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Professor Nicolau Neto durante palestra sobre educação antirracista da EEFTI 18 de Dezembro, em Altaneira_CE. (FOTO | Arquivo do blog). |
Hoje
universitária, a brasiliense Nathalia Maciel, de 19 anos, que se
identifica como mulher negra, acostumou-se a ouvir em sala de aula
sobre heróis e heroínas brancos e feitos de europeus que chegaram
ao Brasil. Estudou o ensino fundamental e médio em escola pública
na região administrativa de Santa Maria, a 40 km do centro da
capital. “Sentia falta de saber sobre pessoas negras, que só eram
citadas em 20 de novembro (dia da Consciência Negra). As pessoas só
faziam para ganhar nota nas matérias”, lamenta.
A
percepção da estudante sobre a falta de projetos que valorizem a
diversidade e enfrentem problemas como o racismo pode ser constatada
em números. Segundo levantamento da ONG Todos Pela Educação,
apenas metade (50,1%) das escolas públicas do país tiveram ações
contra o racismo em 2021, ano em que foi feita a última pesquisa do
Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb).
O
fato é que, naquele ano, o total de escolas públicas com projetos
para combater racismo, machismo e homofobia caiu ao menor patamar em
10 anos. Os dados utilizados foram extraídos dos questionários
contextuais do Saeb destinados a diretores e diretoras escolares,
entre 2011 a 2021.
Falhas
A
pesquisadora Daniela Mendes, analista de políticas educacionais do
Todos Pela Educação, contextualiza que quando questões raciais e
de gênero não são trabalhadas dentro das escolas, o ensino falha
tanto no processo de aprendizagem dos alunos quanto na construção
de uma sociedade melhor, com menos violência e menos desigualdades.
“O
impacto que esses dados nos mostram não é apenas educacional. As
violências sofridas nas escolas podem ser tanto físicas e verbais
quanto simbólicas com insinuações e constrangimentos que tornam o
ambiente escolar um espaço hostil para determinados grupos. Isso tem
um impacto na evasão escolar”, afirmou Daniela Mendes.
Colonização
De
acordo com o que analisa a pesquisadora Gina Vieira, professora da
rede pública no Distrito Federal e com projetos premiados em relação
à diversidade em sala de aula, a escola no Brasil não promove a
diversidade.
“A
escola brasileira, assim como o projeto de colonização do país,
trabalha na lógica da homogeneização. Então, nós temos um
currículo racista e uma educação racista. Nós temos um currículo
oficial que ainda conta a história oficial que é contada na
perspectiva do homem branco europeu”, pontua.
Ela
explica que são raros os materiais pedagógicos diversos que
incorporem as vozes dos povos historicamente excluídos. “A gente
está, por exemplo, comemorando 20 anos da Lei 10.639 [que inclui
História e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar], que é
resultado da luta histórica do movimento negro pelo direito da
história da África e de pessoas negras em diáspora”. Ela cita
que as leis não são o suficiente para mudança de perspectivas, mas
sim uma mudança cultural e de políticas públicas. “Como diz o
Drummond, os lírios não nascem por força da lei”.
Em
queda
A
quantidade de escolas com projetos atentos à diversidade começou a
cair a partir do ano de 2015, quando o índice havia chegado ao maior
patamar no período: 75,6%. Desde então, os números despencaram.
Além
de racismo, a atuação contra homofobia e machismo está na menor
parte das escolas brasileiras. Em 2011, por exemplo, 34,7% das
escolas relataram ter ações. Em 2017, o índice chegou a 43,7%.
Mas, também caiu nos anos seguintes. Em 2021, representava apenas
25,5%.
Para
Daniela Mendes, analista de políticas educacionais do Todos Pela
Educação, o avanço de uma pauta ultraconservadora nos últimos
anos, os impactos da pandemia e a falta de coordenação nacional
durante a última gestão do Ministério da Educação foram fatores
que podem ter influenciado o cenário.
Para
a professora Gina Vieira, cabe à sociedade estar mobilizada para
cobrar uma escola antirracista e contra machismo e homofobia. “A
gente precisa rechaçar com toda força essa perspectiva que a gente
viveu nos últimos quatro anos entre o professor e a escola
representados como inimigos da sociedade. Como alguém que devo
fiscalizar, denunciar, gravar e achincalhar. Um país que não
valoriza a educação, a escola e os educadores está fadado ao
retrocesso”, afirma.
Providências
Em
nota à reportagem, o Ministério da Educação garantiu que tem
trabalhado para modificar esse cenário desde o início da atual
gestão. A primeira ação foi a recriação da Secadi (Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos,
Diversidade e Inclusão). “Uma pasta que já se configura como
uma ação afirmativa, na qual tem em sua estrutura a Diretoria de
Políticas de Educação Étnico-racial Educação Escolar
Quilombola, um instrumento institucional para formular, articular e
executar as políticas voltadas para a implementação da Lei
10.639/03”.
Além
disso, segundo MEC, foi retomada a formação de professores a partir
do apoio financeiro às universidades e relançado o Programa de
Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, que fomenta a pesquisa
na graduação e pós-graduação. “Outra iniciativa resgatada
foi a Cadara, a comissão de assessoramento do MEC formada por entes
federais e sociedade civil. Ainda há um longo caminho pela frente,
mas hoje a Secadi está empenhada em garantir recursos para que no
próximo ano possa investir ainda mais em ações de combate ao
racismo”.
Para
Ingridy, que é uma adolescente negra, de 15 anos, também moradora
de Brasília, e estudante de escola pública, uma escola preocupada
com diversidade e disposta a não ser homogênea seria fundamental
também para o dia a dia. E isso parece uma aula simples. “Ajudaria
a combater o preconceito e promoveria o respeito e a aceitação na
escola”, avalia.
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Com
informações da Agência Brasil.