Em qual país dito democrático o destino do governo e do seu partido fica sujeito à chantagem do presidente da Câmara dos Deputados, disposto a vender caro a sua pele de infrator?
Somos
espectadores de um enredo assustador, a negar a democracia que acreditamos
viver, mas nem todos entendem que o espetáculo é trágico.
![]() |
Etapas de uma história de violência, prepotência, corrupção, sempre imunes. |
O
PT nega-se a uma capitulação ignominiosa e preserva o que lhe resta de
dignidade, logo Eduardo Cunha parte para a vingança. Também o gesto do
presidente da Câmara é tipicamente brasileiro, ao exprimir a situação de um
país que há tempo perdeu o senso e a compostura.
Se
já a teve, a capacidade de entender a gravidade do momento político, sem contar
o aspecto pueril e os complicadores econômicos e sociais.
Até
ontem, o governo jogou contra si mesmo, ao ensaiar a rendição à chantagem:
desenhou-se nas últimas semanas a tendência a instruir os integrantes petistas
da Comissão a votarem a favor de Cunha, donde a pergunta inevitável do cidadão
atento aos seus botões: quer dizer que todos os envolvidos têm telhado de
vidro?
Ora,
ora. Impeachment era, e continua a ser, golpe. Quanto a Cunha, suas mazelas são
mais que evidentes. Então, por que o governo cederia à chantagem? Quem se deixa
acuar está perdido.
Tempo
de chantagem, a delação premiada resulta dela também, a partir de prisões
preventivas que põem em xeque a presunção da inocência, o indispensável in
dubio pro reo. Esta é a democracia à brasileira, diariamente chantageada pela
mídia nativa. Segundo uma pesquisa Datafolha, a maioria dos entrevistados
enxerga na corrupção o calcanhar de aquiles do País.
Não
procuro saber das técnicas empregadas para chegar a esse resultado, de todo
modo é certo que a corrupção não passa de uma consequência de 500 anos de
desmandos na terra da predação. O poder verde-amarelo muda seu endereço, mas
não altera propósitos e comportamentos. É sempre o mesmo, desde as capitanias
hereditárias. Feroz, hipócrita, velhaco. E impune.
De
pé, ainda e sempre, a casa-grande e a senzala, e também sobrados e mocambos.
Gilberto Freyre referia-se ao Nordeste, mas a dicotomia se impõe até hoje do
Oiapoque ao Chuí, e é mesmo possível que agora, nas terras do historiador
pernambucano, seja menos acintosa do que em outros cantos.
Permanece,
em pleno vigor, a lei do mais forte, e desta brotam os nossos males, a começar
pela desigualdade, pelo assassínio anual de mais de 60 mil brasileiros, pelo
caos urbano. E assim por diante. Supor que a situação atual tem alguns
responsáveis, identificados pela Lava Jato, não esclarece a real dimensão do
problema.
Responsável
é quem usa o poder em proveito próprio. Colonizadores, escravagistas,
bandeirantes, capitães do mato, os senhores do império, os militares golpistas
que proclamaram a República etc. etc.
O
golpe de 64 foi precipitado para evitar uma mudança apenas vagamente esboçada
graças à convocação dos gendarmes fardados, coroada a operação 20 anos após,
paradoxalmente, pelo enterro da campanha das Diretas Já.
![]() |
O poder verde-amarelo muda seu endereço, mas não altera propósitos e comportamentos. |
A
chamada redemocratização foi uma farsa, com a contribuição dos fados que
levaram à Presidência Sarney, principal artífice da derrota da Emenda Dante de
Oliveira, a favor das diretas, e vencedor da batalha da indireta à sombra de
uma Aliança pretensa e hipocritamente apresentada como Democrática.
A
casa-grande e sua mídia elegeram Fernando Collor, para apeá-lo quando passou a
cobrar pedágio alto demais, e Fernando Henrique, que “não é tão esquerdista
assim”, como dizia Antonio Carlos Magalhães.
O
governo tucano em oito anos cometeu as maiores infâmias contra os interesses
nacionais, esvaziou as burras do Estado, organizou com as privatizações a maior
bandalheira da história brasileira, comprou votos a fim de reeleger FHC, para
não mencionar as aventuras do filho do então presidente, grandiosas e
silenciadas. Quem pode, pode.
Lula,
Dilma e o PT são intrusos nesta pantomima e esta presença, usurpada na visão
dos antecessores no poder, explica por que hoje são visados como únicos réus. A
eleição do ex-metalúrgico em 2002 ofereceu uma esperança de renovação, e assim
pareceu divisor de
águas
no rumo do progresso. No poder o PT portou-se como os demais partidos
(partidos?) e os bons augúrios minguaram progressivamente. É bom, para a
dignidade do governo e do seu partido que enfim não capitulem diante da
chantagem de Eduardo Cunha.
Seria
o suicídio. Infelizmente, há muitos outros erros morais e funcionais, falhas,
deslizes, e até tramoias, trambiques, falcatruas, a serem remidos, e não é
fácil imaginar que o serão.
Às
vezes me colhe a sensação de que atravessamos a fase final do longo processo da
decadência crescente e inexorável de um país destinado a ser o paraíso
terrestre e condenado ao inferno por sua elite, voltada a cuidar exclusivamente
dos seus interesses em detrimento da Nação.
E
de administrá-los contra a lei, se necessário. Na circunstância, cheia de
riscos e incógnitas, a saída pela Justiça soa como o recurso natural. Não seria
o STF o guardião da Constituição ofendida, o último defensor do Estado de
Direito?
Os
botões me puxam pelo paletó: que esperar desta Justiça desvendada, embora tão
verborrágica, empolada, falsamente solene?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!