Boa
parte da sociedade brasileira tem duas aflições: violência e corrupção. No
entanto, mais da metade dos internos do sistema prisional brasileiro não estão
presos nem por uma coisa, nem por outra, mas pelo porte de pequena quantidade
de drogas. Dos jovens encarcerados por tráfico, 74% são primários, com bons
antecedentes. E o que acontece? Preso por volta dos 18, 20 anos, esse jovem com
bons antecedentes pode se tornar perigoso a partir do dia em que entra na
prisão, quando passa a dever para a facção do seu bairro, da qual a sua família
vira refém. Quando sair da prisão, anos depois, vai estar bem pior. A vaga que
ele ocupou na penitenciária custou R$ 40 mil reais para ser criada. E custa
mais de R$ 2 mil por mês para ser mantida. No dia seguinte à sua detenção, o
jovem já foi substituído pelo tráfico, já que há um exército de garotos
igualmente pobres para entrar no seu lugar. A insanidade dessa política fica
evidente. A vida desse rapaz foi destruída, o que custou dinheiro da sociedade.
Uma política impensada e sem sentido.
A
constatação da dura realidade do jovem pobre do Rio de Janeiro, estado que há
uma semana está sob intervenção federal decretada por Michel Temer, é do
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. Em palestra
nesta sexta-feira (23), em seminário na Defensoria Pública da União no Rio de
Janeiro para o lançamento da pesquisa Tráfico e Sentenças Judiciais – Uma
Análise das Justificativas na Aplicação de Lei de Drogas no Rio de Janeiro, que
pode ser acessada aqui, o magistrado foi duro e condenou a atual política de
drogas, que segundo ele faz do Estado um parceiro do tráfico, que encarcera e
destrói a vida e as perspectivas da juventude pobre como um todo.
Para
assistir à íntegra da palestra do ministro, clique aqui.
Barroso
criticou duramente as "injustiças e
perversidades" da atual legislação brasileira, feita “para pegar menino pobre, com 100 gramas de
maconha”, mas que protege “delinquentes
ricos”.
“O sistema punitivo brasileiro é para pegar a
clientela dos senhores", disse, dirigindo-se à plateia formada
principalmente por defensores públicos. "Essa é a dura e triste realidade. É muito mais comum e mais fácil
prender um menino com 100 gramas de maconha, ou 2 de cocaína, do que prender
alguém que desvie R$ 10, 20 milhões. O sistema é concebido para não alcançar
essas pessoas. A classe dominante nacional concebeu um sistema punitivo que a
imuniza. Basta comparar o tratamento que se dá ao furto e à sonegação".
Ricos delinquentes
Conforme
enfatizou, o menino pego com 100 gramas de maconha é detido antes da decisão em
primeiro grau e fica preso até o fim. "E
muitas vezes a sentença aplica penas alternativas. Então ele passa anos preso
sem razão de ser. O sistema é incapaz de punir em tempo e na hora os ricos
delinquentes. E como a vida é feita de incentivos e riscos, e há muitos
incentivos para a delinquência de ricos e poucos ricos, a gente criou uma
legião de ricos delinquentes, que fazem negócios desonestos com naturalidade.
Esse sistema que nós criamos naturalizou coisas erradas para encobrir no andar
de cima e é duríssimo com o andar de baixo. Mas dizem que o Brasil é o pais da
impunidade, com tantos presos. Só que são os presos errados. Sistema manso com
os ricos e duro, duríssimo, com os pobres. É preciso equalizar esse sistema,
que precisa ser moderado,igualitário. No Brasil prende-se muito e prende-se mal."
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Barroso lembrou que até os Estados Unidos, que lidera a guerra às drogas, vem aos poucos descriminalizando. (Foto: Arquivo/EBC). |
O
ministro, que lamentou o atraso na discussão da descriminalização do porte de
drogas para consumo pessoal pelo STF, lembrou que a guerra às drogas fracassou
em todo o mundo. "Os Estados Unidos,
desde a década de 1970, lideraram uma guerra, com uso militar, contra as drogas
em várias partes do mundo, que custaram milhões de dólares, centenas de
milhares de vidas e outros tantos de prisões. Mas o consumo de drogas no mundo
inteiro não parou de crescer. Estamos falando de uma guerra que foi perdida",
disse.
E
lembrou que ganham forças nos Estados Unidos experiências de descriminalização,
como o uso da maconha para fins medicinais, e descriminalização para uso
recreativo em diversos estados norte-americanos.
"E não é porque se achou que a droga é uma coisa boa, mas porque a descriminalização é a forma menos pior de enfrentar o problema que a criminalização. Mesmo no pais que liderou a guerras às drogas boa parte dos estados já descriminalizou. E do ponto de vista econômico, a única coisa que a criminalização faz é assegurar o monopólio do tráfico. Então o Estado é parceiro do tráfico ao criminalizar."
Barroso
foi enfático ainda ao destacar que um "jovem
da juventude dourada da zona sul do Rio" que morre de overdose de
cocaína, é uma perda para a humanidade como qualquer outra vida desperdiçada.
Mas que este está longe de ser o maior problema no país.
"O maior problema brasileiro em termos de
drogas é o poder que o tráfico exerce sobre as comunidades carentes, é a
ocupação política e econômica dos espaços pobres por esse poder paralelo, que
oprime e comete uma das maiores violações dos direitos ao impedir que uma
família honesta crie seus filhos dentro de uma cultura de honestidade, que são
cooptados pelo tráfico. Essa juventude perde a perspectiva de uma vida digna,
de um futuro, porque vive em espaços ocupados pelo tráfico. Então as políticas
têm de quebrar o poder do tráfico, que advém da ilegalidade. E a luta armada
contra o tráfico não venceu os criminosos", ressaltou.
Conforme
defende o ministro do STF, uma política antidrogas deve quebrar o poder do
tráfico e legalizar as drogas, que devem passar a ser tratadas como os
cigarros, ter publicidade proibida, venda proibida a menores, pagar impostos e
estar submetida à regulação estatal. (Com
informações da RBA).