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Cobertura
do mês da Consciência Negra mostra quão racista somos e precisa ser ampliada.
O
“novembrismo” não é necessariamente ruim, mas a concentração dos temas na
ocasião traz frustração para quem gostaria de se ver representado e de ter seus
problemas discutidos o ano todo.
Ao
mesmo tempo, é um período em que se dá grande visibilidade aos mecanismos de
exclusão da sociedade brasileira.
Com
a ajuda de órgãos oficiais de pesquisa e universidades, dados sobre a inserção
dos negros em diferentes áreas mostram de forma eloquente quão racista somos.
Num
histórico rápido da relação entre a população negra e a imprensa, é possível
dizer que os negros passaram a maior parte do século 20 confinados às páginas
policiais, de esportes e de cultura dos jornais.
Não
surpreende que reações importantes venham justamente do esporte, com destaque
para a lúcida fala do narrador Júlio Oliveira, feita recentemente no SporTV, e
do técnico do Bahia, Roger Machado.
O
debate étnico-racial ganhou força apenas no fim do período da ditadura,
sobretudo após o surgimento do Movimento Negro Unificado.
A
inflexão na cobertura jornalística veio, porém, bem depois disso, a partir do
debate sobre as políticas de ação afirmativa desenhadas para incrementar a
participação de pretos, pardos e indígenas no ensino superior brasileiro.
Mais
recentemente, discussões feitas nas redes sociais são seguidas pela grande
mídia e têm conseguido pautá-la.
A
abordagem dos temas também tem melhorado. Reportagens que insistiam em situar
mudanças na chave da superação pessoal deram lugar a debates contextualizados.
Existe
espaço para melhorias? Sim. Há alguns dias, soube-se que pretos e pardos, pela
primeira vez, são maioria nas universidades federais.
O
destaque merecia ter sido acompanhado de um maior refinamento dos dados, sob
risco de se cristalizar a ideia equivocada de que as cotas já atingiram seu
objetivo de colocar mais negros na universidade.
Discutiu-se
pouco, por exemplo, qual a presença do grupo em cursos de maior prestígio.
No
geral, os avanços na cobertura não se deram sem resistência, inclusive dos
próprios jornais que, em editorial, se posicionaram contra a política de cotas.
A Folha foi um deles.
Para
ficar num exemplo mais recente, na mesma edição em que destacou a virada
histórica dos negros no ensino superior, o jornal O Globo fez questão de se
pronunciar em um pequeno espaço interno contra o que chamou de “injustiças”
cometidas por um sistema de escolha, a política de cotas, feito com base em
algo que não existe: a raça.
A
divergência é bem-vinda, mas faltou dizer que a política de cotas não se guia
por implicações biológicas (rechaçadas cientificamente), mas na ideia de raça
como um marcador que desumaniza um grupo e que afeta toda a sua existência.
Pode
haver falhas no processo? Sim, mas marcadores raciais têm se mostrado eficazes.
Na dúvida, consulte um taxista, porteiro ou policial —extratos hábeis na
definição de raça.
Outras
coberturas feitas pela imprensa mudam em velocidade bem mais reduzida. A
representação do negro associado à violência, por exemplo.
Não
há nada mais sério ocorrendo no Brasil hoje do que a violência que incide
sobretudo sobre a população negra. Segundo o IBGE, a taxa de homicídio entre
jovens brancos de 15 a 29 anos é de 34 por 100 mil.
Sobe
para 98,5 entre jovens negros. Se o recorte for masculino, a taxa de homicídio
por 100 mil é de 63,5 entre os brancos e de 185 entre os negros.
A
banalização do racismo ainda faz que pessoas negras, mortas em certos lugares,
não gerem notícia impactante e que programas de televisão explorem a violência
por meio de estereótipos, terminologia vulgar e racismo explicito.
O
sujeito que é morto não é nomeado, deixa de ser visto como jovem ou
trabalhador, ou tem antecedentes criminais ressaltados como se fossem
justificativas para a morte.
Outro
ponto a destacar é que negros não frequentam com regularidade as páginas de
maior prestígio dos jornais, apartados do debate sobre medidas econômicas,
cujos efeitos recaem principalmente sobre eles.
Mas
há avanços. A própria Folha criou uma editoria de diversidade que vem
divulgando conteúdo relevante, além de trazer colunistas para discutir essas
pautas. Amplificar isso é fundamental.
Ausências
criam uma capa de invisibilidade que repercute em todas as áreas e dimensões. A
cobertura jornalística mais permanente, para além de novembro, justifica
estudos e investimentos, ampliando os laços de solidariedade possíveis.
Feita
por e para a elite, a grande imprensa sempre refletiu seus medos, preconceitos e
preocupações. Ela ajudou a normalizar o quadro de desigualdades raciais e agora
precisa contribuir para superar essa narrativa.
Por
Flavia Lima, Da Folha de S.Paulo e reproduzida no Geledés.
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