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Leandro Demori. Photo: Ariel Zambelich/
The Intercept Copyright
(Foto: Ariel Zambelich/The Intercept)
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Editor-executivo
do "The Intercept Brasil", Leandro Demori afirma em entrevista
exclusiva ao O POVO que os arquivos obtidos pelo site jornalístico sobre
diálogos entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol contêm
"centenas e centenas" de áudios, mensagens e vídeos. Neles, antecipa
o jornalista, as evidências revelam uma zona cinzenta da maior operação de
combate à corrupção da história do País: a Lava Jato. De acordo com Demori,
"não há dúvida em relação à autenticidade" dos arquivos que vêm
causando estupor no País.
O
POVO - Há uma quase ansiedade em relação aos próximos capítulos da série Vaza
Jato, do "The Intercept Brasil". Qual é a real dimensão do conteúdo
que vocês têm em mãos?
Leandro
Demori - A gente não está falando sobre o tamanho do arquivo. Não posso
responder isso. O que posso dizer é que é um arquivo muito grande, um arquivo
colossal, e que foram centenas e centenas de diálogos de grupos e de situações.
Estamos falando aí de anos, praticamente a maior parte dos anos da Operação
Lava Jato. É realmente muito grande, já fizemos um sobrevoo até agora, já
conseguimos mergulhar um pouco mais, mas é um trabalho de longo prazo. É uma
maratona, não é uma corrida de 100 metros.
OP -
Há prognóstico de novos conteúdos ainda nesta semana?
Demori
- O Intercept não está falando nem quais são as próximas matérias nem quais são
as próximas pessoas diretamente envolvidas, não está divulgando prazos ou
datas. Não fizemos isso. Não estamos fazendo isso para evitar especulações,
porque é um assunto delicado que trata de interesses públicos e que mexe com
muita coisa. O que fizemos nesta semana foi publicar os contextos dos fatos de
uma das reportagens, que era aquela reportagem que mostrava os diálogos do
ex-juiz Sergio Moro e do procurador Deltan Dallagnol.
OP -
Adotou-se uma postura, comum ao Intercept, que foi publicar na íntegra os
diálogos com o contexto. Isso vai ser seguido nas próximas reportagens? Vão
sempre publicar a integra dos conteúdos?
Demori
- A gente vai publicar sempre tudo que for possível, mantendo a intimidade e a
privacidade das pessoas, e mantendo também algumas histórias que eventualmente
estejamos apurando. Essa é a estratégia.
OP -
Até agora, uma parte dos veículos de imprensa deu mais importância à origem das
mensagens e ao modo pelo qual elas foram obtidas do que propriamente ao
conteúdo. Como avalia isso do ponto de vista jornalístico?
Demori
- Olha, pra mim isso tudo é mau jornalismo. O que interessa mais à população
brasileira, ou seja, o que tem maior interesse público nesse debate? É a isso
que se diz jornalismo. Jornalismo é uma profissão que lida fundamentalmente com
interesse público. A gente serve à sociedade. Portanto, jornalismo é um
serviço. O que tem mais interesse público neste momento no País: saber como
operaram procuradores e o juiz da maior ação de combate à corrupção da história
do Brasil? Ou você ficar especulando se houve ataque hacker de celular de x, y
ou z? Quem define a linha editorial a partir das especulações não está servindo
ao interesse público. Se não serve ao interesse público, faz mau jornalismo. Os
motivos, não sei.
OP -
O senhor acha que cabia ao site, e de modo geral ao jornalista, essa
preocupação com a origem da informação? Vocês, em algum momento, chegaram a se
perguntar se deveriam ou não publicar esse conteúdo?
Demori
- Nós não estamos falando sobre a nossa fonte, então não dá informação sobre
isso. Mas, nesse caso, a gente adotou o mesmo padrão de qualquer outro caso,
que é o mesmo padrão adotado pelo melhor jornalismo feito no mundo inteiro, que
é: você recebe uma informação, um pacote de documentos, verifica a
autenticidade e verifica se existe interesse público naquilo. A partir do
momento em que os documentos são autênticos e são de interesse público, você
faz uma apuração consistente em cima para não cometer nenhuma injustiça. E,
depois, você leva isso a conhecimento público. É assim que se faz bom
jornalismo no New York Times, no The Guardian, no Washington Post, no La Republica,
no Le Monde Diplomatique e na melhor imprensa europeia e norte-americana. Então
foi exatamente isso que a gente fez.
OP -
Obviamente que vocês sabiam que aquele conteúdo era, e é, explosivo e
provocaria um terremoto político em Brasília e na própria Operação Lava Jato.
Vocês estavam preparados para esta repercussão, inclusive do ponto de vista
jurídico?
Demori
- A partir do momento em que a gente recebeu o material, e começou a avaliar o
material, identificando a autenticidade dele, a gente entendeu que aquilo era
algo muito grande e muito importante por se tratar de uma operação que, nos
últimos anos, tomou conta do noticiário e mexeu muito com o cenário político,
econômico e eleitoral. Uma operação que mexeu muito com a vida social do
Brasil. Do emprego ao voto, foi isso que a Lava Jato fez, para o bem e para o
mal. A gente sabia que aquilo teria impacto bastante relevante. Obviamente a
gente se cercou de muitas precauções. O Intercept tem uma preocupação jurídica
muito forte, porque a gente sabe que pode ser alvo de guerra jurídica. Estamos
preparados para isso. Nossos advogados leram todas as matérias. Tínhamos muita
preocupação de não usarmos palavras equivocadas e cometermos injustiças. E
depois nós nos asseguramos de que o arquivo fosse resguardado num lugar seguro
fora do País para que não sofresse tentativa de bloqueio de conteúdo, com o
sequestro do arquivo. Ou que o arquivo fosse copiado, roubado ou caísse em mãos
erradas, fazendo com que todas as informações que são privadas, de foro íntimo,
que o Intercept não vai divulgar, causassem algum tipo de dano público à
pessoa.
OP -
A decisão de fazer a publicação seriada, ou por capítulos, se deve
exclusivamente à extensão do conteúdo? Porque o País fica em suspenso
aguardando as próximas revelações. Acha que isso cria um clima prejudicial ou é
natural diante de uma tarefa desse tamanho?
Demori
- A ideia é basicamente organizar a cobertura, não deixar que isso fique solto.
A gente criou um sistema organizado, que as pessoas possam ter uma ideia de
"timeline" também, que possam voltar e entender as histórias, que
crie organização e não se perca nisso. A ideia de fazer desse jeito foi por
causa disso.
OP -
Quando receberam as informações, deve ter havido dúvida em relação à
autenticidade do conteúdo. Nesse momento, vocês partiram para uma fase de
checagem para saber se algumas informações correspondiam a atitudes e
desdobramentos na Lava Jato?
Demori
- A gente fez vários processos de checagem de autenticidade, um deles foi esse,
de bater fases e datas que aconteceram na Operação Lava Jato na época. Para
saber se o mundo real estava correspondido naquela massa gigantesca de chats e
situações que seria impossível que alguém conseguisse fraudar aquilo com aquela
riqueza de detalhes. Outra coisa: existe a voz de cada um dos personagens. A
gente consegue identificar, é facilmente perceptível quem está conversando. E
outra coisa é que não temos só chats, mas também áudios. Temos um monte de
arquivos de áudios e vídeos. Centenas e centenas e centenas de áudios. Esses
áudios não são falsificáveis. É impossível que alguém conseguisse falsificar,
com a voz das pessoas envolvidas nesse processo, centenas e centenas. Eles
estão ali para corroborar também a autenticidade. E, claro, tem a análise
técnica. Existe uma forma de avaliar tecnicamente que esses arquivos têm uma
autenticidade. Tanto garantimos, que quando as reportagens começaram a sair,
nenhum dos envolvidos (ex-juiz, procurador e Lava Jato) colocou em dúvida a
autenticidade do material. O atual ministro inclusive falou que não via nada de
mais nas conversas. Não há dúvida em relação à autenticidade, e qualquer
tentativa de voltar atrás nas opiniões é mero esforço de mudar a narrativa da
história.
OP -
Foi isso que o ministro e o procurador fizeram. Disseram que havia a
possibilidade de que o hacker tenha feito enxertos ou adulterado uma ou outra
declaração que estava contida ali. Acha que isso é uma mudança de narrativa de
Moro e Dallagnol?
Demori
- Eu vou responder com o que o ministro Sergio Moro falou, porque acho que mais
claro do que isso é impossível. A gente colocou na nossa reportagem que ia
deixar muito claro que o Intercept recebeu material muito antes de o ex-juiz
declarar que seu celular tinha sido supostamente hackeado. Mesmo assim, quando
Moro declara que seu celular foi hackeado, ele mesmo diz que nada foi subtraído
do celular dele.
OP -
Uma das consequências da divulgação das reportagens tem sido uma reação raivosa
nas redes sociais. Como vocês avaliam os riscos, inclusive pessoais? Vocês têm
recebido ameaças?
Demori
- A redação do Intercept já recebe ameaças há bastante tempo. A gente trata de
temas complexos. Basta lembrar que a gente fez uma grande cobertura do
assassinato da vereadora Marielle Franco, fomos o primeiro veículo a apontar o
envolvimento de milícias. Enfrentamos também um processo eleitoral bastante
turbulento com ameaças constantes. A gente tem uma expertise nisso e estamos
preparados.
OP -
Que imagem surge da Lava Jato a partir do arquivo de vocês? Há uma fissura na
imagem da força-tarefa?
Demori
- O que dá pra saber até agora, pelas reportagens, é que a chave de leitura da
Lava Jato mudou. E ela necessariamente precisa mudar. A partir das revelações
que o Intercept trouxe, veem-se claramente muitas intenções por trás da
operação que não estavam à luz do sol. Muita gente, antes do domingo passado,
poderia ter convicções pessoais sobre a não isenção do ex-juiz Moro ou sobre
exageros e passadas de linha dos métodos da força-tarefa, mas agora, à luz do
que já foi publicado, percebe-se uma outra ótica de olhar a operação. Essa
ótica é mais do mundo real, da vida real. Não é a ótica da linguagem
burocrática, não é a ótica das entrevistas de paletó, não é a ótica dos
microfones oficiais, não é a ótica das coletivas de imprensa. Agora temos uma
ótica realmente de como operou a Lava Jato.
OP -
É possível que haja outras menções a figuras do Judiciário ao longo dos
próximos capítulos?
Demori
- Para evitar especulações, a gente não pode falar. Não podemos. O que foi
mostrado no programa do Reinaldo (Azevedo, na última quarta-feira) foi porque o
ex-juiz Sergio Moro, que não contestou a autenticidade dos diálogos, disse que
não via nada de mais naquele tipo de relacionamento. O que fiz foi trazer um
trecho de pequeno diálogo entre Moro e Dallagnol citando um ministro do STF
(Luiz Fux) para mostrar de novo para que a população julgue esse tipo de
relação.
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Com
informações do O Povo.
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