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Superar atraso brasileiro requer investimento público.
Mídia prefere opor professores a alunos e sugerir
que boa gestão se faz
sem recursos…
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Diversos
veículos da grande imprensa têm pecado pela fragilidade de argumentos no debate
educacional brasileiro. Tirando algumas exceções, a maioria tem trazido
simplificações equivocadas e discursos cínicos. O aspecto mais preocupante do
fenômeno é o grave abandono do bom senso e da ulterior agenda dos direitos,
como o direito a uma escola pública digna para se estudar. A opinião pública, a
cada dia, vai se acostumando com uma agenda educacional medíocre, definida por
termos que pouco ou nada dizem, como “expectativas de aprendizagem”, “exposição
do aluno à aprendizagem” e outros disparates das mesmas e infelizes fontes
terminológicas.
Com
o acirramento do debate, alguns supostos “especialistas”, para encastelar sua
posição e valorizá-la perante a sociedade, passam a cometer o absurdo de cindir
o universo educacional entre aqueles que “defendem o professor” contra eles
próprios, os autoproclamados “defensores dos alunos”. Nessa cínica e falsa
divisão, que rebaixa o estudante à condição de vítima, não é preciso escola
digna, bem equipada, boa merenda, professor intelectualizado, nada disso. Não é
preciso respeitar os direitos de alunos e professores a espaços dignos. Com
base em um grave pragmatismo ofensivo, independentemente das condições
ofertadas, o objetivo é alcançar os fins, ou seja, um resultado mínimo de
aprendizado em português e matemática, quando muito em ciências.
Sinceramente,
não perco meu tempo me esforçando a entender essas revoltantes simplificações.
Posso até ser limitado, mas tenho a humildade de saber que não há uma fórmula
capaz de garantir educação de qualidade sem professor bem remunerado, com
carreira atrativa, boa formação inicial e continuada. Também não consigo
debater educação opondo os direitos dos educadores aos direitos dos alunos – e
vice-versa. Acredito e defendo aquilo que até está sacramentado na LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Lei nº 9.394/1996): a educação se dá
em um processo contínuo de ensino-aprendizagem.
Aliás,
a boa e séria bibliografia nacional e estrangeira mostra que é preciso envolver
no processo educativo, além de professores e estudantes, as famílias, diretores
e coordenadores pedagógicos, os demais profissionais da educação, os gestores
dos sistemas públicos de ensino, a comunidade do entorno da escola, a sociedade
civil, etc. Em educação, a participação dos atores altera positivamente o
produto.
Durante
a educação básica, estudei em escola privada e em escola pública, uma excelente
escola pública, diga-se de passagem. Depois de graduado, trabalhei em escolas
públicas das zonas sul, leste e norte de São Paulo. Não fui, não sou, nem nunca
serei tolerante com professor que falta por motivos injustificáveis, diretora
que não dirige sua escola, gestor educacional que não conhece sua rede. Não
aceito prédio sujo e mal pintado, quadra sem cesta de basquete e trava de
futebol, sala de aula com carteira quebrada e pichada, disciplinas sem
professor, escola sem biblioteca e laboratórios, banheiros sem porta,
arquitetura de escola que mais parece presídio, policial que canta e coage
alunos e alunas, enquanto deveria prevenir a violência (aliás, escola não é
lugar de polícia!). Por tudo isso, fiquei muito feliz com o Diário de Classe da
estudante Isadora Faber, produzido no Facebook. Quiça muitos similares se
espalhem pelo país afora!
Desse
modo, presenciei e convivi com toda sorte de problemas enquanto coordenei um
projeto de formação de grêmios estudantis em unidades escolares da rede pública
estadual de ensino de São Paulo. Contudo, embora os tristes absurdos, conheci
muito mais gente com vontade de ensinar e de aprender do que profissionais
irresponsáveis, famílias alienadas e alunos desinteressados. E é muitas vezes
assim que parte significativa da imprensa rotula os atores da escola pública.
Diante
da minha experiência de trabalho, da minha aposta na escola pública e,
principalmente, do meu respeito ao bom senso, não consigo mais ler, ouvir e ler
as insistentes aspas e falas de que “a educação brasileira não precisa de
recursos, mas de melhor gestão”. Esse discurso é falso mesmo em sua variante
politicamente correta, “não basta mais recursos, isso até é importante, mas é
preciso boa gestão”. É uma espécie de falácia circular, que como toda falácia,
não leva a nada.
Em
primeiro lugar, eu não conheço a mágica capaz de garantir boa gestão sem
profissionais bem remunerados e motivados, tanto nas escolas, como nos órgãos
gestores das redes. Conhecendo escolas públicas de todo o Brasil, localizadas
em grandes capitais e em municípios minúsculos, não consigo entender como será
possível garantir uma boa gestão educacional sem recursos para transporte
escolar, merenda, manutenção predial, aquisição de livros, instalação de
laboratórios de informática e ciências. Tomar as medidas necessárias para o
respeito às necessidades básicas dos alunos também é uma decisão de gestão.
Conclusão: diferente do que afirma o discurso cínico, não há boa gestão sem o
investimento adequado de recursos. Por derivação, lutar por mais recursos é
brigar pela garantia de condições para uma boa gestão educacional. Simples
assim.
Recentemente,
foi concluída na Câmara dos Deputados a primeira versão do texto que em breve
se tornará o novo PNE (Plano Nacional de Educação). Como é de conhecimento
geral, aprovamos por unanimidade, em Comissão Especial, uma meta de
investimento equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a educação
pública. A proposta de PNE, que é a mais importante peça de planejamento
educacional conforme determina a Constituição Federal, seguirá para o Senado
Federal. Depois de mais de vinte meses de debates, o consenso em torno da meta
de financiamento foi alcançado por meio de contas e estudos que calcularam o
custo das outras 19 metas e centenas de estratégias dispostas no PNE,
respeitando-se um inédito padrão mínimo de qualidade.
Diferente
do que se fala pelos jornais e programas televisivos pelo Brasil afora, ninguém
seria irresponsável de aprovar um patamar substantivo de recursos sem dizer
como e no que eles serão efetivamente gastos. E foram as imposições do
malfadado presidencialismo de coalizão brasileiro que não permitiu um avanço
maior. Inclusive, diferente do Governo Federal que enviou a proposta original
de PNE, apontamos diversas alternativas de fontes de financiamento ao futuro
plano educacional. Quase todas foram rejeitadas, o que não nos impedirá de
insistirmos.
No
dia seguinte à nossa conquista, diversos editoriais de grandes veículos de
comunicação criticaram duramente a meta que determina a necessidade de
duplicar, gradativamente e em até 10 anos, o investimento do Estado brasileiro
em educação. Os argumentos variaram um pouco, mas a base argumentativa foi e
sempre é a mesma: não é preciso mais dinheiro, se faz necessário melhor gestão.
Nessa
semana, a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico da
Organização das Nações Unidas) mostrou que o Brasil, graças à nossa incansável
luta, foi o segundo país que mais ampliou seu patamar de investimento em
educação. Contudo, mesmo diante desse esforço, fruto da pressão das redes e
entidades da sociedade civil que se esmeram em aprovar leis com o Fundeb (Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais
da Educação), a Emenda Constitucional 59/2009 (que devolveu mais de R$ 11
bilhões à educação) e o Piso Nacional dos Professores, ainda somos um dos
países que praticam as piores médias de custo-aluno ao ano. E, como todos
sabem, qualquer média de investimento no Brasil esconde infinitas
desigualdades, principalmente as regionais.
Na
mesma linha, uma rápida observação dos dados expostos no estudo da OCDE traz
uma conclusão estarrecedora: mesmo se não houvesse qualquer corrupção na
educação (e hediondamente, há muita!), ainda assim, o que investimos não é
capaz de suprir o mínimo necessário em comparação com os outros países. E por
que isso ocorre? Porque o estudo contempla a média do custo-aluno ao ano
informada pelo MEC (Ministério da Educação) ao organismo internacional. Nessa
média, como não poderia deixar de ser, está considerada construção de escola
superfaturada, contrato de merenda escolar que extrapola os valores de mercado,
pagamento de professores em desvio de função, etc.
Assim,
o Brasil, ao invés de insistir na glorificação de algumas poucas centenas de
escolas públicas de qualidade num universo de mais de 170 mil para comprovar a
tese da gestão, tentando afirmar que é possível transformar em regra a exceção,
precisa buscar meios para consagrar o direito à educação pública de qualidade
para todos e todos, inclusive colocando na escola quem está fora dela. E se é
para transformar regra em exceção, que seja pela reprodução do padrão de
custo-aluno ao ano investido nas escolas federais de educação básica, sejam
elas unidades de escolas técnicas, colégios de aplicação ou colégios militares.
De
uma vez por todas, se o objetivo da nação for a consagração dos direitos
sociais e a universalização de um padrão digno de qualidade de vida, não há outra
saída: é preciso investir mais em educação pública. Até por que o Brasil é um
dos países que mais envelhecem no mundo e, se não investirmos desde agora na
atual e na próxima geração de crianças, adolescentes e jovens, não haverá gente
capaz de investir no Brasil num futuro bem próximo. Nosso problema,
concretamente, é muito mais profundo do que aquilo que o imediatismo ou a
superfície do debate educacional e econômico nos permite observar.
Tudo
isso posto, não temos mais tempo para insistir na reprodução de falácias ou na
busca de soluções mágicas e falsas de gestão. Passou da hora de termos menos
hipocrisia e falso bom mocismo no debate educacional. É urgente a necessidade
de o Brasil pôr a educação, a ciência e tecnologia e a saúde no centro de suas prioridades.
Objetivamente, pela distribuição orçamentária observada hoje, elas não são.
Aliás, infelizmente, essas três áreas fundamentais estão muito distantes de
alcançar algum status de prioridade no orçamento público brasileiro.
Com informações do greveuesb.blogspot.com
Ai Nicolau, que imensidão de texto, vê-se bem que tem paixão pela sua profissão! A educação deve ser prioritária, claro. Pois como diria a magnífica Maya Angelou "When you know better, you do better".
ResponderExcluirVotos para que mantenha esse espírito mobilizador por muitos e muitos anos.
Abraço
Ruthia d'O Berço do Mundo