Do
Afreaka
“O que sempre tive em mente é que eu deveria
utilizar conceitos teóricos e debates políticos, que por sua natureza são
pesados para traduzir isso para uma linguagem fácil e acessível.”
Há
uma ou duas décadas, a comunicação vem se tornando cada vez mais enigmática,
afinal, a cada dia os limites de possibilidades para se criar novos canais e
formas de trocar informações tem se afastado da nossa capacidade de
enxerga-los. Quem trabalha com a comunicação hoje, além de ter mais ferramentas
de atuação profissional, também tem mais oportunidades e subsídios para se
dedicar às causas, ideais e lutas. Neste cenário, os jovens são a fatia que
mais se apropriou destas novidades para falar o que bem entendem, contrapondo
assim o pensamento muitas vezes engessado da mídia tradicional.
Aos
24 anos, Aline Ramos se formou recentemente no curso de Comunicação Social –
Jornalismo, pela Unesp/Bauru no interior de São Paulo é o exemplo perfeito
disso. Ela decidiu explorar a necessidade de produzir seu trabalho de conclusão
de curso (TCC) em dois assuntos muito importantes: a luta pelo empoderamento
feminino e a luta contra o racismo. Aline é uma jovem mulher negra, mas que já
sofreu diversos preconceitos e aprendeu a lidar com eles para o seu próprio bem
e o de outras mulheres.
Assim
como a maioria da população afro-brasileira, ela sente a falta de ensino e
conhecimento sobre a sua ancestralidade. “Eu
não conheço a minha história e as pessoas negras próximas a mim também não
conhecem. Minha mãe sempre contou que meu bisavô era escravo e minha bisavó era
índia, mas as histórias paravam nisso. Eu nunca vou saber de qual país africano
a minha família descende e quais eram as características desse povo”, comenta.
Para
a jornalista, é de grande importância que o conteúdo passado aos alunos nas
escolas de ensino fundamental e médio seja repensado para contemplar a História
e a Cultura afro-brasileiras e africanas – ressaltando que já existe a Lei
10.639/03, que obriga tais abordagens nas escolas. “Infelizmente leis não
resolvem tudo, ela já tem mais de dez anos e pouca coisa mudou. Por isso a
importância de mudar a cultura do Brasil. Os negros enriqueceram demais a
cultura brasileira e são poucos reconhecidos”.
No
segundo semestre de 2014, Aline lançou o blog “Que nega é essa?” e, no Facebook, sua página oficial, onde
busca estabelecer um forte fluxo de conteúdo positivo a respeito da identidade
da mulher negra, que, segundo Aline, são constantemente ‘invisibilizadas’ na
sociedade. “A mulher negra é anulada
quando só aparece na novela nos papéis de empregada, prostituta e mulheres
“fáceis”, extremamente sexualizadas. Ela é anulada quando não está nos
telejornais e só aparece no período de carnaval se estiver com o corpo
descoberto. Quando cheguei a adolescência sempre ouvia que eu poderia ser uma
Globeleza como um elogio. Parecia que meu único destino como mulher negra era
expor meu corpo para conseguir determinado tipo de sucesso. Ainda bem que
descobri que não era só isso, e que eu poderia ser muito mais do que era
mostrado a mim. Minha busca não é só pelo empoderamento individual, mas o de
outras meninas e mulheres. Desejo ir longe, mas não quero ir sozinha”,
argumenta.
Uma
das ações feitas através do projeto “Que nega é essa?”, que trazem mais
retorno e empolgam sua criadora, é a postagem de imagens que ressaltam a beleza
e o valor das mulheres negras. São fotos, muitas vezes selfies, que fogem a
diversos padrões de beleza de uma sociedade patriarcal e racista, mas que para
Aline e suas companheiras espelham a grandeza da mulher afro-brasileira.
“Os negros no Brasil primeiro tiveram de
lutar pela abolição da escravidão, depois pela conquista de direitos civis e
humanos e atualmente continuam a militar por essa luta, mas também buscam que a
sociedade entenda que o negro é belo. O conceito de beleza é uma construção
histórica e ele acompanha o racismo contido nessa periodização. Essa tomada de
valorização da beleza negra é fundamental para o empoderamento dessa população.
Existem diversos meios para se combater o racismo, o campo estético é um deles.
Para as mulheres sentir que são bonitas e reconhecer-se desse modo é
fundamental, por isso busco esses referenciais que são poucos e não existem na
mídia”, defende. As fotos são encontradas por Aline em grupos e outros
espaços nas redes sociais, mas muitas jovens também tem enviado suas fotos a
ela voluntariamente para serem expostas.
Por
meio de seu conteúdo, Aline Ramos se preocupa em atingir a maior parte possível
de mulheres negras que se identifiquem com suas ideias. Ela sabe que apesar
dela mesma ser mulher e negra, está longe de compreender e poder representar
suas semelhantes em totalidade. “Estudei
numa universidade pública e isso me distancia da realidade de muitas mulheres
negras que moram na periferia, por mais que eu tenha morado em uma durante um
período da minha vida. As redes sociais servem para eu estabelecer um diálogo e
entender quais são as diferenças entre nós e quais são essas demandas. O que
sempre tive em mente é que eu deveria utilizar conceitos teóricos e debates
políticos, que por sua natureza são pesados para traduzir isso para uma
linguagem fácil e acessível. Meu parâmetro é quando minha mãe ou minha prima
leem algo que eu escrevo e se identificam”, complementa.
Longe
de se sentir satisfeita com os resultados positivos que alcançou até agora,
Aline ainda pretende expandir muito mais o seu projeto e a variedade de
informação que gera. Ela já pensa em
criar um vlog através do Youtube, num programa de web rádio e a produção de um
livro com perfis de mulheres negras. Sua atuação demonstra que o trunfo
principal é a consciência que tem de si própria e da diferença que pode fazer.
“Para viabilizar tudo isso também pretendo
buscar uma forma de capitalizar o projeto para que eu consiga mantê-lo, seja
com patrocinadores ou algum edital que o meu projeto se encaixe. Uma coisa que
aprendi é que trabalho não vai faltar”, finaliza.
Acesse
a página do Que Nega É Essa
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