Luiz Carlos Azenha já foi profissional da rede Globo |
Luiz
Carlos Azenha, jornalista e editor do blog Viomundo, anunciou na última
sexta-feira, 29, que não mais editará o seu portal. O blogueiro e jornalista se despediu dos
leitores em sua página da rede social Facebook e apresentou as justificativas
dessa decisão : a série de processos movidos contra ele em razão de críticas
direcionadas à Rede Globo e ao diretor de Jornalismo Ali Kamel. “Eu estou no
limite”, escreveu.
No portal viomundo, Luiz Carlos escreveu com riqueza de detalhes a decisão. “Por mais que isso me doa profundamente no coração e na alma, devo admitir que perdemos. Não no campo político, mas no financeiro. Perdi. Ali Kamel e a Globo venceram. Calaram, pelo bolso, o Viomundo”, disse ele.
Confira
toda a explicação em tom despedida de Azenha que recebeu o seguinte título: Globo consegue o que a ditadura não
conseguiu: calar imprensa alternativa
"Meu
advogado, Cesar Kloury, me proíbe de discutir especificidades sobre a sentença
da Justiça carioca que me condenou a pagar 30 mil reais ao diretor de Central
Globo de Jornalismo, Ali Kamel, supostamente por mover contra ele uma “campanha
difamatória” em 28 posts do Viomundo, todos ligados a críticas políticas que
fiz a Kamel em circunstâncias diretamente relacionadas à campanha presidencial
de 2006, quando eu era repórter da Globo.
Lembro: eu não era um qualquer, na Globo, então. Era recém-chegado de ser correspondente da emissora em Nova York. Fui o repórter destacado para cobrir o candidato tucano Geraldo Alckmin durante a campanha de 2006. Ouvi, na redação de São Paulo, diretamente do então editor de economia do Jornal Nacional, Marco Aurélio Mello, que tinha sido determinado desde o Rio que as reportagens de economia deveriam ser “esquecidas”– tirar o pé, foi a frase — porque supostamente poderiam beneficiar a reeleição de Lula.
Vi
colegas, como Mariana Kotscho e Cecília Negrão, reclamando que a cobertura da
emissora nas eleições presidenciais não era imparcial.
Um
importante repórter da emissora ligava para o então ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, dizendo que a Globo pretendia entregar a eleição para o tucano
Geraldo Alckmin. Ouvi o telefonema. Mais tarde, instado pelo próprio ministro,
confirmei o que era também minha impressão.
Pessoalmente,
tive uma reportagem potencialmente danosa para o então candidato a governador de
São Paulo, José Serra, censurada. A reportagem dava conta de que Serra,
enquanto ministro, tinha autorizado a maior parte das doações irregulares de
ambulâncias a prefeituras.
Quando
uma produtora localizou no interior de Minas Gerais o ex-assessor do ministro
da Saúde Serra, Platão Fischer-Puller, que poderia esclarecer aspectos obscuros
sobre a gestão do ministro no governo FHC, ela foi desencorajada a persegui-lo,
enquanto todos os recursos da emissora foram destinados a denunciar o contador
do PT Delúbio Soares e o ex-ministro da Saúde Humberto Costa, este
posteriormente absolvido de todas as acusações.
Tive
reportagem sobre Carlinhos Cachoeira — muito mais tarde revelado como fonte da
revista Veja para escândalos do governo Lula — ‘deslocada’ de telejornal mais
nobre da emissora para o Bom Dia Brasil, como pode atestar o então editor Marco
Aurélio Mello.
Num
episódio específico, fui perseguido na redação por um feitor munido de um rádio
de comunicação com o qual falava diretamente com o Rio de Janeiro: tratava-se
de obter minha assinatura para um abaixo-assinado em apoio a Ali Kamel sobre a
cobertura das eleições de 2006.
Considero
que isso caracteriza assédio moral, já que o beneficiado pelo abaixo-assinado
era chefe e poderia promover ou prejudicar subordinados de acordo com a adesão.
Argumentei,
então, que o comentarista de política da Globo, Arnaldo Jabor, havia dito em
plena campanha eleitoral que Lula era comparável ao ditador da Coréia do Norte,
Kim Il-Sung, e que não acreditava ser essa postura compatível com a suposta
imparcialidade da emissora. Resposta do editor, que hoje ocupa importante cargo
na hierarquia da Globo: Jabor era o “palhaço” da casa, não deveria ser levado a
sério.
No
dia do primeiro turno das eleições, alertado por colega, ouvi uma gravação
entre o delegado da Polícia Federal Edmilson Bruno e um grupo de jornalistas,
na qual eles combinavam como deveria ser feito o vazamento das fotos do
dinheiro que teria sido usado pelo PT para comprar um dossiê contra o candidato
Serra.
Achei
o assunto relevante e reproduzi uma transcrição — confesso, defeituosa pela
pressa – no Viomundo.
Fui
advertido por telefone pelo atual chefão da Globo, Carlos Henrique Schroeder,
de que não deveria ter revelado em meu blog pessoal, hospedado na Globo.com,
informações levantadas durante meu trabalho como repórter da emissora.
Contestei:
a gravação, em minha opinião, era jornalisticamente relevante para o
entendimento de todo o contexto do vazamento, que se deu exatamente na véspera
do primeiro turno.
Enojado
com o que havia testemunhado ao longo de 2006, inclusive com a represália
exercida contra colegas — dentre os quais Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello e
Carlos Dornelles — e interessado especialmente em conhecer o mundo da
blogosfera — pedi antecipadamente a rescisão de meu contrato com a emissora, na
qual ganhava salário de alto executivo, com mais de um ano de antecedência,
assumindo o compromisso de não trabalhar para outra emissora antes do
vencimento do contrato pelo qual já não recebia salário.
Ou
seja, fiz isso apesar dos grandes danos para minha carreira profissional e meu
sustento pessoal.
Apesar
das mentiras, ilações e tentativas de assassinato de caráter, perpretradas pelo
jornal O Globo* e colunistas associados de Veja, friso: sempre vivi de meu
salário. Este site sempre foi mantido graças a meu próprio salário de
jornalista-trabalhador.
O
objetivo do Viomundo sempre foi o de defender o interesse público e os
movimentos sociais, sub-representados na mídia corporativa. Declaramos
oficialmente: não recebemos patrocínio de governos ou empresas públicas ou
estatais, ao contrário da Folha, de O Globo ou do Estadão. Nem do governo
federal, nem de governos estaduais ou municipais.
Porém,
para tudo existe um limite. A ação que me foi movida pela TV Globo
(nominalmente por Ali Kamel) me custou R$ 30 mil reais em honorários
advocatícios.
Fora
o que eventualmente terei de gastar para derrotá-la. Agora, pensem comigo: qual
é o limite das Organizações Globo para gastar com advogados?
O
objetivo da emissora, ainda que por vias tortas, é claro: intimidar e calar
aqueles que são capazes de desvendar o que se passa nos bastidores dela,
justamente por terem fontes e conhecimento das engrenagens globais.
Sou
arrimo de família: sustento mãe, irmão, ajudo irmã, filhas e mantenho este site
graças a dinheiro de meu próprio bolso e da valiosa colaboração gratuita de
milhares de leitores.
Cheguei
ao extremo de meu limite financeiro, o que obviamente não é o caso das
Organizações Globo, que concentram pelo menos 50% de todas as verbas
publicitárias do Brasil, com o equivalente poder político, midiático e lobístico.
Durante
a ditadura militar, implantada com o apoio das Organizações Globo, da Folha e
do Estadão — entre outros que teriam se beneficiado do regime de força — houve
uma forte tentativa de sufocar os meios alternativos de informação, dentre os
quais destaco os jornais Movimento e Pasquim.
Hoje,
através da judicialização de debate político, de um confronto que leva para a
Justiça uma disputa entre desiguais, estamos fadados ao sufoco lento e gradual.
E,
por mais que isso me doa profundamente no coração e na alma, devo admitir que
perdemos. Não no campo político, mas no financeiro. Perdi. Ali Kamel e a Globo
venceram. Calaram, pelo bolso, o Viomundo.
Estou
certo de que meus queridíssimos leitores e apoiadores encontrarão alternativas
à altura. O certo é que as Organizações Globo, uma das maiores empresas de
jornalismo do mundo, nominalmente representadas aqui por Ali Kamel, mais uma
vez impuseram seu monopólio informativo ao Brasil.
Eu
os vejo por aí".