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(Foto: Seaturle/CC). |
Vivemos
em tempos de zero afetivo. A expressão, criada pelo filósofo francês Jean-Paul
Sartre, em seu "Esboço Para uma Teoria das Emoções", aponta para uma
época em que o sofrimento é banalizado. Recusamo-nos a vivenciar a dor e o
sofrimento, que é a agonia resultante das injustiças sociais.
Palco
da banalização do sofrimento e em tempos de zero afetivo, o corpo é visto como
fonte de prazer. A tecnologia avança, o que possibilita ainda mais prazeres.
Porém, a educação que forma pessoas aptas a desenvolver tamanha tecnologia
também forma humanos particulares – que se preocupam apenas com eles mesmos –
em detrimento de humanos universais – os que, de fato, preocupam-se com
questões sociais. O resultado é que estamos nos divertindo mais, "transando" mais, porém, com menos
afetividade. Estamos vivendo mais, contudo, desorientados.
A
existência humana transformou-se em violenta luta pela sobrevivência, a partir
de processos de desumanização. Aqui, minorias sociais são percebidas como
subalternas, até mesmo como não-pessoas: caso, por exemplo, do dramático
cotidiano de pessoas trans e travestis no Brasil.
O
pensamento dominante na sociedade brasileira encontra na identidade de gênero
de pessoas trans e travestis o componente para legitimar a violência. Na
prática, isso impossibilita o acesso de cidadãos e cidadãs trans à formação
educacional mínima para sequer ingressar no mercado convencional de trabalho.
Aliás, desde que começam a assumir sua identidade de gênero, travestis e
transexuais passam a ser "proibidas de viver".
Dados
da Rede Nacional de Pessoas Trans no Brasil (Rede Trans), mostram que nosso
país é líder mundial em mortes dessa população: em 2017, ocorreram 179
assassinatos – média de uma morte a cada dois dias. Outro aspecto alarmante se
refere à educação: 82% de mulheres transexuais, travestis e homens trans
abandonam a escola entre 14 e 18 anos, por não mais suportarem as pressões e
agressões diárias e a ausência de amparo familiar.
Em
uma sociedade pouco leitora e com uma mídia dominada por meia dúzia de famílias
e suas próprias conveniências, a perseguição a quem é "diferente" está cada vez mais
naturalizada. É comum pessoas trans e travestis estarem em “reportagens” que as julgam negativamente
sem direito de defesa, exibindo seus corpos seminus como se tivessem
"nascido para a prostituição".
Porém,
são raras as matérias e artigos que publicizam as razões para que 90% de
travestis e transexuais do país atuarem como profissionais do sexo, conforme
pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Muito dessa
atmosfera de intolerância dos veículos tradicionais de informação é financiada
por líderes religiosos fundamentalistas, proprietários ou financiadores da
mídia tradicional que são
Ante
tal arena e tanta violação de direitos, como o direito a um trabalho digno e ao
de utilizar banheiros de acordo com o gênero com que se identifica, resta
àqueles que escolheram ser "humanos
universais" se posicionar. Que o sofrimento de travestis e transexuais
se estenda aos que, indignados com a transfobia, passem a agir socialmente,
combatendo o crescente estado de exceção que se instaurou no Brasil, desde o
impeachment de uma presidenta democraticamente eleita.
O
golpe de 2016 tem, entre tantas fisionomias medonhas, a face da transfobia.
Nesses termos, pessoas cis genuinamente preocupadas com tal conjuntura devem
contribuir para o debate político, e, consequentemente, para a visibilidade, a
garantia de direitos e o respeito a pessoas não-cis.
As
pessoas trans e travestis, com suas histórias de superação, incentivam pessoas
cis que querem ser humanos universais, a viver de forma positiva com as
diferenças. Sobretudo os homens cis héteros, como o autor deste texto: é hora
de pensar – e agir – em prol do enfrentamento da discriminação e do preconceito
que atingem essa população. Basta de intolerância.
É
preciso participar da construção de uma sociedade inclusiva, democrática, que
acolha as diferenças e singularidades, que acolha também os que contrariem a
regulação moral imposta pelos poderosos.
Esse
é o Eden que devemos buscar, não aquele em que os "diferentes", que são também os mais vulneráveis, são expulsos
e muitas vezes perdem a vida tragicamente.
Do
contrário, continuaremos presos à lógica resumida na frase da psicanalista
Melanie Klein (1882-1960): “quem come do
fruto do conhecimento, é sempre expulso de algum paraíso”.
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Por
Armando Januário, na RBA. Ele sexólogo e pós-graduado em Literatura Brasileira.
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