velhas hierarquias.

Visite a África do Sul. Nos anos 80, os coloridos anúncios de agências de turismo convidavam para uma visita ao país do apartheid. Mas não se falava de apartheid, claro. Os negros desapareciam dos anúncios, que se dividiam em imagens de grandes mamíferos e pessoas brancas em ambientes suntuosos. Quem é capaz de apreender a dimensão grandiosa da realidade subtraída pela ideologia do racismo?

O movimento negro protestou, os anúncios sumiram das revistas. Mas os nossos anúncios aqui no Brasil estavam e estão submetidos ao mesmo principio de negação da realidade. Trata-se de uma recusa sistemática a validar a experiência social dos negros. Afastam-na com desprezo e são muitos os truques de edição a que recorrem para, igual ao que ocorria no apartheid, conseguir descartar a presença da maioria e toda a imensa riqueza e diversidade de seu mundo humano.

Não é fácil, cara, apagar a maioria, pense nisso.

Selecionar conteúdos e imagens, personagens e figurantes, tramas, memórias, conflitos; soterrar acontecimentos históricos e quotidianos. Sacrifícios gigantescos. Pessoas que nunca chegarão a formular nada, nem interpretar, nem dirigir, nem cantar, nem dançar, nem ensinar nem aprender, nem amar, nem odiar, nem criticar, nem tomar emprestado nem emprestar, nem fazer política, nem viajar, nem comprar, nem vender, nem ser preso sem culpa, que não serão torturadas, nem assassinadas. Trata-se de conceber as pessoas negras de um modo absolutamente distinto de como as pessoas brancas são concebidas.

Lembrei-me de um conto de Gilda de Mello e Sousa em que a personagem “pôs-se a imaginar que não existia, não existia” (A visita, 1958). Um sentimento assim poderia provir do contato com uma realidade midiática que sistematicamente negasse nossa existência. Frequentemente é o que ocorre.

Mas precisamos pensar que o descarte da maioria acentua ainda deformações monstruosas no mundo branco. Apreendem-se as pessoas negras, mas como se elas não fossem exatamente pessoas. Elas existem, elas estão aí, mas elas não importam. Simplesmente isso. Seja lá o que elas forem, pessoas ou coisas, elas não importam.

Mãe Stella de Oxóssi será homenageada com selo comemorativo pela Fundação Cultural Palmares



O Ministério da Cultura por intermédio da Fundação Cultural Palmares; em parceria com os Correios, lançam na terça-feira, (15), a partir das 15h30, o selo personalizado e carimbo em homenagem à Mãe Stella de Oxóssi. Na ocasião será anunciado os nomes dos membros do Conselho Curador da autarquia. A solenidade será no Ilê Axé Opô Afonjá, na Rua Direta do São Gonçalo do Retiro, 557, Cabula, Salvador na Bahia.


A confecção e lançamento do carimbo e selo, está prevista nas metas do Sistema Nacional de Cultura; e faz parte de um conjunto de ações governamentais, uma pré-campanha contra a intolerância religiosa, em virtude de vários atos de crimes praticados contra os adeptos das religiões de matriz africana no Brasil.

Para a presidenta da Fundação Cultural Palmares Cida Abreu; “a homenagem representa o reconhecimento da personalidade pública; não apenas como líder espiritual; mas também no campo intelectual, onde desempenha importante papel pela promoção da igualdade racial; combate ao racismo; respeito mútuo entre as religiões; preservação e valorização da cultura afro-brasileira” enfatizou.

Conselho Curador

Um órgão colegiado presidido pela presidenta da Fundação Palmares; composto por dez membros nomeados pelo ministro da Cultura; para um mandato de três anos, com a finalidade de formular e propor metas norteadoras para o Sistema e o Fundo Nacional da Cultura. Composto ainda, por representantes dos Ministérios da Justiça; da Ciência, Tecnologia e Inovação; da Educação; da comunidade indígena, da cultura Afro-brasileira, a exemplo de Mãe Stella.

A homenageada

Nascida Maria Stella de Azevedo Santos, no dia 2 de maio de 1925, em Salvador, foi iniciada na Religião dos Orixás aos 14 anos por Mãe Senhora, tornando se Iyalorixá aos 49 anos de idade.

Patrimônio Cultural do Brasil

O Ilê Axé Opô Afonjá, fundado no ano de 1910, em São Gonçalo do Retiro, na periferia de Salvador, por Mãe Aninha; importante personagem da luta pela liberdade do culto afro-brasileiro. Para assegurar os princípios e valores da tradição, criou em 1936 a Sociedade Cruz Santa do Ilê Axé Opô Afonjá. O tombamento do terreiro aconteceu em julho de 2000, pelo IPHAN, conferindo-lhe o título de Patrimônio Cultural do Brasil e reconhecendo-o como “área de proteção cultural e paisagística”.

O imóvel número 6, acesso do Pelourinho para a Baixa dos Sapateiros, no Centro Histórico de Salvador, a casa onde Mãe Stella nasceu, vai abrigar o Centro de Referência Odé Kayodê, em homenagem à yalorixá; além de reverenciar a memória das principais yalorixás da Bahia, como Mãe Aninha do Afonjá; Mãe Menininha do Gantois; Mãe Senhora; Mãe Olga do Alaketu; Mãe Mirinha do Portão; Mãe Senhora de Oxum Muiwà, dentre outras.

Mãe Stella não chegou a ter filhos biológicos; mas como líder espiritual é mãe de mais de mil filhas e filhos de santo. Inspiração ao povo de santo de todo o país, e internacionalmente, especialmente na África. Cidadã consciente dos seus deveres, sempre defendeu diálogo e a educação como possibilidades ao combate às diferenças. A sabedoria não tem cor e não pertence a nenhuma raça específica” reforçou.

Autora de nove livros, como “Meu tempo é agora”, “Òsósi – O Caçador de Alegrias” e “Epé Laiyé – terra viva”. Sendo a primeira Iyalorixá a escrever sobre religiosidade e saberes de matriz africana. Em junho de 2015, recebeu a Comenda Dois de Julho, pela Assembleia Legislativa da Bahia. Em 2009 recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade do Estado da Bahia. Em 2001 ganhou o prêmio jornalístico Estadão. Ocupa a cadeira 33, da Academia de Letras da Bahia, que tem como patrono o poeta, escritor e abolicionista Castro Alves. Recebeu ainda, o Troféu Esso para escritores negros; a comenda Maria Quitéria; o Troféu Clementina de Jesus; a Comenda da Ordem do Cavaleiro, pelo Governo do Estado da Bahia; e a Comenda do Mérito Cultural, pela Presidência da República.

Além da presença do Ministro da Cultura; da presidenta Cida Abreu; do presidente dos Correios, está sendo aguardado; um público estimado de quatrocentos convidados, entre autoridades, personalidades, artistas, lideranças do Movimento Negro e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, estudantes entre outros.

11 de setembro de 2015

Quando imagens não necessitam de legenda: Exuberância da negritude


A coleção de imagens abaixo compartilhada na página “História e Cultura Afro-brasileira, na rede social facebook, demonstram o quanto se pode dispensar o atributo de legendas explicatórias para as belezas, as exuberâncias, os fascínios e dentre outros adjetivos para a negritude perceptível em cada gesto e olhares.



9 de setembro de 2015

Por que marcham as mulheres negras?, por Margarida Marques*



Em novembro de 2015, em Brasil acontecerá a Marcha das Mulheres Negras contra o racismo, a violência e o bem viver. Diversas atividades estão acontecendo no País inteiro com o objetivo de dar visibilidade aos problemas enfrentados pelas mulheres negras. Mas por que marcham as mulheres negras?

Marchamos para dar cor e visibilidade a um lugar de inferioridade, imposto a 49 milhões de mulheres, lugar desde sempre naturalizado e considerado como normal, incorporado em mentes, corações, oportunidades e impossibilidades mil. Um lugar de silêncio e dor partilhado em coletivo, desde os navios negreiros, nas senzalas, nas plantações, na casa grande, em alcovas de violações, nas separações dos queridos, filhos, pai, mãe, irmãos e amados.


Somos uma maioria das mulheres que vivem em condições de moradias indignas, em favelas, onde o perfil dos domicílios brasileiros aponta para o abismo social que ainda persiste entre brancos e negros no Brasil. Dois terços das casas presentes nestas regiões são chefiadas por homens ou mulheres negros; desses, a maioria são de mulheres sem cônjuges e com filhos.

Enquanto o desemprego atinge 5,3% dos homens brancos, entre os negros, o índice chega a 6,6%. Entre as mulheres, a diferença é ainda maior. Entre as brancas, o desemprego é de 9,2%; entre as mulheres negras, ultrapassa os 12%.

A violência se perpetua fazendo com que hoje sejam as mulheres negras, aquelas que mais sentem inseguras. Dados do IBGE que mostram que as mulheres negras, quando comparadas com outros segmentos da população, são as que se sentem mais inseguras em todos os ambientes, até em suas casas. A população negra é vítima de agressão em maior proporção que a população branca – seja homem ou mulher.

Marchamos contra as condições desiguais herdadas, contra a falta de políticas de saúde que, por razões sociais e de descriminação, faz com que sejam as mulheres negras as que menos acessam aos serviços de saúde de qualidade, a atenção ginecológica, obstétrica, têm mais riscos de contrair e morrer de determinadas doenças.

São tantas as razões para marchar que é preciso começar de algum lugar e podemos dizer que começamos desde muitos anos, desde as lutas mais antigas, desde as resistências mais diversas, da afirmação das crenças, das sabedorias milenares, da fé e religião muitas vezes escondida e negada, das intelectuais negras que não aparecem nas referências bibliográficas, das atrizes de papéis secundários, das grandes escritoras desconhecidas, das poetas e cantoras negras que denunciam com seu canto a luta de tantas outras.

Por isso, em novembro, quando realizarmos a Marcha Nacional das Mulheres Negras, apenas se estará dando cor e corpo a uma marcha que começou há mais de 300 anos contra o racismo, a violência e pelo viver.

*Integrante do Comitê Ceará da Marcha das Mulheres Negras

Da Revista Cult: A arte de escrever para idiotas


Para aqueles que não lerão este artigo

Em nossa cultura intelectual e jornalística surge uma nova forma retórica. Trata-se da arte de escrever para idiotas que, entre nós, tem feito muito sucesso. Pensávamos ter atingido o fundo do poço em termos de produção de idiotices para idiotas, mas proliferam subformas, subgêneros e subautores que sugerem a criação de um nova ciência.

Estamos fazendo piada, mas quando se trata de pensar na forma assumida atualmente pela “voz da razão” temos que parar de rir e começar a pensar.

Artigos ruins e reacionários fazem parte de jornais e revistas desde sempre, mas a arte de escrever para idiotas vem se especializando ao longo do tempo e seus artistas passam da posição de retóricos de baixa categoria para príncipes dos meios de comunicação de massa. Atualmente, idiotas de direita tem mais espaço do que idiotas de esquerda na grande mídia. Mas isso não afeta em nada a forma com que se pode escrever para idiotas.

Diga-se, antes de mais nada, que o termo idiota aqui empregado guarda algo de seu velho uso psiquiátrico. Etimologicamente, “idiota” tem relação com aquele que vive fechado em si mesmo. Na psiquiatria, a idiotia era uma patologia gravíssima e que, em termos sociais, podemos dizer que continua sendo.

Uma tipologia psicossocial entra em jogo na história, baseada em dois tipos ideais de idiotas: oidiota de raiz, dentre os quais se destaca a subcategoria do idiota representante do conhecimento paranoico, e o neo-idiota, com destaque para o “idiota” mercenário que lucra com a arte de escrever para idiotas.

Vejamos quem são:

1- O Idiota de raiz é fruto de um determinismo: ele não pode deixar de ser idiota. Seja em razão da tradição em que está inserido ou de um déficit cognitivo, trata-se de um idiota autêntico.

O Idiota de raiz divide-se em três subtipos:

1. 1 – Ignorante orgulhoso: não se abre à experiência do conhecimento. Repete clichês introduzidos no cotidiano pelos meios de informação que ele conhece, a televisão e os jornais de grande circulação, em que a informação é controlada. Sua formação é “midiatizada”, mas ele não sabe disso e se orgulha do que lhe permitem conhecer. No limite, o ignorante orgulhoso diz “sou fascista”, sem conhecer a experiência do fascismo clássico da década de 30 e o significado atual da palavra, assim como é capaz de defender sem razoabilidade alguma ideias sobre as quais ele nada sabe. Um exemplo muito atual: apesar da violência não ter diminuído nos países que reduziram a maioridade penal, a ignorância da qual se orgulha o idiota, o faz defender essa medida como solução para os mais variados problemas sociais.  Ele se aproxima do “burro mesmo” enquanto imita o representante do conhecimento paranoico, apresentados a seguir.

1.2 – “Burro mesmo”: não há muito o que dizer. Mesmo com informação por todos os lados, ele não consegue juntar os pontinhos. Por exemplo: o “burro mesmo” faz uma manifestação “democrática” para defender a volta da ditadura. Para bom entendedor, meia palavra…

1.3 – Representante do conhecimento paranoico: tendo estudado ou sendo autodidata, o representante do conhecimento paranoico pode ser, sob certo aspecto, genial. Freud comparava, em sua forma, a paranoia a uma espécie de sistema filosófico. O paranoico tem certezas, a falta de dúvida é o que o torna idiota. Se duvidasse, ele poderia ser um filósofo. O conhecimento paranoico cria monstros que ele mesmo acredita combater a partir de suas certezas. O comunismo, o feminismo, a política de cotas ou qualquer política que possa produzir um deslocamento de sentido e colocar em dúvida suas certezas, ocupa o lugar de monstro para alguns paranoicos midiaticamente importantes.

Curioso é que o representante do conhecimento paranoico pode parecer alguém inteligente, mas seu afeto paranoico o impede de experimentar outras formas de ver o mundo, abortando a potência de inteligência, que nele é, a todo momento, mortificada. Isso o aproxima do “ignorante orgulhoso” e do “burro mesmo”.


Em termos vulgares e compreensíveis por todos: ele é a brochada da inteligência.

Foto: Reprodução.
2 – O neo-idiota: o neo-idiota poderia não ser um idiota, mas sua escolha, sua adesão à tendência dominante, o coloca nesse lugar. Não se pode esquecer que, além de cognitiva, a inteligência é uma categoria moral. O neo-idiota não é apenas um idiota, mas também um canalha em potencial.

Há dois subtipos de neo-idiota:

2.1 – O “idiota” mercenário quer ganhar dinheiro. Ele serve aos interesses dominantes, mas é um idiota como outro qualquer, porque não ganha tanto dinheiro assim quando vende a alma.
Nessa categoria, prevalece o mercenário sobre o idiota. Por isso, podemos falar de um idiota entre aspas. Ganha dinheiro falando idiotices para os idiotas que o lerão. Seu leitor padrão divide-se entre o “burro mesmo” e o “idiota cool”. Ele escreve aquilo que faz o “burro mesmo” pensar que é inteligente. O idiota cool, por sua vez, se sente legitimado pelo que lê. O que revela a responsabilidade do idiota mercenário no crescimento do pensamento autoritário na sociedade brasileira. Apresentar Homer Simpson ou qualquer outro exemplo de “burro mesmo” como modelo ideal de telespectador ou leitor é paradigmático nesse contexto.

2.2 – O “idiota cool” lê o que escreve o idiota mercenário. Repete suas ideias na esperança de ser aceito socialmente. De ter um destaque como sujeito de ideias (prontas). Ele gosta de exibir sua leitura do jornal ou do blog e usa as ideias do articulista (do representante do conhecimento paranoico ou do idiota mercenário) para tornar-se cool. Ele segue a tendência dominante. Ao contrário do “burro mesmo”, nele sobressai o esforço para estar na moda. Como, diferentemente dos seus ídolos, ele não escreve em jornais ou blogs famosos, ele transforma o Facebook e outras redes sociais no seu palco.

Diante disso, temos os textos produzidos a partir da altamente falaciosa arte de escrever para idiotas. O sucesso que alcançam tais textos se deve a um conjunto de regras básicas. Identificamos dez, mas a capacidade para escrever idiotices tem se revelado engenhosa e não deve ser menosprezada:

1-    Tratar como idiota todo mundo que não concorda com as idiotices defendidas. O texto é construído a partir do narcisismo infantil do articulista. O autor sobressai no texto, em detrimento do argumento. Assim ele reafirma sua própria imagem desqualificando a diferença e a inteligência para vender-se como inteligente.

2-    Não deixar jamais que seu leitor se sinta um idiota. Sustentar idiotices com as quais o leitor (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) se identifique, o que faz com que o mesmo se sinta inteligente.

3-    Abordar de forma sensacionalista qualquer tema. Qualquer assunto, seja socialmente relevante ou não, acaba sendo tratado de maneira espetacularizada.

4-    Transformar temas desimportantes em instrumentos de ataque e desqualificação da diferença. Por exemplo, a “depilação feminina” já foi um assunto apresentado de modo enervante, excitante, demonizante e estigmatizante. Nesse caso, o preconceito de gênero escondeu a falta de assunto do articulista.

5-    Distorcer fatos históricos adequando-os às hipóteses do escritor. Em uma espécie de perversão inquisitorial, o acontecimento acaba substituído pela versão distorcida que atende à intenção do autor do texto para idiotas.

6-    Atacar alguém. Este é um dos aspectos mais importantes da arte de escrever para idiotas. A limitação argumentativa esconde-se em ataques pessoais. Cria-se um inimigo a ser combatido. O inimigo é o mais variado, mas sempre alguém que representa, na fantasia do escritor, o ideal contrário ao dos seus leitores (os idiotas: o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool).

7-    Reduzir tudo a uma visão maniqueísta. Toda complexidade desaparece nos textos escritos para idiotas.  O mundo é apresentado como uma luta entre o bem e o mal, o certo e o errado, o comunismo e o capitalismo ou Deus e o Diabo.

8-    Desconsiderar distinções conceituais. Nos textos escritos para idiotas, conservadores são apresentados como liberais, comunistas são confundidos com anarquistas, etc.

9-    Investir em clichês e ideias fixas. Clichês são pensamentos prontos e de fácil acesso. Sem o esforço de reflexão crítica, os clichês dão a sensação imediata de inteligência. Da mesma maneira, o recurso às ideias fixas é uma estratégia para garantir a atenção do leitor idiota (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) e reforçar as “certezas” em torno das hipóteses do escritor (nesse particular, Goebbels, o chefe da propaganda de Hitler, foi bem entendido).

10-Escrever mal. A pobreza vernacular e as limitações gramaticais são essências na arte de escrever para idiotas. O leitor idiota não pode ser surpreendido, pois pode se sentir ofendido com algo mais inteligente do que ele. Ele deve ser capaz de entender o texto ao ler algo que ele mesmo pensa ou que pode compreender. Deve ser adulado pela idiotice que já conhece ou que o escritor quer que ele conheça.

(Para além do que foi identificado acima, fica a questão para quem deseja escrever para idiotas: como atingir a pobreza essencial na forma e no conteúdo que concerne a essa arte?)

A arte de escrever para idiotas constitui parte importante da retórica atual do poder. Saber é poder, falar/escrever é poder, e o idiota que fala e é ouvido, que escreve e é lido, tem poder. O empobrecimento do debate público se deve a essas “cabeças de papelão”, fato que é identificado tanto por pensadores conservadores quanto por progressistas.

O grande desafio, portanto, maior do que o confronto reducionista entre direita e esquerda, desenvolvimentistas e ecologistas, governistas e oposicionistas, entre machistas e feministas, parece ser o que envolve os que pensam e os que não pensam. Sem pensamento não há diálogo possível, nem emancipação em nível algum.

Se não houver limites para a idiotice, ao contrário da esperança que levou a escrever esse texto, resta isolar-se e estocar alimentos.





8 de setembro de 2015

Atualizando: Lista de trabalho escravo tem 421 nomes de empregadores



Uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal impedindo o governo federal de divulgar a “lista suja” do trabalho escravo, no final do ano passado, continua em vigor. Por conta disso, a Repórter Brasil e o Instituto do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO) solicitaram com base na Lei de Acesso à Informação (12.527/2012), que o Ministério do Trabalho e Emprego (responsável pela lista desde 2003) fornecesse os dados dos empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final, entre maio de 2013 e maio de 2015.

Pará aparece em primeiro lugar da lista com 180 nomes, seguido por Minas Gerais, com 45.
O extrato com o resultado, recebido pelas organizações na quinta-feita (3), pode ser obtido abaixo:


A primeira solicitação dessa listagem com base na Lei de Acesso à Informação foi feita por iniciativa do blog de Leonardo Sakamoto e também solicitada pela Repórter Brasil e o InPACTO. Divulgada em março deste ano, trouxe os casos entre dezembro de 2012 e dezembro de 2014.

Esta nova solicitação, uma iniciativa dessas duas instituições da sociedade civil, engloba os casos entre maio de 2013 e maio de 2015, e contém 421 nomes de pessoas físicas e jurídicas. O Pará é o Estado mais presente, com 180 empregadores, seguido por Minas Gerais, com 45, e Tocantins, com 28.

O objetivo das organizações ao veicular essa “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil” é garantir o direito da sociedade e do setor empresarial à transparência sobre o tema, fornecendo informações sobre os flagrantes confirmados por trabalho análogo ao de escravo realizados pelo governo.

Suspensão pelo STF

Em meio ao plantão do recesso de final de ano, o ministro Ricardo Lewandowski garantiu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) suspendendo a “lista suja” do trabalho escravo (cadastro de empregadores flagrados com esse tipo de mão de obra). A entidade questionou a constitucionalidade do cadastro, afirmando, entre outros argumentos, que ele deveria ser organizado por uma lei específica e não uma portaria interministerial, como é hoje.

Os nomes permaneciam na “lista suja” por, pelo menos, dois anos, período durante o qual o empregador deveria fazer as correções necessárias para que o problema não voltasse a acontecer e quitasse as pendências com o poder público. Com a suspensão, uma atualização da relação que estava para ser divulgada no dia 30 de dezembro foi bloqueada. O cadastro, criado em 2003, é um dos principais instrumentos no combate a esse crime e tido como referência pelas Nações Unidas.

Em março deste ano, o governo federal lançou uma nova portaria interministerial (MTE/SEDH número 2/2015), garantindo mais transparência ao processo de entrada e saída da “lista suja”. Contudo, a Advocacia Geral da União (AGU), até agora, não convenceu o Supremo Tribunal Federal a arquivar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, nem a suspender a liminar por perda de objeto diante da nova portaria.

Lei de Acesso à Informação

Considerando que a “lista suja” nada mais é do que uma relação dos casos em que o poder público caracterizou trabalho análogo ao de escravo e nos quais os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instâncias; e que a sociedade tem o direito de conhecer os atos do poder público, a Repórter Brasil e o InPACTO, solicitaram, com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2012) – que obriga quaisquer órgãos do governo a fornecer informações públicas – e no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 o seguinte:

A relação com os empregadores que foram autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa transitada em julgado, entre maio de 2013 e maio de 2015, confirmando a autuação, constando: nome do empregador (pessoa física ou jurídica), nome do estabelecimento onde foi realizada a autuação, endereço do estabelecimento onde foi caracterizada a situação, CPF ou CNPJ do empregador envolvido, número de trabalhadores envolvidos e data da fiscalização em que ocorreu a autuação.”

Direito à informação

A sociedade brasileira depende de informações oficiais e seguras sobre as atividades do Ministério do Trabalho e do Emprego na fiscalização e combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil.

Informação livre é fundamental para que as empresas e outras instituições desenvolvam suas políticas de gerenciamento de riscos e de responsabilidade social corporativa. A portaria que regulamentava a suspensa “lista suja” não obrigava o setor empresarial a tomar qualquer ação, apenas garantia transparência. Muito menos a relação aqui anexa. São apenas fontes de informação a respeito de fiscalizações do poder público.

Transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se uma empresa não informa seus passivos trabalhistas, sociais e ambientais, sonega informação relevante que pode ser ponderada por um investidor, um financiador ou um parceiro comercial na hora de fazer negócios.

As informações que constam na “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil” são oficiais uma vez que fornecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego através de solicitação formal e transparente, que obedece a todos os trâmites legais previstos na Lei de Acesso à Informação. Solicitação que pode ser repetida por qualquer cidadão, organização social ou empresa. A lista será o principal instrumento das empresas associadas do InPACTO para o controle e monitoramento de sua cadeia produtiva com relação ao trabalho escravo.

Conheça um guia prático das Cotas



Como ainda tem muita gente que não entende (ou não quer entender) por que temos cotas raciais e sociais no Brasil, preparei um rápido guia. Ele pode ser aumentado à medida que novas dúvidas surjam. Qualquer pergunta extra, escreva para o blog.


1. Se você é preto, pardo ou indígena, tem direito às cotas; ponto. A autodeclaração vale na hora da inscrição, mas algumas universidades podem exigir comprovação após a matrícula para verificar se você atende aos requisitos. Isto é feito principalmente para não prejudicar outros pretos, pardos ou indígenas que de fato precisam das cotas.

2. Se você é preto, pardo ou indígena e veio de escola privada, mas acha que, por uma questão de reparação histórica, deve usar o sistema, tem direito.

3. Se você é preto, pardo ou indígena e veio de escola privada, poderia abrir mão das cotas (se desejar). Esta é, porém, uma decisão que compete apenas aos pretos, pardos e indígenas, não aos brancos.

4. Se você é preto, pardo ou indígena e, mesmo sendo pobre, acha que as cotas são desnecessárias, é simples: não utilize as cotas. Mas estude melhor a História do Brasil para não se tornar duplamente vítima do racismo, sem se dar conta.

5. Se você é branco e veio de escola pública, tem direito às cotas.

6. Se você é branco, mas longinquamente afrodescendente e estudou em escola privada, não deveria se candidatar a cotas por uma questão moral e ética. Fazer-se passar por negro para ser beneficiado por cotas é uma espécie de corrupção e pode ser considerado estelionato.

7. Se você é branco e veio de escola privada, não tem direito a cotas.

8. As cotas foram feitas, obviamente, para atender a quem precisa delas. Como a maioria dos pobres no Brasil é preta, parda ou indígena, bingo: a maioria deles precisa de cotas porque não se pode comparar suas chances de ascender à universidade com as de estudantes de classe média ou ricos que frequentaram escola privada a vida toda. Isto se chama INCLUSÃO.

9. Coloque na cabeça: as cotas não são uma vantagem: são a correção de uma desvantagem histórica. Antes delas, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros tinham concluído universidade no Brasil; após as cotas, este número subiu para 11% de pardos e 8,8% de negros. Ainda é pouco, já que eles são 53% na população. Em Medicina, por exemplo, somente 0,9% dos formandos no Estado de São Paulo em 2014 eram negros.

10. Quem gosta tanto de usar a palavra “meritocracia” deveria entender que ela só se justifica entre pessoas com condições de vida semelhantes e não entre desiguais. É moleza falar em meritocracia sendo branco, tendo papai rico e estudando nos melhores colégios. É como apostar corrida saindo vários segundos na frente do outro competidor.

11. Ao contrário do que quem é contra as cotas costuma espalhar por aí, as notas dos cotistas têm se mostrado iguais ou superiores às dos estudantes não-cotistas em várias universidades, como a UFMG, e em algumas delas o índice de evasão dos cotistas é menor que o dos não-cotistas.

12. Nos EUA, existem cotas (políticas de ação afirmativa) desde os anos 1970. Isso possibilitou que os negros avançassem na sociedade ao ponto de hoje o presidente do País ser negro. No Brasil, menos de 10% dos deputados e senadores são pretos e pardos.

13. As cotas raciais têm prazo para acabar: assim que a proporção de pretos, pardos ou indígenas em relação aos brancos chegar a números semelhantes aos da sociedade em geral, as cotas acabam. Enquanto isso não acontecer, nada mais justo que continuem.

7 de setembro de 2015

Movimentos Sociais do Cariri promove Grito dos Excluídos em alusão ao 07 de setembro


Os movimentos sociais com forte atuação na região do cariri cearense promoveram na manhã desta segunda-feira, 07, o Grito dos Excluídos.

Movimentos Sociais do Cariri promove o Grito dos Excluídos durante o 07 de setembro. Foto: Cártias Diocesana de Crato.

Segundo Valéria Carvalho, uma das integrantes do Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) e uma das organizadores do movimento, a concentração tinha como ponto inicial a Praça São Vicente, no município de Crato, vindo a compor a bandeira de luta e pauta das reivindicações a mesma do grito – “Que país é este, que mata a gente, que a mídia mente e nos consome."

Valéria informou ainda que o tema foi trabalhado amplamente nos grupos e na feira de economia solidária dentro do Artefatos da Cultura Negra realizado entre os dias 31 de agosto e 04 do mês corrente.

Os participantes exibiram faixas se contrapondo ao racismo e a violência, demonstração de cartazes que reforçam a importância de se valorizar a cultura e  o respeito para com o outro, além de ressaltarem a garantia dos direitos básicos e a construção de espaços políticos participativos.

O grupo Cáritas Diocesana de Crato ao compartilhar imagens que ilustram este artigo fez questão de frisar os motivos da movimentação: “7 de setembro, dia de comemorar a Independência do Brasil, tão dependente de gente que mente, que não é patriota e que nos envergonha... Dia de sair nas ruas e perguntar que País é esse?!  Dia de mostrar para nossas crianças que um novo mundo é possível, que a nossa cultura tem que ser valorizada e que precisamos respeitar mais os nossos irmãos, o nosso País... Essa é a nossa bandeira!”

Confira mais fotos abaixo