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Arthur Lira (à esq.) não poupou esforços para aprovar matérias favoráveis a Bolsonaro - Alex Mirkhan. |
Após
ajudar a viabilizar 11 mudanças na Constituição em apenas sete meses em 2022, o
Congresso Nacional entrou em recesso no dia 18 de julho, um novo recorde
estabelecido mesmo em ano eleitoral. Quando retornarem no dia 1o de agosto, os
parlamentares devem manter o foco exclusivo em suas campanhas em seus redutos.
Com
ritmo de aprovação acelerado e atalhos nos regimentos internos, o presidente da
Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-PI) uma variedade de alterações foram
promulgadas, que vão desde o uso do
fundo partidário pelas mulheres até o aumento da idade máxima para magistrados
de tribunais superiores.
No
apagar das luzes antes do recesso parlamentar, no último dia 14, a ampliação de
benefícios sociais foi viabilizada graças à aprovação relâmpago de um estado de
emergência, driblando regras eleitorais e furando o teto de gastos. Uma
conjunção de manobras realizadas pela base governista no Congresso que tem
grande potencial de beneficiar a campanha de reeleição do presidente Jair
Bolsonaro (PL), de acordo com especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
“O processo legislativo funciona quando todos
os protocolos são seguidos. Quando se tem uma maioria acachapante como o
Centrão, nem os protocolos são cumpridos. Por exemplo, o direito das minorias
de fazer obstrução, o direito de examinar nas comissões, que são tentativas de
convencimento. Afinal, o Parlamento existe para promover discussões”,
ressalta o jurista Lenio Streck, professor de direito constitucional.
Para
a oposição, o apoio obtido por Bolsonaro tem relação íntima com empenho
bilionário feito através de emendas orçamentárias do relator, batizadas como
orçamento secreto. De acordo com a ONG Contas Abertas, o mês de junho, que
antecedeu a aprovação da PEC dos Auxílios foi o recordista em pagamentos de
emendas desse tipo: cerca de R$ 5 bilhões.
“São bilhões de reais distribuídos por
deputados aliados do governo nas suas bases eleitorais, sem qualquer critério
de combate à fome, enfrentamento para reduzir as filas do SUS, reforçar as
ações de aprendizagem nas escolas, a manutenção e permanência dos estudantes nas
universidades e institutos federais, os projetos de construção de casa e
moradia, a recuperação das áreas de risco ambiental. Enfim, nenhuma dessas
prioridades”, elenca o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP).
O
petista também se queixa da quebra de convenções estabelecidas para a
tramitação de emendas parlamentares por Lira: “Ele se utiliza do trabalho remoto, acolhendo votos pelo celular, sem
reconhecimento digital e facial, em que muitos deputados da base bolsonarista
não precisam nem sair de casa para votar”.
O
cientista político Francisco Fonseca, professor da FGV/Eaesp e da PUC-SP,
também relembra intervenções do presidente da Câmara, como a suspensão da
sessão para evitar uma trajetória de derrota na votação da matéria. “Aprova-se
um estado de emergência inexistente puxado pela alta do preço dos combustíveis,
sendo que está nas mãos do governo mudar a Política de Paridade Internacional.
Ou seja, é uma perversão completa, tanto do ponto de vista das leis eleitorais
quanto do ordenamento jurídico, a Lei de Diretrizes Orçamentárias”,
protesta.
Oposição colocada na berlinda
O
aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, que será distribuído a partir
de 9 de agosto, é visto como um super trunfo de Bolsonaro para tentar ganhar
terreno antes das eleições, junto com o aumento do vale-gás e de benefícios a
caminhoneiros e taxistas. Apesar do notório viés eleitoreiro, Streck defende
que a tramitação da pauta colocou a oposição em uma sinuca de bico.
Para
ele, deputados e senadores progressistas e de esquerda se viram pressionados a
endossar a pauta do governo, sob ameaça de perderem a narrativa de defesa das
políticas assistenciais. “A oposição
votou a favor da medida, mas isso é contingência. A oposição talvez não tivesse
outro caminho, embora eu particularmente acredite que a oposição errou votando
a favor”, defende.
A
inferioridade numérica e a sintonia entre o poder Executivo e o Centrão não
impediram que a oposição conseguisse algumas vitórias este ano, como o
adiamento da votação do PL do Veneno e a aprovação de piso salarial da
enfermagem. Mesmo assim, o saldo é considerado abaixo das expectativas.
“Falta um esquema tático. A oposição pode ter
bons jogadores, mas não tem um bom treinador. Isso faz com que ela se perca em
algumas pautas, comemore algumas vitórias, mas que são vitórias que o outro
lado pode até deixar passar porque ela não se importou. O grande problema são
as pautas que envolvam a democracia e os direitos econômicos e sociais. Aí, a
extrema-direita consegue se articular com o Centrão e passar o rodo”,
afirma Streck.
Judiciário acuado e com "culpa no
cartório"
Os
movimentos capitaneados pelo governo federal também ajudaram a aproximar o
Parlamento para o seu lado, colocando à prova as instituições incubidas de
preservar a democracia. Segundo Steck, o alvo principal, assim como em outras
frentes abertas por Bolsonaro, é o Superior Tribunal Federal (STF), uma vez que
a Procuradoria-Geral da República, na figura de Augusto Aras, tem evitado
confrontar os arroubos presidenciais.
“Já pensou se o Judiciário dá uma decisão que
tranca esse auxílio? Ou o próprio Supremo, no Plenário, vota dizendo que é
inconstitucional e não deve ser repassado? Acha que o Judiciário ainda tem bala
na agulha para aguentar mais esse desgaste?”, questiona Streck.
Já
Fonseca observa a continuidade dos efeitos da operação Lava-Jato para o início
do enfraquecimento do STF, que teve papel decisivo no impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff. Uma conjunção de fatores que, segundo ele, coloca
em suspeição o papel da Corte caso o ex-presidente Lula vença as eleições e
consiga iniciar um novo mandato em 2023.
“Me parece que as instituições vão ter que
aprender que você perde o controle quando quebra as regras. Vamos saber se de
fato aprenderam essa lição. Agora, o Supremo será mais legalista se houver
também um governo apoiado pela sociedade e pelo Parlamento, porque vimos que
mesmo magistrados nomeados por Lula votaram em favor do golpe (de Dilma
Rousseff)”.
Streck
também reforça o roteiro ameaçador à democracia que Bolsonaro vai construindo
ao seu redor e verbalizado não apenas por ele, mas também por seus aliados em
áreas estratégicas. “Hoje nós temos um
Parlamento que é dominado pelo Centrão junto com o presidente da República que
está amparado pelas Forças Armadas. No fundo, o Parlamento e o Executivo têm as
Forças Armadas. É injusta essa contraposição, porque do outro lado você tem a
sociedade civil, com dificuldades de se organizar”, constata.
A corrida eleitoral pela retomada do
Parlamento
Se o
domínio do Centrão é dado como certo caso Bolsonaro se reeleja, a oposição tem
esperanças de que as coisas mudem de figura em uma eventual vitória de Lula. A
expectativa é que a preferência pelo candidato petista ajude a eleger
parlamentares progressistas, capazes de alterar a correlação de forças.
“É possível reverter esse cenário? É.
Primeiro, isso passa por uma nova composição do Congresso Nacional. A possível
eleição do ex-presidente Lula torna o cenário melhor para as oposições, mas
também é preciso se espalhar para dentro da Câmara, especialmente. Hoje as
oposições são cerca de 120 parlamentares, elas precisam ter no mínimo 200, 250
para chegar à maioria. Sem 200, 250, ou seja, sem pelo menos metade você não
governa”, calcula Fonseca.
Segundo
Padilha, não faltará disposição para impedir que Lula “fique refém” de um Congresso desfavorável e agrupado em bancadas
que considera atrasadas. “Nós vamos
precisar de muita luta, muito debate, muita sola no sapato e saliva para
reeleger uma bancada progressista no Congresso para ajudar Lula fazer as
mudanças que precisam ser feitas”, conclama.
Streck
concorda que Lula encontraria um cenário mais favorável se obtiver maioria logo
no início, mas não descarta a influência dos resultados nas urnas. “Uma vitória de Lula no primeiro turno daria,
mesmo com minoria, um novo patamar, constrangendo esses setores mais fortes do Centrão.
Claro que haverá um 'neo centrão', mas que talvez fique menos vitaminado com
uma vitória expressiva”, encerra.
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Com informações do Brasil de Fato.
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