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(FOTO/ Reprodução/ Jornalistas Livres). |
A
pauta do país deve voltar a ser dominada pelo tema da educação nessa semana.
Finalmente, vai entrar em votação no Congresso Nacional a proposta de emenda
constitucional número 15 de 2015, que prevê o que foi chamado de novo Fundeb. O
Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação) foi criado pela Emenda
Constitucional 53 com duração limitada (2007-2020) e ocupou o lugar do seu
antecessor, o Fundef (que vigorou de 1998-2006). Não se trata de algo
totalmente “novo”, portanto. A novidade consiste em um aperfeiçoamento do
modelo, mas sobretudo em tornar permanente essa política nacional de
financiamento da Educação Básica.
O Fundeb funciona como um mecanismo de redução da desigualdade entre os municípios e estados no que se refere à sua capacidade de financiamento da educação. Todos os entes federados, municípios, estados e União contribuem com o Fundo. A maior parte do dinheiro do fundo é dos estados e municípios. A União entra com uma complementação, que corresponde à menor parte. A União precisa se comprometer mais com o financiamento da Educação Básica e é isso que prevê o novo Fundeb. Mas, mesmo assim, a União continuará dando uma parcela menor do que estados e municípios.
O
dinheiro que compõe o fundo é distribuído considerando o número de alunos em
cada município e a modalidade de ensino ofertada para esses alunos. Assim, cada
município recebe recursos conforme o número de alunos e o ensino ofertado (da
pré-escola ao ensino médio, parcial e integral, urbano e rural, regular e
profissionalizante, EJA, tudo é considerado, menos o ensino superior). Um
estudo técnico da Câmara dos Deputados mostrou que a desigualdade de investimento
entre os municípios, mesmo com o Fundeb, é de 564% entre os que investem mais e
os que investem menos. É uma diferença grande e que precisa ser reduzida para
que tenhamos mais oportunidade de superar as barreiras para a mobilidade
social. No entanto, sem o Fundeb, tal diferença seria de 10.000%, segundo esse
mesmo documento (Estudo Técnico 24/2017 da Câmara dos Deputados).
O Fundeb vence agora no final de 2020 e ficar sem ele significaria o colapso da educação pública. Consciente disso, há um debate no Congresso Nacional sobre o novo Fundeb que se intensificou nos últimos anos, mas que vem desde 2015, quando a PEC que será votada amanhã foi proposta. Ao longo desses anos foram realizadas centenas de audiências públicas e outras reuniões com ampla participação da sociedade e dos gestores da educação. Todo esse trabalho levou à construção do relatório da deputada Professora Dorinha (DEM-TO), que traz uma série de avanços e consolida consensos. Não se trata de todos os avanços que alguns esperavam, como uma ampliação da participação da União, que arrecada a maior parte dos impostos, para 40% do Fundeb. Nesse ponto, o relatório da deputada prevê um aumento da participação da União de forma escalonada em seis anos até chegar a um teto de apenas 20%. É mais do que os 10% atuais, mas é menos do que muitos desejariam para podermos avançar mais rápido na urgente melhoria de nossa Educação.
O
atual governo, especialmente o MEC sob a gestão desastrosa de Abraham Weintraub
sempre se recusou a participar dos debates e da construção do novo Fundeb. Foi
instado a isso de forma até mesmo dura por parlamentares de todos os partidos
todas as vezes que esteve no Parlamento. A arguição da deputada Tábata Amaral
(PDT-SP), insuspeita de “socialismo”, ficou marcada. O fato é que o governo
Bolsonaro está brincando de guerra ideológica e nada fez para a gestão da
educação e a efetiva resolução dos problemas do setor. Essa ausência do governo
federal no debate sobre o Fundeb foi particularmente escandalosa em meio a um
descaso e incompetência generalizados.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar, não é mesmo? Pois, então, nessa sexta-feira, quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pautou a votação do novo Fundeb, o governo enviou uma proposta de alteração do relatório da Professora Dorinha. Trata-se de um desrespeito com o Congresso e com todas as entidades que participaram do debate desse relatório por anos. É uma proposição que nunca foi discutida com a sociedade nem apresentada em qualquer momento anterior a entidades representativas dos gestores da educação ou trabalhadores da educação ou quem quer que seja. Para piorar, pois afinal “para o pior não há limites”, a proposta do governo descaracteriza o Fundeb totalmente. Para começar, propõe que o Fundeb não exista em 2021, voltando apenas em 2022. Depois de um ano de pandemia e todos os desequilíbrios que isso gerou nos sistemas educacionais, quem pode pensar em cortar os recursos centrais para o financiamento da Educação por um ano? É algo ridículo e que certamente será rejeitado, mas mostra a extensão da irresponsabilidade e incapacidade dos que construíram essa proposta que veio do governo, do nada.
Não bastasse isso, a proposta do governo quer tirar 5% dos recursos que seriam ampliados como contribuição da União para política de renda mínima. Os recursos já são insuficientes e ainda se quer desviar a finalidade de uma política estrutural, que é educação, para uma política emergencial? Mais um ponto a ser rejeitado, obviamente.
Para
um último exemplo da imperícia da proposta irrefletida do governo citamos a
mudança do percentual destinado ao pagamento dos profissionais da Educação. No
relatório da Professora Dorinha, foi estabelecido após amplo debate com todos
os setores que um mínimo de 70% dos recursos do Fundeb irá para pagamento de
todos os trabalhadores da educação (professores, auxiliares, monitores,
cantineiras, coordenadores, diretores etc.). A valorização dos profissionais da
educação é, seguramente, um desafio para a melhoria da qualidade. Bem sabidas são
as muitas dificuldades para pagar o Piso Nacional para os Professores, mesmo
com o Fundeb atual. A proposta alternativa do governo é trocar o piso por teto.
Ou seja, no máximo 70% do Fundeb poderia ser utilizado para o financiamento de
pessoal. Isso significa aniquilar a possiblidade de valorização desses
trabalhadores com planos de carreira e políticas de qualificação permanente. Em
outras palavras, significa condenar à míngua um aspecto central em qualquer
política educacional: pessoal! Não nos estendemos mais examinando ponto a ponto
esse desastre que o governo atual, de turno, quer fazer com o Fundeb.
Esse é um problema grave da educação: os desmandos dos governos de turno e as descontinuidades. Por isso, é fundamental aprovar o relatório da Professora Dorinha na votação que tem início nessa semana no Congresso Nacional, gerando, finalmente, um passo importante para consolidar uma política de Estado para o financiamento da Educação Básica. As pressões serão muitas, especialmente, como vimos, de setores que não participaram do debate e nada entendem da educação como uma política de Estado, como direito da cidadania.
Aprovar
o Fundeb como construído no relatório da deputada é fortalecer o consenso
construído em torno do tema com entidades como a Undime (que reúne todos os
secretários municipais de educação) e Consed (dos secretários estaduais), além
de inúmeras outras entidades representativas. No entanto, mais importante,
aprovar o Fundeb como se encontra no relatório da Professora Dorinha é superar
uma parte importante sobre o debate fundamental do financiamento da educação e
podermos nos concentrar em outro tema urgente que é a gestão da educação. O
financiamento é fundamental e o Fundeb garante um mínimo que deverá ser
ampliado pelos gestores que queiram dar mesmo prioridade à educação. Mas
sabemos que o financiamento não é condição suficiente para a melhoria da
educação que necessitamos e sonhamos. Para isso, é preciso gestão. Esse é o
passo que devemos dar. Construir uma gestão democrática, tecnicamente capaz,
centrada em metas e resultados a serem construídos por todos os envolvidos e
com uma liderança por parte do poder público é fundamental. Em outras palavras,
para uma boa educação, precisamos financiamento, pessoal qualificado e
motivado, gestão democrática e eficiente, liderança. Aprovar o “novo” Fundeb
previsto no relatório da deputada Dorinha sem mudanças amadoras e perversas de
última hora é o primeiro passo de uma longa caminhada que precisamos dar.
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Por Fábio Faversani, professor de História da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG, no Jornalistas Livres.
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