![]() |
Os privilegiados do Brasil gargalham da reforma da Previdência. (FOTO/Reprodução). |
O
lunatismo característico do governo Bolsonaro não está restrito ao chamado
“setor olavista”. Paulo Guedes, como todo bom defensor de governos com
características totalitárias, como o de Augusto Pinochet no Chile, com o qual
manteve relações muito próximas, arquitetou um mito (com o perdão do
trocadilho) de dar inveja aos terraplanistas: o de que o objetivo da reforma da
Previdência é combater privilégios.
Guiada
por esta farsa, a tropa de “bolsominions” me ataca nas redes: “Você está contra
a reforma porque defende privilégios”. Logo eu, que abri mão de minha
aposentadoria especial como deputada e tenho na luta contra toda desigualdade o
norte de minha militância.
O
objetivo é acabar com privilégios? Que tal começar então pelo próprio
presidente da República, que se aposentou do Exército com 33 anos de idade e
está inscrito no regime de aposentadoria especial da Câmara dos Deputados? Nós
somos a favor de que aposentadorias abusivas sejam revistas, o que não é o
caso, como se pensa, dos funcionários públicos, cuja maioria é formada por
professores, policiais, enfermeiros etc., mas o é de políticos e oficiais de
alta patente das Forças Armadas. Se o governo está de acordo, por que não fazer
uma reforma da Previdência restrita a esses grupos?
Longe
disso, o governo foi bastante generoso com eles. No caso dos parlamentares, o
tão valorizado “fim da mamata” de aposentadorias especiais valerá apenas para
os futuros eleitos. Os oficiais militares também podem ficar tranquilos, pois a
modesta reforma que os afetará foi muito bem compensada por um generoso plano
de carreira.
Os
beneficiados pela reforma da Previdência são justamente os maiores
privilegiados deste País: banqueiros, rentistas, especuladores, em resumo, o
capital financeiro. Pois a reforma da Previdência prevê a substituição do atual
regime de repartição pública, no qual trabalhadores ativos, empresas e Estado
mantêm as aposentadorias, pelo regime de capitalização, em que cada trabalhador
se aposenta com o recolhido em uma espécie de poupança individual em um fundo
de pensão privado.
Para de fato combater os privilégios, mais eficiente seria uma reforma tributária que alcançasse os ricos
Nos
30 países em que foi adotada, a capitalização gerou lucros bilionários para os
administradores e uma massa de idosos em situação de pobreza, além de custos
astronômicos ao Estado. Apesar das promessas dos Chicago Boys (entre eles Paulo
Guedes), o óbvio aconteceu: em economias subdesenvolvidas, os trabalhadores
passam longos períodos desempregados e na informalidade, de modo que o montante
poupado ao longo da carreira é insuficiente para manter a aposentadoria. Mas os
fundos de pensão puderam rir à toa com as gordas taxas de administração que
cobraram.
Guedes
não apenas representa os interesses desse setor, como ele próprio é e sempre
foi um homem desse mercado. Aliás, cabe lembrar que o ministro responde a
inquérito no Tribunal de Contas da União por gestão fraudulenta de recursos de
fundos de pensão públicos.
Para
combater privilégios de fato, defendemos a reforma tributária solidária
proposta pela Anfip e pela Fenafisco, que prevê inverter a injusta estrutura
tributária do Brasil, cobrando – de verdade – mais impostos de quem ganha mais
e reduzindo a carga tributária sobre consumo e rendas mais baixas.
Dentre
as medidas está a elevação da alíquota do Imposto de Renda para quem ganha
acima de 40 salários mínimos por mês, de 27,5% para 35%, ou 40% no caso
daqueles que ganham acima de 60 salários mínimos. Essas medidas teriam um
impacto financeiro positivo muito superior àquele da reforma da Previdência,
afetando apenas 750 mil indivíduos e sem colocar em risco o seu conforto e
sobrevivência.
O
mesmo não se pode dizer dos afetados pela reforma da Previdência. Para não nos
perdermos na desumanização dos números, vamos a exemplos concretos. Conversei
com uma empregada doméstica que trabalhou por quase meio século, mas conseguiu
registro em carteira por apenas 15 anos. Aos 60, finalmente pode se aposentar.
Se a reforma valesse desde que começou a trabalhar, ela teria de contribuir por
mais cinco anos.
Na
sua idade e com seu grau de escolaridade, manter um emprego formal por tanto
tempo é praticamente impossível. Caberia recorrer ao BPC, benefício pago a
idosos em situação de miséria. Mas, com a reforma, teria de se contentar com
apenas 400 reais até completar 70 anos. E torcer para que seu marido não morra,
pois, neste caso, não poderia acumular o seu benefício mais a pensão do cônjuge
falecido.
Também
não poderia cuidar de um filho com deficiência, pois Bolsonaro acha que
acumular BPC e benefício para pessoas com deficiência é um privilégio a ser
cortado. Ou seja, 75% da suposta economia de 1 trilhão de reais anunciada por
Guedes vem de sacrifícios impostos a cidadãos como esses: beneficiários do
Regime Geral de Previdência Social que ganham, em média, 1,3 mil reais.
A
Previdência Social não é uma “fábrica de privilégios”. Ao contrário, é uma de
nossas políticas públicas mais eficientes de combate à pobreza e à
desigualdade, como apontou estudo feito por Rossi, Dweck e Welle.
Não
só ela, mas os gastos públicos em geral, como educação, que o trator do governo
também trata de demolir. Os “ajustes necessários para acertar as contas públicas”
– outro mito que precisa ser desmontado –, além de produzirem uma tragédia
social, são uma economia burra, pois retiram renda daqueles que poderiam
consumir para estimular os investimentos e a geração de empregos. São os
ajustes, e não a falta deles, que tornaram esta crise a mais duradoura da nossa
história. Diga não à reforma da Previdência.
__________________________________________________________
Por Sâmia
bomfim, na CartaCapital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!