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Karla Alves é historiadora e colunista do Blog Negro Nicolau. (FOTO/ Reprodução/ Faccebook). |
A
vida as vezes parece um pássaro em que estou montada para tentar voar no imenso
céu. Meu pássaro é pequeno e voa rápido, as vezes é muito difícil se equilibrar
em cima dele para não cair.
Vejo
pessoas montadas em grandes pássaros de voo bem leve e tão delicado que seus
montadores nem sequer se dão conta de estarem voando. E muitos desses pássaros
grandes que voam leve e delicadamente se alimentam dos pássaros pequenos como o
meu para sobreviver. E assim como seus donos não percebem estarem voando também
não percebem que seus grandes pássaros devoram pequenos pássaros como o meu
interrompendo meu voo para seguirem no seu. Sim, o céu é grande para todos nós
e eu preciso continuar voando.
Então
minha luta consiste em me equilibrar para não cair, mas além disso, preciso
lutar para impedir que os grandes pássaros devorem o pequeno pássaro que me
sustenta ou do contrário eu posso cair e perder o voo.
Como
seria bom ter um pássaro maior para voar com mais segurança e tranquilidade. Eu
poderia conquistar um pássaro grande, merecê-lo através das escolas superiores
de belas artes do domínio. Mas quantos pássaros pequenos esse pássaro grande
precisaria devorar para me manter voando? E se eu alertasse a todos os pássaros
grandes sobre a necessidade dos pássaros pequenos sustentarem voos de pessoas
como eu, será que eles saciariam sua fome voraz de outra forma? Será que as
pessoas que os montam saberiam continuar no voo sem precisar montar pássaros
tão famintos? Quantos pássaros pequenos antes de mim tentaram alertar os demais
aumentando, assim, a luta de suas existências por terem que, além de se
equilibrar em cima de seus pequenos pássaros e de lutarem para que seus
pequenos pássaros não fossem devorados pelos pássaros grandes, ainda lutarem
para alertar a todos sobre a sua realidade de vida em consequência da relação
com os demais?
Eu
poderia escrever artigos com palavras difíceis para atestar seriedade, falar
sobre os milímetros de cada asa e sua relação com o espaço e tempo, conscientizar
sobre a modernidade do veganismo e sobre o primitivismo dos costumes canibais.
Eu
poderia trazer inovações teóricas das práticas esquecidas no passado de
culturas que não passam na tv e com isso ir ganhando fama disfarçada de
respeito podendo aumentar gradativamente o tamanho do pássaro que me sustenta
até desfrutar de um grande pássaro para voar levemente pelo céu, de forma tão
delicada que eu viesse a esquecer que estou voando e fingindo não ver que meu
grande pássaro devora muitos outros pequenos pássaros para me manter deslizando
levemente pelo céu.
E
quando diante dos meus olhos as pessoas despencassem uma após outra de cima de
seus pássaros que serviram de alimento para o meu, e quando elas caíssem do céu
feito pingos dispersos que nem conseguem se unir para ser chuva, eu escreveria
um novo artigo científico e falaria publicamente sobre ele de cima do meu
grande pássaro temporariamente saciado, eu falaria poeticamente sobre a justiça
social metafísica e sobre como atraí-la para o contentamento pessoal, eu
falaria sobre a hipocrisia dos que governam a direção do vento, sobre como eles
criaram as correntes de ar em benefício próprio enquanto eu buscava uma
corrente adequada para minha liberdade, eu usaria palavras difíceis para melhor
esconder o meu cinismo e a noite poderia dormir sem culpa, montada sobre o
grande pássaro que me leva para voar em infinitos céus, eu de consciência leve
por fazer a minha parte na militância teórica e oportunista, ele de estômago
cheio por devorar os pequenos pássaros que garantiram o meu voo e o meu
discurso. Cada qual que saiba do que tem fome. E eu preciso manter o equilíbrio
para continuar a voar.
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Karla Alves é Historiadora pela Universidade Regional do Cariri (URCA), integrante do Grupo de Mulheres Negras do Cariri Pretas Simoa e colunista do Blog Negro Nicolau.
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