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Em coletiva de imprensa, diretora na série Andrea Pilar Marranquiel(à esquerda), líderes indígenas e produtor Marcelo Braga (à direita). (Foto: Divulgação). |
O
lugar não poderia ser mais simbólico: floresta amazônica. E os protagonistas
para dar voz a ela também não poderiam ser outros, as lideranças indígenas. A
série Guerreiros da Floresta, que estreia na próxima quarta-feira (20) no canal
Futura, parece o enredo ideal para ilustrar as contradições do atual cenário
nacional, marcado por vozes que protestam contra a exploração dos madeireiros e
grandes mineradoras, além dos interesses políticos justificados em nome do
"desenvolvimento".
Desde
a chegada dos colonizadores europeus, há mais de 500 anos, o Brasil acumula uma
dívida em relação aos indígenas. Uma conta que ainda está longe de ser fechada
e que demanda como parte do pagamento um processo de reconhecimento, escuta e
visibilidade. E é nesse sentido que a série não se encerra em si mesma.
Nas
vozes dos líderes Davi Kopenawa, Almir Suruí e Ninawa Inu Huni Kuin, das etnias
Yanomami, Suruí e Huni Kuin, respectivamente, é possível adentrar na cultura
indígena para além das referências particulares e perceber que, apesar das
distâncias geográficas e culturais que separam uma comunidade da outra e também
do restante da população brasileira, a luta pela preservação da natureza e da
herança dos povos originários é, na verdade, um compromisso de todos.
"Ninguém
está pensando como o branco, em fazer um Congresso Nacional. O nosso Congresso
Nacional é preservar a natureza, conservar para todo mundo", explica em um
dos trechos da série o xamã Davi Kopenawa.
O
desafio de aproximar as diferentes visões de mundo que se cruzam em torno do
meio ambiente e da causa indígena para um projeto de preservação e
desenvolvimento é também um dos principais objetivos da série. Ela contará ao
todo com 13 episódios com 26 minutos cada, de acordo com a diretora Andrea
Pilar Marranquiel e o produtor executivo Marcelo Braga, da Santa Rita Filmes.
"A
gente foi atrás dos que estão nas frentes, no front e sendo ameaçados",
ressalta a autora do argumento. "O que está ali não foi pautado,
roteirizado, o que está ali foi dito e é a verdade de povos perseguidos, povos
que ainda estão na linha de extermínio (...). A gente está errando de novo,
estamos referendando um modelo anti-indigenista que pode acabar com uma
história que é a nossa, a verdadeira história brasileira", adverte Andrea.
Não
à toa os relatos dos indígenas confirmam essa realidade de invasão sobre seus
territórios e sua cultura. A partir deste cenário, tecem estratégias de
sobrevivência e propostas alternativas às hegemônicas para sua própria
manutenção e, nesse sentido, conseguem debater dinâmicas mais sustentáveis para
o manejo e produção da floresta até a expansão do conhecimento indígena por
meio de escolas e universidades, como a que vem sendo elaborada pelo povo Pater
Suruí em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"Essa série pode contribuir para a causa
porque o movimento indígena não é só um movimento. Quando você vai para a rua
protestar ou fazer uma cobrança do governo, o movimento indígena mais forte
está dentro da própria aldeia", afirma um dos guerreiros, Ninawa,
presidente da Federação do Povo Huni Kui do Acre.
Desenvolvimento para quem?
Mas
é no limite com as grandes produções de soja, com a criação de gado e ao lado
das zonas de garimpos expandidas sobre o território da Amazônia que etnias como
Yanomami, Huni Kuin e Suruí precisam reafirmar sua luta pela conquista da
terra, principalmente em estados como Roraima, Rondônia, Acre e Amazonas.
Foi
em nome dessa "integração" e do "desenvolvimento" que o
atual governo de Jair Bolsonaro tem elaborado e acenado com iniciativas para a
região que afetam principalmente os povos indígenas.
Desde
o segundo turno das eleições até o decorrer do segundo mês do gestão, já foi
indicada a paralisação da demarcação de reservas indígenas; parte das
competências da Fundação Nacional do Índio (Funai) foram transferidas para o
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos por meio da Medida
Provisória (MP) 870/2019, e toda estrutura destinada ao reconhecimento de
terras indígenas alocada para a pasta da Agricultura, chefiada por Tereza
Cristina, apelidada de "musa do veneno" por estar associada aos
interesses do agronegócio.
As
propostas mais recentes dão conta ainda da tentativa de enfraquecimento de
organizações não-governamentais, de um pacote de obras de infraestrutura na
Amazônia até a defesa de que indígenas possam produzir em larga escala,
declaração dada na última quarta-feira (13) pela ministra da Agricultura.
Mas,
na prática, os líderes, chamados na série de "guerreiros da floresta",
contestam a visão de desenvolvimento evocada pelo governo.
Ninawa,
da etnia Huni Kuin, e Almir Suruí, do povo Suruí, também biólogo, têm visões
diferentes sobre o que consideram a via ideal para o manejo da floresta, mas
concordam que as propostas do novo governo vão no sentido contrário ao da
preservação, soberania nacional e preocupação com a sobrevivência de todos.
"As ideias dele (Bolsonaro) são geradas a
partir de interesses de alguns grupos, que não entendem nada sobre a questão
indígena", afirma Almir Suruí. "Se o governo entendessem a importância dos indígenas, das nossas
comunidades para a humanidade, jamais nos trataria dessa forma. O problema é
que nós não temos um poder econômico para poder bancar a campanha deles",
ironiza Ninawa.
De
acordo com Instituto Socioambiental (ISA), em geral, as terras indígenas
continuam sendo a "principal
barreira contra a destruição da floresta", cuja preservação é
fundamental, por exemplo, para reduzir os impactos das mudanças climáticas.
Muito por conta disso, para o líder do povo Huni Kuin, qualquer projeto que
promova uma compreensão do meio ambiente somente do ponto de vista econômico
não corresponde às aspirações dos povos originários pela preservação.
"Nossa relação é com o sagrado, o espiritual,
uma relação de proteger um ao outro. Em nenhum momento nós, os Huni Kuin,
estamos separados da floresta. Nós somos a floresta, temos essa convicção",
explica à RBA.
Já
para Almir Suruí, que vem tentando um diálogo com o governo tanto para explicar
as ações indígenas como para entender os objetivos de Bolsonaro, a aproximação
da sociedade em geral com o ponto de vista indígena sobre a natureza precisa
estar conjugada também do ponto de vista econômico, por exemplo, permitindo
linhas de concessão de créditos para agricultura.
“Não somos apenas vítimas da política e do
desenvolvimento, nós temos propostas para o Brasil se desenvolver",
afirma. "Nós (indígenas) temos
produção, nós produzimos, contribuímos com o país da maneira que a gente pode,
mas dentro de um equilíbrio da consciência ambiental, econômica, cultural",
explica. "Não é quantidade que vai
definir que nós somos agricultores." (Com informações da RBA).
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