17 de março de 2023

Os gregos não inventaram a filosofia

 

Molefi Asante, autor de 'Erasing racism: the survival of the American nation' (Foto: Divulgação)

Sem dúvida, as investigações do nosso grupo de pesquisa têm motivado muitas objeções. Os estudos que realizamos sobre filosofia africana não são inéditos; mas o aumento da circulação de material acadêmico no Brasil que problematiza o nascimento da filosofia na Grécia, trazendo à luz fontes africanas mais antigas que as ocidentais, tem sido motivo de críticas variadas. Objeções que alegam: “filosofia” é um termo grego; outras insistem que só na Grécia Antiga o pensamento ganhou tom laico. Ou ainda, perguntam por que deveríamos “impor” o registro filosófico a outras formas de pensamento de povos da antiguidade fora do mundo helênico. Em resumo, tais questões têm sido acompanhadas de argumentos diversos que dizem algo como: a filosofia nasceu na Grécia, desenvolveu-se dentro da ambiência territorial europeia como uma aventura ocidental do pensamento humano. Não cabe destrinchar cada uma das objeções, tampouco teríamos condições de apresentar o vasto elenco de tréplicas em favor da produção filosófica africana desde George James com Legado roubado, passando por Cheikh Diop, Theóphile Obenga, Molefi Asante, até A filosofia antes dos gregos, de José Nunes Carreira. Todos os autores advogam uma hipótese comum: a filosofia não nasceu grega. A abordagem que defendemos denuncia uma grave confusão. A questão não é onde nasceu a filosofia. Com base em fontes históricas diversas, os textos egípcios são documentos africanos mais antigos do que os escritos gregos, que são referências da cultura ocidental. Alguns expoentes da egiptologia, seja Jean-François Champollion (1790-1832), Cheikh Anta Diop (1923-1986), Theóphile Obenga (1936-) ou Jan Assmann (1938-) concordam que os textos egípcios são mais antigos do que os gregos. A polêmica está no caráter filosófico dos escritos egípcios. Nós estamos de acordo com Diop e Obenga – o material egípcio é filosófico.

A filosofia de Ptahhotep

Em A filosofia antes dos gregos, Carreira menciona o Egito como uma região rica em produção filosófica. Ptahhotep foi alto funcionário do Faraó Isesi da 5ª Dinastia do Reino Antigo e sua função era chamada de rekhet, traduzida por Obenga como “filosofia”. Identificamos nos ensinamentos de Ptahhotep recomendações para o debate, sugerindo uma conduta adequada numa contenda. Ptahhotep diz que em relação ao contendor podem existir três tipos de pessoas. 1ª) As que têm uma balança mais precisa, “superiores”; 2ª) As que têm balança tão precisa quanto a nossa, “iguais”; 3ª) As que têm balança menos precisa, “inferiores”. O filósofo não menciona diretamente a deusa Maat; mas ela aparece de modo indireto à medida que a balança é um dos seus principais símbolos. “Maat” circunscreve várias ideias: “harmonia”, “verdade”, “ordem”. A sua balança é o instrumento que mede a palavra. O que está em jogo na contenda é o uso adequado da balança para mensurar a verdade. Por isso, a arte da rekhet é inconclusa; sempre podemos encontrar um contendor com balança mais precisa. Os limites da rekhet “não podem ser alcançados, e a destreza de nenhum artista é perfeita”. (Veja o texto “Ensinamentos de Ptahhotep”, publicado no livro Escrito para a eternidade: a literatura no Egito faraônico, de Emanuel Araujo. Brasília/São Paulo, 2000.) Nossa defesa está a favor da atitude filosófica de não recusar uma tese sem o seu devido exame; por isso, a recomendação de ler Ptahhotep.

A certidão de nascimento da filosofia

Propor uma agenda de leitura dos textos africanos antigos não sinaliza um interesse em substituir a Grécia pelo Egito, fazendo da cultura africana o paradigma civilizatório na antiguidade. Pelo contrário, o esforço por definir um “marco zero” para a filosofia vale-se de uma interpretação entre outras – o que não pode ser um tabu dogmático. A título de analogia, o filósofo inglês Michael Hardt interpela a filosofia de Hegel por meio de Nietzsche, e nos diz que “a dialética é um falso problema”(Em Gilles Deleuze: um aprendizado filosófico, na tradução de Sueli Cavendish. São Paulo, 1996). Algumas abordagens filosóficas usam o modelo dialético como indispensável para a filosofia da história, enquanto outras a recusam plenamente. Do mesmo modo, defendemos que o nascimento da filosofia é um falso problema. Não se trata de afirmar que a filosofia nasceu no Egito e substituir Tales de Mileto ou Platão por Ptahhotep. Não pedimos a retirada da “certidão grega da filosofia” dos manuais, mas sim que ela não venha sozinha, sem o registro de que existem posições a favor do nascimento africano. Os manuais de filosofia precisam incluir versões diversas sobre suas origens, reconhecendo a legitimidade de todas, assim como não ignoramos perspectivas diferentes em várias questões filosóficas. É perigoso e reducionista para uma boa formação filosófica limitar toda a filosofia a poucas tradições. Com efeito, o problema não seria estritamente teórico, mas político (e obviamente filosófico). O projeto de dominação do Ocidente tem um aspecto epistemológico que pretende calar qualquer filosofia que tenha sotaques diferentes. Afinal, a filosofia foi “eleita” como suprassumo da cultura ocidental.

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Texto de Renato Nogueira, doutor em Filosofia pela UFRJ, professor da UFRJ e coordenador do grupo de pesquisa Afroperspectivas, Saberes e Interseções.

Publicado originalmente na Revista Cult.

15 de março de 2023

Diogo Bezerra e Lucas Lima iniciam campanha para voar rumo a encontro com líderes globais em Berlim

 

Diogo e Lucas, da esquerda para a direita. (FOTO |Reprodução).

O financiamento coletivo intitulado “Da Quebrada Pra Berlim” pretende levar os dois jovens para o evento que reúne grandes organizações, renomados diplomatas e chefes de estado na Alemanha.

A Global Solutions é uma conferência mundial, definida como um “fórum de políticas” dos países do grupo G7 e G20. Visando proporcionar o encontro de líderes e diplomatas para discutir soluções de algumas problemáticas atuais, como a educação, a instituição realiza eventos como o Global Solutions Summit, que ocorre entre dois dias de todos os anos, desde 2017. Neste ano, particularmente, o evento acontecerá no coração de Berlim com mais de 100 palestrantes e 1000 convidados do mundo todo, incluindo chefes de estado, empresários e empreendedores sociais. Gerando grande impacto em muitas vidas no Brasil, os brasileiros selecionados no Top 50 Young

Global Changer Diogo Bezerra, sócio-fundador da escola gratuita de tecnologia Mais1Code e Lucas Lima, engenheiro mecânico e fundador da startup de impressoras 3D Infill, passaram por um rígido processo de seleção e tornaram-se dois dos convidados especiais da cerimônia.

A edtech Mais1Code foi desenvolvida com o propósito de proporcionar ensino tecnológico gratuito a jovens de baixa renda. Além de realizar a formação dos alunos, a equipe auxilia a entrada dos mesmos no mercado de trabalho, por meio do patrocínio de marcas nacionais e internacionais, como o Instituto Nu e a Sodexo. Ganhando destaque nos últimos meses junto destas companhias, a Mais1Code já realizou a formação de mais de 1600 jovens e impactou diretamente 6000 famílias das periferias de todo o país. Atualmente, com o projeto “3 Mil Devs da Quebrada”, eles buscam formar 3 mil jovens na área tech de maneira 100% online e gratuita.

Já a Infill, nasceu da ideia de fundar uma fábrica no bairro de origem do jovem, o Complexo do Alemão. Alicerçada por Lucas, o foco destina-se ao desenvolvimento de impressoras 3D feitas a partir de sucata eletrônica, impulsionando a criatividade e o contato das pessoas periféricas com a tecnologia. O mesmo também vem ganhando destaque no cenário social reconhecido pela BeyGood, vencedor do prêmio Pop da Iniciativa Jovem, feira de negócios desenvolvida pela Shell, é um dos 15 empreendedores selecionados pelo programa de aceleração da Ambev, fazendo parte da rede de líderes da Fundação Leman, além disso, já recebeu diversos prêmios como o TEDx Speaker, homenagem da BeyGood e o Global Young Changer.

Com o intuito de captar conexões e olhares para a educação dos jovens de baixa renda, expandir as iniciativas e gerar oportunidades para ambos os líderes, Diogo Bezerra e Lucas Lima se uniram para realizar uma campanha de financiamento coletivo e conseguirem, com este amparo dos doadores, estarem presentes em Berlim. A quantia arrecadada pela ação, gerida pela Cadette Consulting e nomeada como “Da Quebrada Pra Berlim", acontecerá entre os dias 14 de março a 1 de abril, através da plataforma Benfeitoria e será destinada à acomodação e permanência dos jovens, além de todo o custeio da viagem. Na campanha, os doadores poderão contribuir com valores a partir de 10 reais.

Diferente dos outros anos, a edição do Global Solutions Summit 2023 contará com um número ainda maior de convidados e representantes, mas, ainda assim, o evento continua sendo limitado, com acesso somente através de um convite direcionado pela própria instituição. Por esse e outros motivos, Diogo Bezerra comemora a seleção: “Foi de extrema gratidão receber esta proposta. No ano passado, fui escolhido pela Global Solutions e graças ao apoio de muita gente consegui estar presente como um dos 50 jovens globais que estão impactando e fazendo a diferença no mundo. Neste ano, ser convidado para debater presencialmente soluções de transformação digital e social no mundo todo é simplesmente inesquecível. Espero que consigamos bater a meta e embarcar a tempo de viver esse período de transformação para os jovens das quebradas brasileiras. Queremos soluções para a educação, afinal, só a educação pode transformar o nosso cenário atual”.

Dando continuidade aos selos de reconhecimento, Lucas Lima também exalta o prestígio de receber o convite importante e ainda, conta o que a participação significa para o jovem líder: “Fico muito honrado pela oportunidade de estar presente neste evento. Em 2022 eu não acreditei quando fui um dos projetos do Top 50 Global dentre muitos projetos espalhados pelo mundo, pois a Infill nasceu de um sonho de levar tecnologia e educação tecnológica a todos e, neste ano, me apaixonei pela área de políticas públicas. Então, ter a oportunidade de estar num evento e conseguir falar de igual para igual com lideranças Globais, debater sobre o futuro do país, o impacto da educação e do desenvolvimento tecnológico no crescimento da economia e no bem estar da população periférica será um verdadeiro sonho. É uma chance de networking para o meu crescimento profissional. Estou mega ansioso pela campanha e farei questão de compartilhar todos meus aprendizados nesta viagem.”

Dentre os países participantes do evento, estão Índia, Brasil, Japão, a própria Alemanha e mais uma dezena de nações e organizações parceiras. Na conferência, os convidados poderão participar de debates e discussões envolvendo três temáticas: Fórum de Soluções, trilha que ofertará uma visão de alto nível sobre questões globais e abordagens políticas; Mergulho Profundo nas Soluções, conjunto de discussões aprofundadas sobre os tópicos estabelecidos e por fim, Diálogos de Soluções, faixa que oferece um espaço para os participantes apresentarem, discutirem e testarem propostas concretas. “Vamos expor na Europa os nossos projetos de forma que eles ganhem visibilidade internacional. Com o auxílio da campanha, estaremos reafirmando o nosso poder de transformação social, como jovens negros e periféricos que estão representando o Brasil”, finaliza Diogo.

REALIZE SUA DOAÇÃO ATRAVÉS DO LINK: http://xn--benfeitoria-rm96j.com/daquebradapraberlim.

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Texto de Isabella Otero, assessora de imprensa, encaminhado a redação do Blog.


Hoje na História: Dia Nacional da Escola

 

Professor Nicolau Neto durante roda de diálogo com estudantes do terceiro ano da EEMTI Menezes Pimentel, de Potengi. (FOTO | Acervo pessoal).

A escola é o local que, comumente, as pessoas costumam frequentar para aprender a ler, escrever e se aprofundar nas principais áreas do conhecimento que são oferecidas no ensino básico. O ambiente escolar também é responsável por promover a socialização, já que é um momento em que as crianças e adolescentes têm a oportunidade de se relacionar com pessoas de diferentes culturas, hábitos, crenças e etnias

A importância de se ter essa data no calendário nacional é que ela permite relembrar o papel que a escola tem no desenvolvimento de todos os indivíduos. Além disso, nessa data, as escolas têm a oportunidade de realizar atividades educativas conjuntas e promover uma aproximação da comunidade.

Uma boa formação escolar é fundamental para que as pessoas possam alcançar um futuro mais sólido, seja em questões sociais, seja também profissionais, já que a base, além do ambiente familiar, começa na escola. Por isso, aprender como ela é essencial para a construção da trajetória de cada ser humano é um passo valioso durante essa formação.

Como as Escolas surgiram no Brasil?

Em 1549, os jesuítas chegaram ao Brasil com a Companhia de Jesus, comandada pelo padre Manuel da Nóbrega. Eles tinham o objetivo de difundir a fé católica, assim, a missão deles aqui no Brasil envolvia a catequização dos índios.

Os padres jesuítas ensinavam escrita, leitura, matemática e a doutrina religiosa. Nesse contexto, uma das pessoas mais importantes no processo de estabelecimento da educação no território brasileiro foi o padre José de Anchieta.

Conhecido como Padre Anchieta, o sacerdote desembarcou, no Brasil, em 1553. O clérigo logo se interessou pela língua dos nativos e dedicou-se a aprendê-la. A preocupação com a língua foi essencial para consolidar o projeto inicial de evangelizar os indígenas, já que os seus textos e apresentações artísticas eram produzidos na língua nativa para facilitar a conversão ao cristianismo.


Professor Nicolau Neto com estudantes do 3° Ano da EEMTI Menezes Pimentel, de Potengi. (FOTO | Acervo pessoal).

Os jesuítas foram expulsos das terras brasileiras em 1759, sendo instituído o ensino laico com as Aulas Régias. A partir de então, apesar de as igrejas não serem mais responsáveis pelo conteúdo que era oferecido nas escolas públicas, o ensino religioso continuou mantido nas aulas.

A Celebração

Com o fechamento das escolas no início da pandemia causada pela Covid-19, os altos e baixos do sistema híbrido de ensino e, por fim, o retorno presencial dos alunos, ficou ainda evidente a importância de que existam estas instituições para que o desenvolvimento dos pequenos possa acontecer. E para validar anualmente este processo que só é possível de ser feito por existir profissionais dedicados à educação no Brasil, o Congresso Nacional instituiu 15 de março como o Dia Nacional da Escola.

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Com informações do Brasil Escola e do Bebê.

12 de março de 2023

Carcará: 10 anos de reconhecimento como Comunidade Quilombola pela FCP

 

Seu Sebastião. (FOTO | Nicolau Neto).

Por Nicolau Neto, editor

Em 30 de julho deste ano o Sítio Carcará, no município de Potengi, na região do cariri cearense, completará 10 anos de reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares que a certificou como comunidade remanescente de quilombo.

Mulheres resgatadas do trabalho análogo à escravidão são negras, nascidas no Norte ou no Nordeste

 

Auditora do trabalho vê necessidade de maior fiscalização de atividades historicamente ligadas ao gênero feminino, como trabalhos domésticos, de cuidado e no mercado do sexo. (FOTO/ Reprodução).

No Brasil, nos últimos 20 anos, 2.488 mulheres foram resgatadas do trabalho análogo à escravidão. O perfil da maioria delas é bem parecido: nascidas no Norte ou no Nordeste, pretas ou pardas, analfabetas ou com o ensino básico incompleto.

Os dados são da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), órgão que integra o Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) e foram compilados pelo portal G1.

Apenas 5% do total de pessoas resgatadas nas últimas duas décadas são mulheres. Segundo autoridades, essa diferença se dá, em parte, porque a atuação do Detrae sobre atividades historicamente ligadas ao gênero feminino é recente.

Em 2017 e 2019 ocorreram os primeiros resgates no trabalho doméstico e no mercado do sexo, é o que revela os dados.

O Detrae também compilou dados sobre as atividades desenvolvidas pelas resgatadas e as funções desempenhadas na zona rural são as que mais concentram casos. Mais de 70% dos casos são relacionados às seguintes ocupações:

Agropecuária (1.234)

Cultivo de café (175)

Cultivo de cana-de-açúcar (138)

Pecuária de corte (118)

Cultivo de árvores frutíferas (18)

Cultivo de erva-mate (15)

Segundo a auditora-fiscal do trabalho Jamile Virginio, a diferença numérica nos resgates de homens e mulheres é tema frequentemente discutido entre inspetores do trabalho. Ela aponta que papeis sociais tradicionalmente ligados a homens e mulheres podem ajudar a entender o cenário.

A dinâmica da sociedade brasileira é essencialmente de cunho patriarcal, que enxerga o homem como provedor familiar e cobra para que busque alternativas de renda e emprego”, diz a fiscal.

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Com informações do Notícia Preta.

Articulação por ministra negra no STF avança com blindagem a potenciais candidatas

 

Ministros do STF participam da Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário de 2023 (Foto: Rosinei Coutinho - 1º.fev.2023/SCO/STF).

A movimentação crescente de diferentes setores da sociedade pela indicação inédita de uma ministra negra para o STF (Supremo Tribunal Federal) tem a cautela como fator comum. A preocupação vem de um histórico de ofensivas contra mulheres, especialmente as negras, para ocupar cargos de poder no país.

Nos últimos dias, entidades jurídicas, ministros do governo Lula e um integrante do próprio Supremo se manifestaram publicamente a favor da indicação. A vaga será aberta com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, que completará 75 anos em maio. Lula, no entanto, afirmou recentemente que “todo mundo compreenderia” caso ele indicasse seu advogado, Cristiano Zanin —homem e branco.

A mobilização a favor de uma mulher negra na corte ganhou força nesta semana, em meio a manifestações ligadas ao Dia Internacional da Mulher, celebrado na quarta-feira (8).

Em entrevista publicada pela Folha, a professora da USP Fabiana Severi, especialista em direito e gênero, criticou a manutenção pela esquerda de listas sem mulheres e pessoas negras.

“Ter uma lista de homens brancos vindo do campo democrático é quase um insulto, porque sabemos que não é uma questão de falta de conhecimento jurídico, de capacidade e de nomes”, afirmou.

Como mostrou a Folha, em quase 40 anos de redemocratização no Brasil, a cúpula da República contou com 66 homens e só 4 mulheres. Especificamente no STF, só 3 mulheres —contra 26 homens— se tornaram ministras nesse período, nenhuma delas negra.

Na quarta, cem entidades do meio jurídico e movimentos lançaram um manifesto pela indicação de uma ministra negra. No mesmo dia, durante sessão do STF, o ministro Edson Fachin falou no mesmo sentido.

O magistrado, ao retomar julgamento no plenário sobre racismo estrutural em abordagens policiais, citou reportagem da Folha com relatos de juízas negras mencionando o caso de uma magistrada que precisava mostrar o crachá para acessar espaços exclusivos para juízes homens.

Os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial) também se posicionaram publicamente a favor de uma mulher negra para o STF.

Na ocasião, Almeida disse que, apesar de estarem discutindo uma tese central sobre a questão racial no Brasil, não havia “nenhuma pessoa negra ou mulher negra discutindo a questão racial naquele plenário”. Depois, afirmou que uma ministra negra no Supremo “vai ser de importância fundamental, central, para que a gente comece a discutir a democratização dos espaços de poder no Brasil”.

Já Anielle Franco afirmou, em entrevista à GloboNews, que pretende pedir a Lula a indicação de uma negra ao STF.

Juízes que integram o Enajun (Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros), coletivo criado há seis anos para aumentar a presença de magistrados negros nas cúpulas do Poder Judiciário, também trabalham pela indicação de uma juíza negra de carreira, algo que dizem ser fundamental.

Além disso, Defensoria Pública e Ministério Público estudam nomes para a corte.

A articulação por mais representatividade é feita há anos pelos movimentos feminista e negro.

As principais barreiras são a falta de apoio em círculos de poder dominados por pessoas brancas e a necessidade de desconstruir um imaginário em que o notório saber jurídico, requisito constitucional para indicação, não é visto em uma mulher negra.

O racismo institucional e simbólico faz com que mulheres negras sejam vistas como mulheres que exercem posições menos prestigiosas. Isso tem a ver com o nosso passado escravocrata recente que gera nas pessoas a noção de que essas mulheres não devem ocupar espaços de poder”, diz Luciana Ramos, professora de direito constitucional da FGV Direito São Paulo.

Juízes e advogados ouvidos pela Folha afirmam que conversas estão sendo feitas para avaliar o melhor momento de expor os nomes para a disputa ao STF. Eles afirmam que existe uma ofensiva contra nomes de pessoas negras tanto por setores da advocacia quanto por membros do Poder Judiciário e de políticos.

Nós mulheres negras somos atacadas antes mesmo de poder colocar as nossas qualidades e expertise na mesa. O nosso receio é que essas mulheres indicadas recebam ataques desnecessários”, afirma Maria Sylvia de Oliveira, que assinou o manifesto representando o Geledés – Instituto da Mulher Negra.

Flávia Biroli, professora de ciência política da UnB (Universidade de Brasília), afirma que os movimentos sociais aprenderam a construir redes de proteção para lidar com ofensivas.

Quando essas pessoas estão em evidência e colocam em xeque o caráter racista dessas instituições de poder, elas sofrem ataques muito acentuados. Isso acontece com as mulheres e especialmente com as mulheres negras”, diz.

Biroli afirma ainda que é preciso estabelecer limites à violência política, conforme prevê lei sancionada em 2021, identificando autores e cobrando as plataformas onde esses ataques acontecem para que as candidatas não sejam atingidas.

Luciana Ramos (FGV) acrescenta que o racismo e machismo institucionais também afetam a permanência das mulheres nesses espaços.

Temos um número de juízas que está longe do ideal e o preconceito que elas sofrem dos advogados, jurisdicionados e pelos próprios pares, particularmente na segunda instância, é brutal”, afirma.

Desde 1891, o STF teve apenas três ministros negros em sua composição (o último foi Joaquim Barbosa, que se aposentou em 2014), e apenas três ministras mulheres, duas em exercício: a ministra Rosa Weber, que preside o STF e se aposenta em outubro, e a ministra Cármen Lúcia. A primeira foi Ellen Gracie, no ano 2000.

A professora de direito e advogada Ecila Moreira de Meneses, integrante da executiva nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, um dos movimentos que articularam o manifesto, afirma que o histórico de ministros homens e brancos na corte criou um imaginário de que as vagas são para homens brancos.

Mesmo que tenha duas mulheres no STF, isso ainda não significa representatividade em relação ao perfil da sociedade brasileira. Tivemos alguns ministros negros, eles saíram e essas vagas foram ocupadas por pessoas brancas. Não houve o cuidado em consolidar a vaga de uma pessoa negra. O que nós queremos é ampliar as vagas das ministras”, diz.

Segundo Marco Aurélio de Carvalho, do Grupo Prerrogativas, a entidade está engajada em pautar o debate, mas vai apoiar qualquer escolha do presidente Lula.

Embora sejamos signatários do manifesto, o que nós queremos é que o presidente Lula considere no universo das possíveis pessoas, juristas negros e negras”, afirma.

Para Oliveira (Geledés), as mulheres negras vêm dando contribuições relevantes para que seja pensado um novo pacto civilizatório.

Nós [mulheres negras] conhecemos bem a sociedade brasileira. Através das nossas lutas e proposições trazemos contribuições significativas para a promoção de direitos humanos no Brasil, porque nós somos a parcela da população que mais sofre o impacto dessas violações”, diz.

Ela afirma ainda que se o país pensa em avançar e desmantelar o racismo, para além de falar, é preciso que o Estado brasileiro, representado pelo governo Lula, tome atitudes. “Uma ação importantíssima é nomear uma mulher negra para o STF e sinalizar o real interesse do Estado e do sistema de Justiça de aderir a luta antirracista.”

Lígia Batista, nova diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, afirma que a indicação de uma ministra negra seria uma quebra de paradigma, porque o sistema de justiça brasileiro é historicamente racista e excludente.

É fundamental que na corte suprema, o mais alto nível do Judiciário, possamos ter uma jurista negra, por entender, que do ponto de vista simbólico, essa representação nos ajuda a pensar em formas de superação do racismo e do machismo”, diz.

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Publicado originalmente na Folha de S. Paulo e reproduzido no Geledés.

11 de março de 2023

Ministério da Igualdade Racial propõe Dia Nacional Marielle Franco de Combate à Violência Política de Gênero e Raça

 

Escadaria da rua Cristiano Viana zona oeste de São Paulo, amanheceu com lambe-lambe em homenagem à vereadora Marielle Franco, morta a tiros no Rio (Foto: Danilo Verpa/Folhapress).

partir de 2023 o Brasil passa a ter uma nova data no calendário oficial. O dia 14 março, que marca o assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes, será também ao Dia Nacional Marielle Franco de Combate à Violência Política de Gênero e Raça.

O projeto de lei, elaborado em conjunto pelo Ministério da Igualdade Racial e pelo Ministério das Mulheres, terá a exposição de motivos assinada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva nesta quarta-feira (8), e segue para apreciação do Congresso Nacional. Após tramitar nas duas casas legislativas, o projeto retornará para sanção presidencial.

Para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, é urgente dar visibilidade aos desafios e violências, mas também a luta de mulheres negras na política. “A proposta desta data tem o peso da luta de Marielle e de muitas mulheres negras na política que vieram antes, como Luiza Bairros, Leci Brandão, a nossa querida deputada Benedita da Silva. Hoje temos um número maior de mulheres negras na política, mas precisamos garantir que elas possam exercer seus direitos políticos livremente. Estar na política não pode significar um risco de vida para as mulheres negras, cis e trans, que adentram esses espaços. E o primeiro passo é nomear e dar visibilidade a isso.”

A proposta da data é um dos legados do Instituto Marielle Franco, que em 2021, propôs um projeto de lei e coordenou uma ação de protocolo em mais de 45 casas legislativas, junto a parlamentares comprometidos com a Agenda Marielle Franco, para a criação de uma data similar – Dia Marielle Franco  de Enfrentamento à Violência Política contra Mulheres Negras, LGBTQIA+ e Periféricas – tendo sido aprovada em Vitória (ES) e em Santos (SP).

CENÁRIO — A violência política de gênero e raça atinge em peso às mulheres negras que se colocam no campo da disputa política e eleitoral. Conforme consta no documento “Violência Política de Gênero e Raça no Brasil”, realizada pelo Instituto Marielle Franco em parceria com a Justiça Global e a Terra de Direitos, nas eleições municipais de 2020, 98,50% das candidatas negras às eleições municipais que participaram da pesquisa relataram ter sofrido, ao menos, um tipo de violência política.A principal violência sofrida foi a virtual, representando 80% das violências sofridas pelas mulheres negras, por meio de ameaças de cunho racista, machista, transfóbico e sexista.

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Com informações do Geledés.

9 de março de 2023

‘Falas femininas, histórias impossíveis’: saiba mais da série criada por três mulheres negras

 

(FOTO| Jheniffer Ribeiro).


Na sociedade brasileira quais são os medos das mulheres? Esses medos são condicionados por diferentes razões vinculadas às questões de classe, gênero e raça? São essas perguntas que serão discutidas em 'Falas Femininas, Histórias Impossíveis', nova minissérie da Rede Globo.

A autoria da obra é de três mulheres negras: Grace Passô, Renata Martins e Jaqueline Souza. Com 5 episódios, 'Falas Femininas, Histórias Impossíveis' pretende abordar, através de diferentes perspectivas raciais e de gênero, utilizando metáforas cotidianas, algumas efemérides do ano: Dia dos Povos Indígenas, Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, Dia Nacional das Pessoas Idosas e Dia da Consciência Negra.

A intenção é que a minissérie consiga dialogar com o grande público sobre temas atuais e importantes para a sociedade, desmascarando desigualdades presentes no cotidiano através de traumas, preconceitos e violências que são normalizadas no Brasil. O roteiro procura explorar circunstâncias de ‘horror’ social causado por relações de poder profundamente desiguais com toques de fantasia e suspense.

Na última sexta (3), a Alma Preta Jornalismo acompanhou o lançamento de 'Falas Femininas, Histórias Impossíveis', que teve a exibição do primeiro episódio, intitulado 'Mancha', e um bate papo com as autoras, diretoras e atrizes no Rio de Janeiro.

O episódio retrata a relação entre Mayara, empregada doméstica interpretada pela atriz Luellem de Castro, e sua patroa, Laura, interpretada por Isabel Teixeira, muda após Mayara decidir investir nos estudos depois de passar no vestibular. Mayara acredita que Laura é uma patroa diferente, até o momento em que a empregadora pede que ela desista de sua carreira e continue trabalhando em sua casa.

Apesar de ser um tema bastante presente na produção audiovisual brasileira, para Everlane Moraes, diretora do episódio e estreante na Rede Globo, a importância de contar essa história está na frontalidade com que as autoras e a direção decidiram desenvolver as temáticas raciais e de classe.

Ela pontua que, mesmo com muitas histórias existentes sobre a relação empregadas domésticas e seus patrões, “geralmente carregadas de estereótipos e finais trágicos, o episódio ‘Mancha’ promove outros incômodos e possibilidades tanto para as personagens quanto para o público” em suas palavras.

Em entrevista à Alma Preta, a roteirista Grace Passô diz que a intenção desse episódio é que o grande público possa reconhecer sua realidade nessa história e os absurdos do nosso cotidiano:

O episódio 'Mancha' parte de uma situação DNA da nossa realidade brasileira. [...] O que eu espero, sobretudo, é que as pessoas possam reconhecer os seus próprios cotidianos nessa ficção e também reconhecer que a realidade brasileira tem gêneros e, muitas vezes, mistura terror com fantasia. Espero que o grande público possa reconhecer os absurdos presentes na nossa realidade cotidiana", explica Passô.

O episódio é em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, uma data ainda muito vinculada ao feminismo branco na busca por reconhecimento e garantia de direitos. Para a diretora artística Luísa Lima, quando questionada sobre isso, diz que a série deve instigar no público o reconhecimento das diferentes experiências de ser mulher no Brasil diante de questões de raça e classe.

"Essa série traz a importância de enxergarmos a condição das mulheres de diferentes pontos de vista, porque ser mulher significa muita coisa. O que é ser uma mulher branca de classe média alta e o que significa ser uma mulher preta, pobre, empregada doméstica?", conta a diretora.

Acho que é muito importante para as mulheres brancas que estão mais acostumadas a se reconhecerem nesse Dia Internacional da Mulher perceberem que elas precisam sair desse lugar egóico das próprias vidas, olharem para outras mulheres em diferentes condições e saberem também como contribuir para a transformação dessa desigualdade perpetuada umas com as outras” completa.

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Com informações do Alma Preta.