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Código Penal: Proposta aprovada no Senado é considerada tímida e conservadora



O Relatório de Tarques já era considerado ruim antes mesmo
da inclusão do texto sobre homofobia.
Depois de avaliar por um ano e meio anteprojeto apresentado por um grupo de juristas renomados, a comissão especial do Senado encarregada de concluir a proposta do novo Código Penal terminou elaborando um texto que traz boas novidades para os brasileiros em relação à tipificação de novos crimes relacionados ao desvio de recursos públicos, combate à corrupção e ao aumento de algumas penas já existentes. Mas que, por outro lado, está sendo visto muito mais como conservador do que como reflexo do que a sociedade pediu nos últimos anos, no tocante a temas como aborto, porte de maconha, eutanásia ou identidade sexual – segundo os críticos, temas que passaram à margem das discussões.

A matéria recebeu mais de 800 emendas desde que começou a ser analisada pelos senadores em junho do ano passado. Vai agora para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, depois para votação no plenário da Casa e, em seguida, será encaminhada à Câmara dos Deputados. A proposta, que muda um código vigente no país há 73 anos, transforma em hediondos os crimes de corrupção (tipificação que já é objeto de projeto de lei na Câmara dos Deputados), financiamento ao terrorismo, redução de pessoa à condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas e crimes contra a humanidade. Dessa forma, amplia o tempo de condenação para os réus assim enquadrados.

O texto também cria quatro novos crimes e amplia as penalidades de outros. Três dos novos crimes passam a ser: caixa dois, enriquecimento ilícito de servidores públicos e terrorismo. O quarto a ser incluído, de homofobia, fazia parte de um projeto que tramitava em separado no Senado e, após aprovação de requerimento em plenário, passou a figurar apensado ao código.

No caso de caixa dois, tipificado como crime por doação eleitoral ilegal, a pena será de dois a cinco anos, mas com regulamentação a ser observada posteriormente em legislação específica. Já quanto ao enriquecimento ilícito de servidores públicos, a pena será de dois a cinco anos, com a possibilidade de perda dos bens obtidos de forma irregular pelas pessoas que forem enquadradas nesse tipo de ilícito. Hoje, o enriquecimento ilícito é punido como improbidade administrativa, mas sem referência legal específica.

Da mesma forma, está previsto para o crime referente a maus-tratos a animais o aumento da pena atual, que é de três meses a um ano de prisão, para de um a três anos. Também a pena por matança ou caça de animal silvestre, hoje de seis meses a um ano de prisão, foi ampliada para de dois a quatro anos. Passará, ainda, a ser considerado furto qualificado o ato de conduzir e transportar um veículo furtado para outro local (seja município, estado ou outro país), com pena prevista de dois a oito anos de prisão.

Homofobia

A inclusão, no último minuto do segundo tempo, do crime de homofobia – que determina prisão de um a cinco anos para quem praticar discriminação ou preconceito de “identidade ou orientação sexual” – ao corpo da proposta, ocorreu em meio a protesto de alguns parlamentares, por considerarem que a inclusão pode atrapalhar a aprovação desse tipo de penalidade. A senadora Ana Rita (PT-ES) ponderou que o assunto tem muitas especificidades e foi intensamente discutido, motivo pelo qual pode vir a não contemplar tudo o que propõe atualmente.

Quem não conhece a realidade do público LGBT – lésbicas, gays, bissexuais e transexuais – tem dificuldade de entender as regras que incluímos e são importantes para combater a discriminação. Todos sabemos que essa população enfrenta muito preconceito, ódio e violência e precisa de uma legislação bem definida”, afirmou a senadora, que encontrou argumentos semelhantes por parte do relator do projeto de homofobia, senador Paulo Paim (PT-RS) e do também senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Apesar disso, venceu a opinião dos que entendem que, como o Código Penal já aborda o tema quando menciona em responsabilização criminal de questões sobre intolerância racismo e violência, não há como a matéria ser discutida no Congresso em separado. Caso dos senadores Eduardo Lopes (PRB-RJ) e Magno Malta (PR-ES), para quem a inclusão da mesma ao código é plenamente justificável.

Crimes contra a vida

De acordo com o relatório aprovado pela comissão, o novo código também aumentará o tempo máximo de pena para os condenados em júri popular nos crimes cometidos contra a vida humana. A pena mínima por homicídio, hoje de seis anos de reclusão, passará a ser de oito anos.  A máxima continuará sendo de 20 anos.

Da mesma forma, o tempo incluído nos critérios para progressão da pena, que permite ao condenado por homicídio ser transferido para um regime mais brando, passa a ser modificado. Hoje, depois de cumprir 1/6 da pena em regime fechado, o condenado pode mudar de regime prisional. Com o novo código, o tempo de cumprimento exigido em regime fechado passará a ser de 1/4 da pena. Só depois disso é que o condenado poderá vir a ser autorizado para mudar de regime. Além disso, o período máximo de prisão, atualmente de 30 anos, no caso de crimes acumulados, subirá para 40 anos.

Aborto e entorpecentes

O relatório não tocou em qualquer alteração em relação ao aborto, apenas acrescentou o resultado de decisão já aprovada e formalizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a fetos anencéfalos. Também não avança muito no tocante ao uso de entorpecentes, tema que recebeu uma mudança tida como leve. E, nem sequer, toca no item eutanásia (que não é abordado no código atual e tratado como crime contra a vida).

No caso do aborto, o texto foi votado sem a inclusão sugerida pelos juristas e debatida amplamente entre os senadores e representantes de entidades diversas, que esperavam um capítulo permitindo autorização das mulheres para abortar nas primeiras 12 semanas de vida, caso seja justificada a incapacidade de arcar com a gravidez – considerado “moderno demais”, sobretudo pelos parlamentares evangélicos.

O código continuará permitindo o aborto em caso de estupro e de risco de vida da mãe. A única mudança, de fato, sobre o assunto, permite que no caso de fetos anencéfalos, assim como no caso de bebê com alguma outra anomalia que impeça sua sobrevivência após o parto, a interrupção será possível, mas com a ressalva de que somente depois desse tipo de quadro ser atestado por dois médicos. O relator, senador Pedro Taques (PDT-MT), retirou do relatório um outro item que dizia que poderia ser realizado o aborto diante de “riscos de saúde da mulher”, por considerar, segundo informou, que “a frase poderia dar margem para outras interpretações”. Ele se justificou dizendo que o importante é mostrar “os avanços que o texto trará para a sociedade brasileira em outros aspectos”.

O mesmo ocorreu no tocante à discussão sobre autorização para plantio de drogas para uso próprio, que foi ignorada na proposta final. Neste caso, contudo, o capítulo não ficará da mesma forma. O novo texto reitera que continuará sendo crime o uso de entorpecentes, mas não haverá mais a pena de privação de liberdade para as pessoas pegas com esses produtos, como ocorre atualmente. Sendo assim, caberá ao juiz de cada processo decidir se a pessoa que foi pega deve ser enquadrada como usuário ou traficante (o que já acontece hoje, mas muitas vezes seguida de prisão em flagrante).

‘Verdade absoluta’

Não temos a proposta perfeita, mas conseguimos fazer a que foi possível. Agora é que a matéria começa a tramitar e sabemos que outras modificações podem e precisam ser feitas no decorrer dos trabalhos. Como relator eu não possuo a verdade absoluta”, enfatizou Taques, ao acrescentar que sua missão foi cumprida.

Há mudanças, sim, no aumento de penalidades para crimes já previstos. Mas a falta de discussão sobre temas que foram tão abordados e pedidos pela sociedade nos últimos meses mostra que o Senado preparou um código conservador, como são conservadores os perfis dos seus integrantes”, criticou a socióloga Geysa Ferreira, integrante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria – Cfemea. “Em relação ao projeto da homofobia, a inclusão do item no texto representou o atraso na tramitação de uma matéria que tratava especificidades e deveria caminhar em separado. Afinal, estamos falando de um assunto que tem sido pleiteado há 12 anos”, reclamou o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ).

Acredito que ao longo da tramitação mais audiências públicas serão realizadas e alguns itens poderão ser mudados, como ocorre com toda matéria legislativa. A proposta recebeu mais de seis mil sugestões de cidadãos brasileiros e certamente várias entidades organizadas da sociedade civil vão se manifestar a respeito, a partir do próximo ano, no Congresso”, enfatizou o advogado Jairo Nascimento, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo, que também considerou tímidas as alterações.

Via Rede Brasil Atual

Código Penal tem pontos progressistas cortados



Presos na cadeia pública no Ceará. Parecer do relator prevê
mais tempo de detenção.
Quando foi elaborado, em 1941, o Código Penal brasileiro encontrava um Brasil muito diferente do atual: as mulheres nem de longe representavam os 45,4% da população economicamente ativa do País, o divórcio estava a 36 anos de ser previsto em lei, o que hoje são organizações criminosas e associações internacionais eram chamadas de bandos (inspirados em Lampião), e o tráfico de drogas não gerava monopólios ou redes de tráfico internacionais.

A sociedade mudou. O debate também. O foco hoje é sobre o casamento gay e a legalização das drogas, pontos inimagináveis há 72 anos. Mas, em vez de promover uma reforma condizente com a realidade atual, o que se vê é um combate a reformas progressistas antes mesmo de o novo código nascer.

Enquanto o vizinho Uruguai busca, a passos largos, um Estado progressista que dê soluções para problemas crônicos, com a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, a legalização da maconha (com o Estado controlando a produção e venda), o Brasil parece caminhar na direção oposta. A proposta da Comissão de Reforma do Código Penal, composta por 16 juristas há dois anos para a elaboração do PLS 236/2012, retrocedeu antes de ser votada nas comissões e plenário do Senado.

Seu relator, o senador Pedro Taques (PDT-MT), limou em seu relatório os pontos mais progressistas (e polêmicos) que o texto proposto pelos juristas continha. Enquanto a comissão propunha que o aborto fosse permitido até a 12ª semana de gestação, o senador manteve a permissão apenas em casos de estupros ou anencefalia. No lugar do cumprimento de um sexto da pena para a progressão de regime, foi pedido pelo parlamentar a necessidade de o réu primário cumprir um quarto para passar do fechado para o semiaberto ou o aberto. Em vez de descriminalizar uma pequena quantidade de drogas que configure uso pessoal, Taques insistiu que, neste caso, o usuário passe por um processo e cumpra penas alternativas. 

Diferentemente da proposta dos juristas, ainda, a eutanásia voltou a ser considerada uma violação da lei pelo relator, que também propôs que a pena mínima de homicídio passe de seis para oito anos, incluiu a corrupção no rol dos crimes hediondos e propôs a tipificação de novos crimes, como o de terrorismo.

“Nosso trabalho sofreu uma cirurgia para enfeiá-lo. Ao contrário de uma operação reparadora foi feita uma destruidora”, observa o advogado criminalista Técio Lins e Silva, que fez parte do corpo responsável pela reforma na legislação. “O projeto foi mutilado. Como um animal que é levado para ser castrado, retiraram dele todo o vigor para domesticá-lo.”

Para o advogado Eduardo Baker, da ONG Justiça Global, o parecer do senador preocupa, uma vez que “em vez de medidas desencarceradoras, investe em mais prisão, mais punição e tempo de pena”.

“É preocupante atender a essa demanda da sociedade por mais punição e não levar em conta as consequências disso para o sistema prisional”, lembra Baker sobre a população carcerária de quase 600 mil presos no Brasil. “Além disso, transformar um crime em hediondo não significa que ele vai ocorrer menos. Ter mais crimes hediondos, que não preveem progressão de regime, é uma forma de inchar ainda mais o cárcere, que é um espaço de produção de violência e tortura e não de socialização.”

Pressão. Apesar de o senador argumentar que seu parecer é norteado pela “proteção da vida como bem jurídico” e dizer que o Código está “adaptado à realidade histórica na qual vivemos”, há quem diga que Taques vem sendo pressionado por entidades da sociedade civil – como a Associação Pró-Vida e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – e por parlamentares conservadores e religiosos da chamada “bancada da família”.

“Sempre há soldados de plantão contra temas que representam avanços inexoráveis ao progresso”, protesta Lins e Silva. “Temos aí um retrocesso: o Código Penal, que era da década de 1940, parece estar voltando para 1920. Não esperava que começasse assim. Não nos primeiros 15 minutos do primeiro tempo.”
Depois de receber as emendas parlamentares, o projeto de reforma do Código Penal deve ir, no fim de outubro, para votação na Comissão de Cidadania e Justiça no Senado, antes de seguir para plenário.




Via Carta Capital