Padre Júlio contra a "arquitetura hostil" e a aporofobia (FOTO/ Henrique de Campos/Reprodução). |
O
projeto de autoria do senador Fabiano Contarato proibindo a “arquitetura hostil”, que já passou pelo
Senado e atualmente tramita na Câmara, onde foi aprovado na Comissão de
Desenvolvimento Urbano, se multiplica nas casas legislativas país afora. A
exemplo do Senado, em todos os lugares onde a proposta aparece é chamada de “Lei Padre Lancelotti” ou “Lei Padre Júlio Lancelotti”, em
homenagem ao sacerdote e protetor dos sem-teto que, em fevereiro do ano
passado, destruiu a marretadas pedras pontiagudas instaladas pela prefeitura embaixo
de viadutos de São Paulo.
“Arquitetura hostil” é o termo utilizado
para denominar os “equipamentos”
urbanos destinados a tornar ainda mais difícil a vida dos que não têm moradia
–ou a abominável arte de impedir pessoas sem-teto de dormir na rua, como já
chamamos aqui no site. Projetos idênticos ao de Contarato já apareceram em São
Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza, São José do Rio Preto,
Araraquara, Ribeirão Preto e no Recife.
O
escopo da proibição é comum a todos os projetos: braçadeiras em bancos, pedras
pontiagudas, espetos e pinos metálicos sobre calçadas e sob viadutos, jatos
d’água em marquises e outras ideias sádicas para impedir a pessoa em situação
de rua de se deitar e dormir.
São
fartos os exemplos da “criatividade”
dos gestores e administradores de edifícios na hora de inventar artefatos para
espantar os sem-teto para longe das “regiões
nobres” das grandes cidades. O perfil do padre Júlio no instagram mostra
dezenas destes instrumentos de tortura espalhados pelas cidades utilizando a
tag #aporofobia, termo cunhado pela filósofa espanhola Adela Cortina para
definir o horror ou a aversão aos pobres. Algumas das imagens ilustram este
post.
Na
capital paulista, um projeto contra a “arquitetura
hostil”, de autoria dos vereadores Toninho Véspoli (PSOL) e Eduardo Suplicy
(PT), foi aprovado em primeiro turno na Câmara em dezembro do ano passado. Na
Assembleia Legislativa de São Paulo há outro projeto de “Lei Padre Júlio” tramitando, de autoria do petista Paulo Fiorilo.
No Distrito Federal, o projeto do deputado distrital Fábio Félix (PSOL) foi
aprovado na Comissão de Assuntos Fundiários em outubro.
Em
São José do Rio Preto (SP), o projeto de uma “Lei Padre Júlio” foi apresentado pelo vereador João Paulo Rillo
(PSOL) em dezembro passado, mesmo mês em que a vereadora Fabi Virgílio, do PT,
fez o mesmo em Araraquara (SP).Outra iniciativa no interior paulista foi o
projeto do vereador Sergio Zerbinato (PSB), protocolado em março de 2021.
Em
Belo Horizonte, as vereadoras Bella Gonçalves e Iza Lourença deram entrada em
seu projeto de lei proibindo a “arquitetura
hostil” em janeiro deste ano. Simultaneamente, uma proposta semelhante foi
apresentada na Assembleia Legislativa de Minas pela deputada Beatriz Cerqueira
(PT). A vereadora Larissa Gaspar (PT) foi pioneira e apresentou um projeto
contra este tipo de “equipamento urbano”
ainda em 2018 em Fortaleza, que se encontra parado até hoje na Câmara
Municipal.
Em
agosto do ano passado, também inspirado no padre Júlio, um projeto dos
vereadores Chico Alencar (PSOL), João Mendes de Jesus (Republicanos), Reimont
(PT) e outros proibindo a “arquitetura
hostil” foi aprovado pela Câmara Municipal do Rio, mas acabou sendo vetado
pelo prefeito Eduardo Paes (DEM), que alegou ser “inconstitucional”. “A
definição de padrões urbanísticos e construtivos é competência do Chefe do
Poder Executivo, de vez que se trata de matéria regulamentar de política urbana”,
disse a prefeitura na justificativa.
Agora
foi a vez de o Recife ter um projeto similar, apresentado em janeiro pela
vereadora Liana Cirne Lins (PT). “A
administração pública, ao invés de colocar blocos de concreto para evitar que
as pessoas em situação de rua usem os espaços públicos como abrigo, deveria
prover assistência a essas famílias”, diz Liana. “Nossa inspiração nesse projeto de lei é o padre Júlio Lancellotti, que
a marretadas derrubou os blocos que a prefeitura de São Paulo instalou embaixo
de viadutos para que a população em situação de rua não utilizasse aquele
espaço como abrigo. E quais foram as alternativas apresentadas?”
Na
audiência pública que debateu o projeto na Câmara dos Deputados, em outubro,
entidades representativas dos arquitetos rejeitaram o termo “arquitetura hostil” como ofensivo à
profissão. Ednezer Rodrigues, representante do CAU (Conselho de Arquitetura e
Urbanismo), disse que “atrelar a
arquitetura à palavra ‘hostilidade’ parece um pouco complicado” e sugeriu “elementos construtivos hostis”. Já a
presidenta da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas, Eleonira Mascia,
defendeu “técnicas hostis de construção
do espaço urbano”.
Durante
a audiência, o autor do projeto original, Fabiano Contarato, justificou que as
cidades precisam ser inclusivas, não excludentes. “Como é que um prefeito, um
governador implementa políticas públicas se ele não sabe nem quem são as pessoas
que vivem em situação de rua?”, observou o senador, lembrando que essas pessoas
“não conseguem se proteger das
intempéries da natureza, sofrem com o calor e com a chuva, são pessoas que não
têm acesso a saneamento básico, que não têm banheiro para tomar banho, que
convivem com ratos, baratas, doenças, que presenciam a violência urbana
diariamente”.
Com
o número de pessoas em situação de rua agravado em virtude da pandemia –quase
dobrou em São Paulo nos últimos dois anos, segundo dados da prefeitura–, projetos
semelhantes devem ser replicados em outras Câmaras de Vereadores do país para
garantir alguma mudança pelo menos em nível local, já que o próprio padre
Lancelotti não acredita que a proposição vingue no Congresso.
“Penso que essa proposta de lei contra
intervenções hostis dificilmente prosperará”, disse o sacerdote ao site
ArchDaily esta semana. “Os interesses do
mercado imobiliário são muito fortes no Congresso Nacional. É preciso ser
realista. O Congresso está mais preocupado com os moradores de rua ou com os
empreendimentos imobiliários? Dará mais importância a um morador de rua que
está sendo fustigado por intervenções arquitetônicas hostis, ou às
incorporadoras, empreiteiras e grandes corporações imobiliárias?”
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Com informações da Agência Câmara e do
Socialista Morena.