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(FOTO/ Reprodução/Facebook). |
Por Nicolau Neto, editor-chefe
O antropólogo e professor brasileiro-congolês Kabengele Munanga ao falar sobre o mito da democracia racial em uma entrevista para o Portal Fórum cravou "o nosso racismo é um crime perfeito". Para ele, “o racismo é uma ideologia. A ideologia só pode ser reproduzida se as próprias vítimas aceitam, a introjetam, naturalizam essa ideologia. Além das próprias vítimas, outros cidadãos também, que discriminam e acham que são superiores aos outros, que têm direito de ocupar os melhores lugares na sociedade. Se não reunir essas duas condições, o racismo não pode ser reproduzido como ideologia, mas toda educação que nós recebemos é para poder reproduzi-la”.
Dialogando
com Kabengele Munanga destaco que em muitos casos essas duas condições estão
presentes. Muitos se calam e não denunciam atos racistas, o que permite que a
segunda condição se perpetue. Mas é fundamental também trazer para essa
discussão, o fato de que o racismo é estrutural e por ser assim, não pode ser
entendido sem que se perceba como ele foi se desenhando e delegando quais
papeis o negro e a negra podiam ocupar na sociedade. O racismo no Brasil se
estruturou com e pós o processo de escravização.
É
estrutural também quando tentam de todas as formas apagarem quaisquer atos ou
situações histórico-filosóficas que relembrem de forma positiva o negro, a
negra. É estrutural quando associam a imagem do negro e da negra somente a
criminosos, a vadios e a tudo que é negativo. De igual modo, é estrutural
também quando somadas essas condições, há a naturalização de casos que remetam
ao racismo. (Para entender mais sobre Racismo Estrutural, recomendo a leitura
do livro de mesmo nome do advogado, filósofo, doutor e pós-doutor em Filosofia
e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da USP, Silvio Almeida).
Quando
Kabengele Munanga destaca que “o nosso
racismo é um crime perfeito” é exatamente entendendo essa dimensão e por
perceber que o racismo de tão perfeito que se formou no Brasil fez com que boa
parte da sociedade brasileira, especialmente aqueles em condições de privilégio,
naturalizaram o racismo. Não desejam discutir as desigualdades dele
resultantes. Não lhes interessam fazer ou propor essa discussão.
No
Brasil é assim, e Altaneira - município pequeno do interior do Ceará - não foge
a regra. A discussão do racismo não é tema central nas rodas de conversas de
“lideranças políticas”; não é centralidade nos planos de governos; não é pauta
central nos principais espaços de poder e de onde se tem as decisões que afetam
a vida de todos. Em muitos desses espaços e em muitas dessas “lideranças
políticas” sequer é tema de discussão. No meu último texto que escrevi neste
Blog toquei exatamente nesse ponto ao afirmar que “quando o racismo é ignorado,
a tendência é continuar naturalizando -o”. (Leia clicando aqui).
Quando
não se discute algo que é prejudicial, que define qual o lugar tu deves ou não
ocupar na sociedade e que mata, a tendência é que ele ocorra com mais
frequência e que quem o pratica acabe percebendo que o que praticou não terá
consequências e que terá caminho livre para continuar dilacerando ódio racial.
São essas
e várias outras questões que contribuíram para que o prefeito de Altaneira,
Dariomar Rodrigues (PT), sofresse ato racista no último domingo, 05. Segundo a
nota lançada no dia seguinte pelo próprio prefeito em seu perfil no Facebook,
“a autora” (ele não citou quem) o chamou de “bolo preto, “bolo de
brigadeiro preto”. No áudio que acompanhou a nota, a autora ainda completa “bolo de brigadeiro preto com duas azeitonas
em cima” e ri.
O prefeito
classificou a atitude que foi veiculada em grupos de WhatsApp “de cunho
absolutamente racista, preconceituoso e, de acordo com lei 7.716/1989, criminoso”
e que lamenta "ainda a utilização das redes sociais para a propagação do ódio e
da intolerância”, mas não disse se iria fazer a denúncia judicialmente.
Em
outro áudio também veiculado via grupos de WhatsApp, a primeira-dama e Secretária
de Assistência Social, Lan Alencar, comentou a atitude que motivou a nota do
prefeito e destacou que o contexto teria surgido por intermédio de divergências
corridas nas barreiras sanitárias instaladas em pontos estratégicos do
município visando evitar a propagação do novo Coronavírus e diz que vai
processar a autora e ri no final do áudio.
Em
tempo
A educadora
e professora Angela Davis destaca que "numa sociedade racista, não basta
não ser racista. É necessário ser antirracista". Isso significa dizer que é
dentro dessa ambiência que temos que nos posicionar e agir para construir uma
sociedade com equidade racial. É dentro desse contexto que temos a obrigação de nos
situar, ou seja, não basta não cometer atos racistas, é fundamental que ao
testemunhar sejamos capazes de combater.
É
muito comum ouvir frases “não sou racista e abomino toda e qualquer atitude
racista”, mas não vemos nenhuma ação de combate nesse sentido. Tenho cobrado
todos os dias ações nessa direção e nos últimos meses tenho insistido,
inclusive com textos no Blog e que foi reproduzido nacionalmente, que é fundamental
cobrar a responsabilidade da branquitude nessa questão, pois entendo que já
passou da hora de falar sobre o papel das pessoas não negras na luta
antirracista. A filósofa negra brasileira Djamila Ribeira, autora da obra Pequeno Manual Antirracista (Companhia
das Letras), frisa exatamente isso e que o racismo “é, sobretudo, uma problemática branca”,
conforme texto que reproduzi exatamente no dia do ocorrido que ensejou esse
artigo. (Clique aqui e reveja).
Foi
também nele que Lourenço Cardoso, professor do Instituto de Humanidades da
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab),
no Ceará e autor da tese de doutorado O branco ante a rebeldia do
desejo: um estudo sobre a branquitude no Brasil, frisou que o combate ao
racismo é uma luta de todos e menciona que “é
um processo constante e de longo prazo — e que só você pode conduzir. Ao
perguntar ao negro e à negra, o branco deixa de lado a sua responsabilidade por
erros e acertos nesse caminho. Errar é humano e pedagógico. A branquitude
possui responsabilidade, exerçam a sua responsabilidade para a construção de
uma sociedade que busca justiça”.
Isso
significa que o racismo é um dever e uma obrigação moral e ética que deve ser combatido
por todos. Não é uma causa exclusiva negra. Assim como o machismo não é uma causa
exclusiva das mulheres, como também a homofobia não é uma luta exclusiva de gays, lésbicas,
transgêneros e etc. O racismo e todas as demais formas de preconceitos e de
discriminações tem que ser enfrentadas diariamente e isso se faz com ações e
debates em todos os espaços de poder. Se combate discutindo e propondo ações de
enfrentamento. Nunca se omitindo ou com frases desconexas do tipo “se deixarmos de falar de racismo ele acaba”.
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