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Lena
Castello é Professora Titular (aposentada)
da Universidade Federal de Goiás
(UFG) e
Diretora da Revista do Instituto Histórico
e Geográfico de Goiás
|
Por
Lena Castello
Ao
longo dos muitos anos em que ensinei, trabalhei e pesquisei, sempre me intrigou
a constatação do quanto somos poderosos, nós, professores de História e seu
“alter ego”, o pesquisador/ historiador. Dizê-lo assim, com todas as letras,
poderá parecer basófia, diante da modéstia do nosso status e do pífio
reconhecimento do magistério e da pesquisa histórica como profissão.
Mas
este é um fato real. Nos livros que contam a nossa história, estão os
fundamentos da identidade brasileira; e é nas salas de aula de história que
crianças e jovens descobrem e assimilam os conceitos de pátria, de país, de
povo e de sociedade brasileira. O pertencimento ao grupo começa com o
conhecimento da sua história; os horizontes alargam-se com a história
universal. O que tende a ampliar-se na sociedade globalizada de hoje, onde os
avanços da tecnologia estão a exigir cidadãos do mundo.
Para
ficarmos no caso brasileiro, assinalemos que a formação de bacharéis e
licenciados em história começou entre nós a partir da década de 1930, e
unicamente nos grandes centros culturais do país. Em Goiás, a primeira turma da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (embrião da atual PUC/GO) formou-se
em 1951, quando alguns poucos bacharéis concluíram o então curso de Geografia e
História.
Para
que se desse início à pesquisa histórica, mais duas décadas se passaram, até
que se instalassem os primeiros cursos de pós-graduação na área, em 1972, no
antigo Instituto de Ciências Humanas e Letras da UFG.
Na
atualidade, há inúmeros bacharelados e licenciaturas em História, acrescidos de
prestigiosos programas de especialização, mestrado e doutorado. Teses,
dissertações, revistas especializadas, boletins e livros são publicados em
Goiânia e em cidades do interior do estado, muitas vezes levando à revisão de
conceitos e à descoberta de verdades soterradas sob camadas de acomodação e de
oficialismo.
Com
efeito: em cada tempo, é possível identificar-se o esforço dos donos do poder,
no sentido de se posicionarem favoravelmente aos olhos de Clio. Escribas oficiais
e cronistas apadrinhados sempre deixam para o futuro visões favoráveis do seu
tempo e das personalidades que nele exerceram o poder – o que é fruto da
vaidade inerente à humana natureza. A quem vem depois, ao historiador, caberá
questionar e preencher os claros e decifrar a escrita subliminar oculta nos
documentos e testemunhos; e reinterpretá-los à luz do contexto histórico e da
bibliografia pertinente sobre o tema ou temas correlatos.
No
caso de Goiás, ainda há muita documentação a ser pesquisada para uma
re-escritura mais equilibrada da sua História. Os historiadores pioneiros
debruçaram-se sobre tópicos recorrentes como o bandeirismo, a extração do ouro,
os primeiros núcleos urbanos, a sociedade em formação. O instrumental teórico e
metodológico de que dispunham eram, contudo, insuficientes – como de regra
acontecia em quase toda a historiografia brasileira. Com a agravante de que,
nas grandes sínteses elaboradas durante a primeira metade do século XX, Goiás é
o grande ausente, numa história que se produziu a partir do Brasil litorâneo
(ou quase).
O
que se passou no imenso continente goiano, as forças que o mantiveram fiel ao
projeto nacional, as condições de sobrevivência da cultura ocidental no meio
distante e hostil – nada disso foi motivo de maior questionamento e reflexão,
até recentemente.
Aos
poucos, algumas luzes se acendem nessa trilha dificultada por lacunas e
obscurecida por idéias ultrapassadas. Nada mais “demódée” do que o perfil
consagrado das personalidades dominantes no cenário político de Goiás no século
passado: de um lado, os homens retrógrados e violentos da Velha República; de
outro, as personalidades iluminadas e impolutas que exerceram o poder depois da
Revolução de 1930. Trabalhos recentes vêm revelando luzes e sombras de umas e
de outras, ganhando a historiografia goiana em nuances e em veracidade.
Fico
a pensar na tarefa insana com que depararão os historiadores do futuro quando
forem estudar os tempos atuais, tendo de haver-se com uma imensidão de dados e
suportes documentais os mais diversos. Da década de 1960 ao segundo decênio do
século XXI, muitos dos protagonistas serão os mesmos, mas apresentados sob
óticas antagônicas: ora heróis, ora sabujos; ora anjos, ora demônios. De acordo
com as fontes consultadas, haverá que ser exercitada a crítica e cotejadas as
informações disponíveis, delas escoimando-se o que há de propagandístico e
inverídico.
Fiquemos
com a personalidade do ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, figura
preeminente da vida nacional nos últimos quarenta anos. E, com ele, toda uma
coorte de sindicalistas, a partir de certo momento investidos nos deveres e
usufruindo das benesses do poder. De acordo com a publicidade oficial e
oficiosa, eles estariam mudando o Brasil para melhor, resgatando da miséria milhões
de brasileiros e guindando outros tantos à segurança e bem estar da classe
média. Se consultada, porém, a mídia contemporânea de maior peso e influência,
os dados serão muito diferentes, com denúncias de populismo, estatísticas
manipuladas, escândalos, malversações de fundos públicos, amoralidade e
imoralidade campeando nos altos escalões da República.
Só
o tempo fará decantar a verdade desses tempos temerários em que vivemos. Coisa
para alguns séculos... o que é nada, neste ofício fascinante de fazer a
História.
Créditos: ANPUH
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