Homem-Aranha,
Capitão América e Thor são retratados de novas formas. Entenda a dinâmica das
alterações e as críticas que elas despertam.
Não
é recente a polêmica em torno da mudança de gênero e, principalmente, de etnia
nas histórias em quadrinhos protagonizadas por super-heróis clássicos, como
Homem-Aranha, Thor e Capitão América.
Do Nexo
Em
2014, uma mulher assumiu os poderes de Thor, deus do trovão na mitologia
nórdica. Naquele mesmo ano, o Capitão América, antes branco e loiro, passou a
ser negro. Em 2015, o personagem Peter Parker, o Homem-Aranha, morreu e foi
substituído por um adolescente negro de 13 anos de origem hispânica, Miles
Morales.
Um
exemplo recente foi a substituição da etnia de personagens da série “The Flash”, da Warner Channel. A
coadjuvante e histórica parceira romântica do herói, Iris West, na produção,
passou de branca e ruiva para negra, assim como seu pai e seu irmão, Wally
West, o Kid Flash. Outra mudança de gênero e etnia nos quadrinhos foi a da
Capitã América do Futuro, que se tornou uma mulher negra, filha dos heróis
Luke Cage e Jessica Jones (ambos representados em séries da Netflix).
Em que contexto essas mudanças
ocorrem
As
mudanças surgem em um contexto de globalização, crescimentos dos debates sobre
relações raciais e de gênero e de uma demanda por mais representatividade. E
não é só com os super-heróis. Em 2015, por exemplo, a boneca Barbie ganhou uma
versão negra com cabelos trançados. Essas mudanças são reconhecidas pelos
movimentos negro, feminista e LGBT.
Além
de uma adaptação à demanda por mais representatividade, é comum que, de tempos
em tempos, editoras como a Marvel e DC Comics reiniciem as histórias de seus
heróis clássicos, apresentando novas origens, poderes, situações e, inclusive,
mudando suas características. Algumas dessas mudanças — que não necessariamente
estão ligadas a gênero, orientação sexual ou etnia — sofrem resistência de
parte dos fãs mais puristas e promovem debates acalorados.
O
quadrinista e editor brasileiro Rogério Campos afirma, porém, que as alterações
ligadas à representatividade mexem com preconceitos dos leitores. “Acho que os fãs reagem forte porque
quadrinho é um gênero que expressa o machismo”, disse Campos ao Nexo. “O quadrinho de super-herói foi criado para a
ilustração de um romantismo de aço, masculinizante. O universo dos quadrinhos
sempre foi dessa forma e a mudança é uma invasão ao mundo deles. É visível o
desconforto desse caras em eventos, pela presença feminina”, afirmou.
Há
dois anos, a Marvel introduziu a fase “All-New,
All-Different” (Tudo novo, tudo diferente) em suas HQs, as histórias de
super-heróis seguiram por universos paralelos onde os personagens se tornaram
mais representativos, como a Mulher-Aranha grávida. As mudanças acompanham as
duras críticas que a empresa sofreu em 2014 ao hiperssexualizar essa mesma
personagem. Elas mostram um esforço da editora em se adaptar às novas demandas.
Quais são as críticas às mudanças
O
quadrinista inglês John Byrne, responsável por histórias como “Quarteto Fantástico”, chegou a
classificar mudanças de etnia de personagens como racista. Para ele, que é
branco, delegar à etnia negra assumir heróis que são originalmente brancos é,
também, uma forma de racismo. No entanto, ativistas do movimento negro
discordam e comemoram as mudanças.
Byrne
chegou a questionar, entre 2014 e 2015, se a mudança de etnia do personagem
Tocha Humana, no filme mais recente do “Quarteto
Fantástico”, era realmente necessária ou se não seria “dar migalhas” a
atores negros em vez de criar novos personagens para eles.
Ramon
Vitral, responsável pelo blog “Vitralizado”,
disse em entrevista ao Nexo que fãs, em especial os de quadrinhos, costumam ter
atitudes conservadoras, esperando resultados próximos daquilo ao que já estão
familiarizados, mas que isso está mudando. “É
incrível quando o homem de ferro se torna uma mulher negra, quando o Hulk se
torna um cara asiático. É preciso haver representatividade e identificação dos
leitores, que não são apenas brancos, com os heróis”, disse.
A dinâmica das mudanças
Maurício
Muniz, jornalista especializado em cultura pop, disse ao Nexo que no universo
das histórias em quadrinhos as produções são cíclicas e estão sempre em
movimento, o que explicaria o surgimento de novos heróis e a inovação em
histórias já conhecidas, para dar fôlego novo a personagens clássicos. “É uma característica das editoras fazer
alterações nos personagens de tempos em tempos para chamar a atenção do
público. Às vezes eles morrem, às vezes eles casam, às vezes eles mudam de
etnia ou de sexo”, afirma.
O
editor da Veneta explica que dentro das próprias produtoras existem conflitos e
tensões quanto às mudanças. E que o objetivo de mercado, de buscar novos
públicos, está posto e é transparente. “Existem
várias complexidades nesse negócio. O fator determinante [para a indústria] é
atingir novos públicos. Não existe movimento dentro da indústria que não seja
nesse sentido. [...] porém, lá dentro, mesmo com vários impedimentos, há seres
humanos, pessoas que se recusam a desenhar histórias sobre negros associados a
pessoas ‘burras’, ou histórias que ridicularizam gays e mulheres”, conclui.
A
DC Comics — criadora da Liga da Justiça, Super-Homem e Batman —, segundo Muniz,
é pioneira nas mudanças e inovações no sentido de garantir maior
representatividade em suas histórias:
“As primeiras grandes super-heroínas e as
personagens fortes surgiram na DC nos anos 1940, como a Mulher-Maravilha, a
Mulher-Gato, a Tornado Vermelho e a Canário Negro. Nos anos 1950, veio a
Supergirl, nos anos 1960 a Batgirl. Enquanto a Marvel, nos anos 1960, tinha
pouquíssimas heroínas, a DC já tinha várias, com personalidades fortes,
inclusive na Legião dos Super-Heróis, um grupo de heróis que tinha diversas
mulheres, personagens de etnias diferentes e que, em algumas ocasiões, tinha
mais mulheres que homens em sua formação.”
Em 2011, o manto do Homem Aranha foi passado para Miles Morales, um garoto negro e hispânico de 13 anos. Foto: Reprodução/ Marvel. |