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Greve dos bancarios em 1961. (FOTO/ Ensinar História). |
Em
13 de julho de 1962, o presidente João Goulart assinou a Lei 4.090/62 que
garantia uma gratificação de Natal ao trabalhador, e que ficou conhecida como
13º salário. Era equivalente a 1/12 do salário de dezembro para cada mês
trabalhado. Na época, entendia-se como empregados os trabalhadores assalariados
na iniciativa privada.
A
medida foi resultado de muita pressão dos sindicalistas e recebeu forte crítica
dos empregadores. A lei teve origem no projeto de lei nº 440/59, do deputado
federal Aarão Steinbruch (PTB-RJ), apresentado em 15 de junho de 1959 e levado
à votação na Câmara dos Deputados em 11 de dezembro de 1961.
Os
debates sobre o 13º salário ocorreram em meio às grandes turbulências e
transformações da década de 1960, tendo por cenário as tensões da Guerra Fria.
O movimento operário e as medidas favoráveis aos trabalhadores eram entendidos,
então pela direita e conservadores, como sinais de “cubanização” do Brasil, de
ameaça comunista.
Desde
o ano anterior (1961), a classe empresarial e política, setores da Igreja e
parte das classes médias conservadoras viam com apreensão o fortalecimento da
esquerda e a aproximação do Brasil com os países do bloco soviético. Até o
reajuste do salário mínimo, em outubro de 1961, por João Goulart, foi interpretado
como uma medida de tendência “comunista”.
O complicado ano de 1961
O
polêmico governo de Jânio Quadros inicia-se, em janeiro de 1961, com o país sob
crescente inflação – herança do desenvolvimentismo acelerado de Juscelino
Kubitschek.
Jânio
Quadros adotou uma política externa ambígua e independente que não seguiu as
orientações do bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos. Condenou este
país na tentativa de invadir Cuba (episódio da fracassada operação da baía dos
Porcos, em janeiro de 1961) e buscou reatar relações diplomáticas com a União
Soviética.
Um
soviético no Brasil
Em
julho de 1961, o cosmonauta soviético Iuri Gagárin faz uma visita de duas
semanas ao Brasil e é recebido como pop-star. Ele foi o primeiro ser humano a
viajar para espaço, em 12 de abril de 1961, antecipando os planos americanos. A
bordo do Vostok 1, ele deu apenas uma volta em torno da Terra. A viagem de 90
minutos tornou Gagarin uma celebridade mundial. Viajou pelo mundo promovendo a
tecnologia espacial de seu país, sendo recebido como herói por reis, rainhas,
presidentes e multidões por onde passava. Na América, passou por Cuba e pelo
Brasil.
Esteve
no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília sendo o centro das atenções da
imprensa, da população e dos políticos.
No
Rio de Janeiro, visitou a UNE (União Nacional dos Estudantes) e o Sindicato dos
Metalúrgicos – duas entidades muito atuantes na época e mobilizadoras de greves
e manifestações. Os metalúrgicos era uma das categorias mais unidas em torno do
13º salário e outras reivindicações trabalhistas.
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Yuri Gagárin (de quepe) recebido com festa pelos estudantes na sede da UNE, na Praia do Flamengo. Fonte: Acervo UH/Folhapress, 30 jul.1961. |
Por
ter sido metalúrgico, Gagárin ao visitar o sindicato em 31 de julho de 1961,
declarou: “Embora piloto, considero-me ainda dono do honroso título de
operário” – comentário que inflou o orgulho da classe operária.
Em 2
de agosto de 1961, Gagárin foi recebido e condecorado pelo presidente Jânio
Quadros com a Ordem do Cruzeiro do Sul (concedida a estrangeiros) e chamado
“Embaixador da Paz”.
Reação da força policial à popularidade
do soviético
A
visita de Gagárin foi marcada por repressão policial. No desembarque do
soviético em Brasília, em 29 de julho, populares e jornalistas foram
hostilizados por forças de segurança.
No
Rio de Janeiro, a multidão que esperava contato com o russo na saída do
Aeroporto do Galeão, foi atacada com jatos de água disparados por um caminhão
pipa sobre o público.
Em
São Paulo, durante o almoço oferecido pelo Sindicato dos Jornalistas, policiais
do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) entraram no evento sem
convites, agrediram alguns jornalistas.
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Uma grande multidão esperava por Gagárin nas ruas próximas ao Aeroporto de Congonhas. Fonte: Acervo UH/Folhapress, 1º ago.1961. |
Jânio
aproxima-se do bloco soviético
Desde
1959, no governo de Juscelino Kubitschek, o país já havia restabelecido
relações comerciais com a URSS. Durante a campanha eleitoral, Jânio Quadros
mostrava-se favorável ao reatamento das relações diplomáticas com a URSS. A
recepção calorosa ao cosmonauta Iuri Gagárin estimulou a avançar nessa
política.
O Ministro das Relações Exteriores. San Tiago
Dantas, foi encarregado do processo de reaproximação com a potência comunista.
O desfecho foi bem-sucedido no final daquele ano, provocando a ira de setores
conservadores, em especial da cúpula da Igreja católica.
Ao
mesmo tempo, Jânio enviou o então vice-presidente João Goulart para a primeira
missão comercial brasileira junto à República Popular da China.
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Capa do jornal “Ultima Hora” anuncia a retomada de relações com a União Soviética, em 24 de novembro de 1961 |
Em
19 de agosto de 1961, Jânio condecorou, com a Ordem Nacional do Cruzeiro do
Sul, Ernesto Che Guevara, guerrilheiro argentino e um dos líderes da Revolução
Cubana que, naquele momento era ministro de Cuba. A honraria foi em agradecimento
por Guevara ter atendido ao pedido de clemência de Jânio e libertado mais de
vinte sacerdotes presos em Cuba e condenados ao fuzilamento, exilando-os na
Espanha.
A
solicitação fora feita pelo núncio apostólico no Brasil, dom Armando Lombardi,
em nome do Vaticano. A outorga da condecoração foi aprovada no Conselho da
Ordem por unanimidade, inclusive pelos três ministros militares.
A
política externa independente de Jânio Quadros desagradou os setores maias
tradicionais da sociedade brasileira. Carlos Lacerda fez acirrada campanha
contra o presidente espalhando o terrorismo do “fantasma comunista”.
Em
25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renuncia. Contra a vontade dos militares,
João Goulart assumiu a presidência.
João
Goulart e o 13º salário
O ano de 1961 foi também de muita agitação dos
trabalhadores. Ocorreram um total de 56 greves motivadas por aumentos salariais
e, muitas delas, em apoio à saída constitucional da crise aberta pela renúncia
de Jânio Quadros (MATTOS, 2004).
Nesse
clima, foi levado à votação na Câmara de Deputados o projeto do 13º salário, do
deputado federal Aarão Steinbruch (PTB-RJ). Contra a aprovação do projeto, o
jornal “O Globo” publicou um editorial alarmista: “Considerado desastroso para
o país um 13º mês de salário”.
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O título alarmista do editorial do jornal “O Globo” do dia 26 de abril de 1962. A previsão se revelaria um fiasco. |
Para
pressionar o Congresso, o 3º Encontro Sindical, realizado na Guanabara,
estabeleceu um prazo para aprovação da lei: novembro de 1961. Em dezembro,
sindicatos dos metalúrgicos e têxteis de São Paulo decretaram greve geral pelo
13º, sendo duramente reprimidos pelo governador Carvalho Pinto. Apesar da
repressão, a campanha se manteve.
A
votação do projeto do 13º salário foi suspensa na Câmara e adiada para o ano
seguinte. Foi finalmente aprovado, na Câmara, em segundo turno, em 24 de abril
de 1962. O passo seguinte era ser sancionado pelo presidente João Goulart.
Chega
a Copa do Mundo (30 de maio até 17 de junho de 1962, no Chile) e o país parou
para assistir a vitória do Brasil: bicampeão. Mas, ao contrário do que muitos
supunham, o otimismo gerado pela vitória no futebol não desviou o foco da luta
operária pelo 13º salário. Dezoito dias depois da taça, foi deflagrada uma
greve geral, em 7 de julho de 1962.
Greve geral de julho de 1962
A
greve geral afetou sobretudo empresas estatais ou sob controle do governo:
transportes, ferrovias, bancos, portos, refinarias e distribuidoras da
Petrobras foram paralisados. Cruzaram os braços trabalhadores de São Paulo,
Fortaleza, Belém, Recife, Salvador, Campina Grande, Vitória, Santos, Cubatão,
Belo Horizonte, Paranaguá, Itajaí, Criciúma, entre outras.
No
Rio de Janeiro, o movimento grevista foi majoritário entre os trabalhadores da
construção civil, de telefonia, gráficos e têxteis, bancários, aeroviários,
rodoviários, metalúrgicos e trabalhadores de transportes públicos (bondes) e
ferroviários da Central do Brasil. Houve saques e depredações de casas
comerciais.
Por
fim, a Lei 4090/62, estabelecendo a obrigatoriedade do 13º salário foi assinada
por João Goulart em 13 de julho de 1962.
Corrente de críticas alarmistas
Aprovado
o 13º salário, as associações patronais anunciaram o fim do mundo, como lembra
Campante (2017). Afirmavam que a lei era demagógica, populista e irresponsável,
típica de “agitadores” que mergulhariam o país no comunismo. Alertavam que o
13º salário desestabilizaria a economia, quebraria as empresas, traria
desemprego.
A
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), radicalmente contra a
instituição do 13º salário, alegava que ele representava aumento do custo da
mão de obra. Defendia que o benefício fosse negociado entre as partes, sem a
obrigatoriedade do pagamento e sem a imposição de valores mínimos.
O
deputado Mem de Sá (PL-RS), obstinado adversário do 13º salário, descreveu um
quadro desesperador afirmando que “a ordem constitucional e as instituições não
resistiriam, a economia nacional entraria em colapso e o país, em convulsões
sociais”. E concluiu “O Brasil vai explodir!”, e alertava para a “cubanização
do Brasil” (OLIVEIRA, 2021).
O
desastre, é claro, não veio. Pelo contrário, o 13º, plenamente incorporado à
sociedade nacional, injeta, desde então, recursos na economia. Para o governo
de João Goulart, contudo, o 13º salário foi mais um pretexto para unir
militares e civis na conspiração que levaria ao golpe de 1964.
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Aarão Steinbruch, filho de imigrantes russos que vieram ao Brasil em 1904, foi cassado pelo AI-5, em 1969. Voltou à política em 1985. Faleceu em 13 de outubro de 1992. Jornal “O Globo”, 14 out.1992. |
Fonte
CAMPANTE,
Rubens Goyatá. O 13º veio de uma greve geral. Brasil de Fato. Belo Horizonte, 3
maio 2017.
OLIVEIRA,
Nelson. 13º salário foi criado em meio a intensa disputa ideológica entre
esquerda e direita no Brasil. Agência Senado, 07 dez 2021.
Presidente
sanciona Lei do 13º salário. Memorial da democracia.
João
Goulart institui 13º salário em 1962, sob pressão de patrões e trabalhadores.
Acervo O Globo.
MATTOS,
Marcelo Badaró. Greves, sindicatos e repressão policial no Rio de Janeiro
(1954-1964). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, n.47, p. 241-70,
2004.
_________
Artigo de Joelza Ester Domingues, no Blog Ensinar História
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