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O professor Cleber acredita que a educação antirracista é uma forma de política pública. (FOTO/ Arquivo Pessoal). |
O Ministério da Educação (MEC), junto com a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade (Secad) alterou a Lei Diretrizes e Bases (LDB) e sancionou as leis 10639/03 e 11645/08, que obrigam o ensino fundamental e médio de escolas públicas e privadas a implementar o ensino de Relações Étnico-Raciais e História e Cultura Afrobrasileira e Africana no plano de ensino dos professores e livros didáticos, levando educação antirracistas para as salas de aula. Segundo a apresentação do MEC para as Diretrizes Curriculares Nacionais, entende-se que essa lei é uma ação afirmativa e tem a finalidade de “corrigir injustiças, eliminar discriminações e promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema educacional brasileiro”.
O pesquisador e professor de história, Cleber Leão, conversou com o Portal Notícia Preta e, enquanto professor da rede pública de ensino, contou como estão funcionando as leis 10639/03 e 11645/08, e os desafios da docência. “Não sinto que as leis foram totalmente entendidas pelo corpo docente das escolas, pelas direções e pelas próprias mantenedoras. Somos obrigados a trabalhar a temática afro e indígena, então se cria duas leis e finge que estamos trabalhando essa temática de forma efetiva, quando na realidade não está acontecendo. Os professores, tirando os de história, só lembram de usar essas leis no abril indígena, na semana da consciência negra, e os livros didáticos com conteúdos que falam de temática afrobrasileira são poucos, chega somente a 10%”, conta.
Segundo
o Censo Escolar, alunos negros são os que mais ocupam o espaço de escolas
públicas. Cleber conta que não existe uma forma correta de trabalhar a história
da África com uma turma de maioria alunos negros, e que se torna muitas vezes
complicado pois, segundo ele, “falta uma
política pública de Estado preparando o professor para desenvolver esta
temática dentro de sala de aula”, afirma.
Ainda
de acordo com Cleber, a dificuldade de trabalhar história de povos africanos
com alunos negros em sala de aula choca, pois a representação é a da
escravização. “Não existe uma forma
adequada de trabalhar essa temática, mesmo os alunos negros sendo a maioria,
sempre de alguma forma vai gerar incômodos, vai mexer em feridas e traumas
históricos que são ainda muito presentes pela questão da violência. Os alunos
entendem que, mesmo sendo do sétimo, oitavo ano, a violência racial contra
pretos e pardos tem a ver com o nosso passado, de pessoas escravizadas. Sendo
assim, os alunos negros podem se perceber diferentes, os conteúdos passam a
servir como reflexão, como em que momento os negros aparecem? De que forma os
negros aparecem?”, questiona.
Trabalhando o antirracismo em sala de
aula
O
professor Cleber, em 2020, realizou uma pesquisa com alunos do sétimo, oitavo e
nono anos do ensino fundamental, intitulada “Entre o visível e o invisível: a
branquitude e as relações raciais nos conteúdos curriculares de ensino de
história”, em que, através dos livros didáticos, os alunos poderiam localizar e
identificar o conceito de branquitude e refletir como ela pode influenciar nas
relações raciais entre os alunos. “A
pesquisa foi e é essencial para mostrar essas diferenças e também as
similaridades entre negros e brancos, mas também mostrar para o branco pobre
que, mesmo estando em local periférico, em escola de periferia e com amigos
pretos, ainda sim, ele tem privilégios interseccionados por outros elementos,
como as questão de classe, etnia, sexualidade, etc. Então, apresentar as
diferenças não serve para afastar, mas sim potencializar esse espaço entre
negros e brancos e desenvolver empatia nos alunos brancos. Para mim, trabalhar
a questão antirracista em sala de aula, é política pública”
Segundo
Cleber, a escola é um “microuniverso da sociedade” e também está nas mãos do
corpo docente e toda comunidade escolar se responsabilizar pelas diferenças
sociais e raciais entre os alunos, e se faz necessário, de acordo com o
professor “pensar em desenvolver uma
educação antirracista dentro da escola, vai muito além da questão da instituição,
deveria ser uma prática cidadã. Então, em um futuro ideal, em um país que se
reconhece com problemas raciais, seria muito bom desenvolver desde cedo essa
ideia que existem diferenças e elas não precisam ser marcadores para a
manutenção de privilégios, e acho que é papel do professor, quando estamos em
sala de aula”, finaliza.
Emilly
Tatielly Fidelix dos Reis, é estudante, negra, está no nono ano e foi uma das
alunas que participou da pesquisa do professor Cleber. Emilly conta como foi a
sua experiência. “Resolvi participar,
pois acho muito importante este tipo de atividade na escola. Nós vimos figuras
representativas como Martin Luther King, que lutou para que os negros tivessem
direito a voto e, aqui no Brasil, Zumbi dos Palmares. Também percebi que os
privilégios da branquitude é poder andar tranquilamente na rua, sem ser
suspeito de nada, e não serem revistados por um policial, entram em lojas e
mercados e nunca são perseguidos pelos seguranças. Sem falar que sempre ocupam
os melhores cargos, e a diferença entre alunos, é que os brancos tiram as
maiores notas”, conta.
A
Emilly ainda conta como vê temas como a História da África. “A história da África é somente baseada em
Navios Negreiros, em que homens brancos iam para a África buscar os negros para
escravizá-los. Então, acho importante falar sobre racismo, branquitude e
identidade racial em quase todas as matérias”, conclui.
A formação professor
O
Portal Notícia Preta entrevistou também o professor José Rivair, que leciona a
disciplina de Educação das Relações Étnicos-Raciais e Ensino de História e
Cultura Afrobrasileira, Africana e Indígena do curso de Licenciatura em
História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele conta o
porquê da importância de abordar a temática racial na formação de um professor.
“A necessidade dessa disciplina, é
porque, se não levamos em conta que o racismo tem um papel, não apenas nas
relações sociais, permite que o estudante, que um dia será professor, veja em
conceitos como diversidade e como diferença étnico-racial, valores que lhe
permitam estabelecer uma crítica ao conhecimento da história, que é o
predominante em nossa sociedade. Neste ponto, o enfoque racial é fundamental,
porque implica em considerar que o racismo seja tão importante quanto outros fenômenos
que tem força nas relações sociais”, explica.
O
curso de Licenciatura em História da UFRGS, em 2019, teve uma reforma na grade
curricular e, naquele ano, as disciplinas de Educação das Relações
Étnico-Raciais e Ensino de História e Cultura Afrobrasileira, Africana e
Indígena se tornaram disciplinas obrigatórias para os estudantes de
Licenciatura em História. Rivair conta que Na UFRGS duas disciplinas foram
criadas para atender expectativas e dar conta desses problemas (raciais,
sociais). “A Educação das Relações Étnico-Raciais, em que um dos pontos é
justamente a discussão das relações étnicos-raciais, e a História e Cultura
Afrobrasileira, Africana e Indígena que, neste caso, pretende responder a
ausência de temáticas associadas à História da África, em outras disciplinas do
currículo”, conta o professor.
O
professor explicou brevemente como é lecionado o estudo das Relações
Étnico-Raciais e História da África para formação de Licenciatura em História.
“O estudo das Relações Étnico-Raciais permite percebermos que nossa sociedade é
multiétnica e multirracial. Sendo multiétnica, teremos que viver na sociedade
sem produzir desigualdades sobretudo de cunho racial, onde a cor, fenótipo
resulta em formas de desprezo, na forma inclusive de lembrar o passado. E
quanto à História da África, permite afirmar positivamente a história africana,
não apenas com fatos e contextos, mas também com dados que permitam a nossa
percepção do papel ativo que a cultura africana teve e tem no nosso modo de ser
enquanto sociedade, não só para as pessoas negras, mas para todas que se
beneficiam com legado da cultura africana”, define.
Ao
servir como uma fonte de influência para a formação de cidadãos e também
podendo ser um lugar de interação interracial, José Rivair nos conta qual seria
o papel ideal dos professores e das instituições. “As pessoas que estão fazendo parte desse processo educativo tem que
compreender que a diferença não é apenas de condição social e cultural, mas a
diferença está nas visões de mundo, nas formas de agir, com matrizes culturais
que influenciam as diferentes etnias e culturas que fazem parte do Brasil e, ao
reconhecer que a diferença é instituinte, é preciso que se instaure uma
negociação cotidiana em que essas diferenças não produzam desigualdades”, alega.
Segundo
um estudo feito pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), que
aborda a introdução da lei 10639/03 dentro do currículo escolar havendo um
“triplo movimento” que engloba as lutas dos movimentos negros para o estudo de
História e Cultura Afrobrasileira e Africana, como também houve mudanças na
historiografia do Brasil e a nova relação do Estado brasileiro com a sociedade
após a concretização da democracia brasileira. Estes três movimentos abarcam a
educação institucional, o que resulta na emergencialidade da escolas usufruírem
desta lei. “A lei 10639/03 não atingiu
plenamente seus objetivos, mas houve avanços, uma vez que, desde o
encaminhamento da lei até a sua implementação, ocorreu uma grande pressão vinda
dos movimentos sociais negros e também de educadores e educadoras negros,
dentro da escola e do sistema escolar, este, entretanto, é um processo de longa
duração de uma sociedade racista. Nesse sentido, a educação antirracista leva
algum tempo, porque ela tem que desmontar processos que estão estruturados
historicamente, então, acredito que o engajamento de docentes, educadores,
gestores tem acontecido, materiais pedagógicos importantes foram produzidos,
por conta da Lei, e destaco a pressão que ela surtiu sob a universidade que
traz hoje para o seus currículos como essas disciplinas. Deve-se, então,
considerar o valor dos conteúdos que essas disciplinas têm para a formação de
uma perspectiva antirracista”, completa o professor.
______________
Com informações
do Portal Notícia Preta.
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