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O ex-presidente brasileiroJairBolsonarogala com a imprensa apósdeixar o senador, Brasília. 26 de março de 2015. (FOTO | Sérgio Lima | AFP). |
Na noite da última segunda-feira (4) foi expedido, por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o pedido de prisão domiciliar de Jair Messias Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado e muitos outros crimes. Desde o último mês já tinham sido adotadas pela Suprema Corte uma série de medidas cautelares em desfavor do ex-presidente: uso de tornozeleira eletrônica e proibições que vão desde sair de casa à noite e aos finais de semana, passando por qualquer contato com demais investigados do caso, até o uso das redes sociais, inclusive por intermediação de terceiros.
Foi justamente o descumprimento dessa última medida, que proíbe a utilização das redes sociais, o argumento central para a decisão de Moraes, uma vez que, no último final de semana, através das redes de seu filho Flávio e do deputado federal Nikolas Ferreira (PL – MG), tornou-se público que Bolsonaro participou por telefone de manifestações antidemocráticas da extrema-direita — que, além de pedirem anistia aos crimes do 8 de janeiro de 2023, proclamavam ataques diretos ao STF. “A justiça é cega, mas não é tola”, diz um trecho da decisão do ministro, ao dissertar sobre seu entendimento a respeito da necessidade de medidas mais duras frente às infrações do réu.
Diante deste cenário, de forma coerente com a narrativa de perseguição política adotada pelos bolsonaristas, foram diversas as declarações de políticos aliados de Bolsonaro apontando os supostos excessos do Supremo. Destaca-se aqui a do governador do estado de São Paulo Tarcísio de Freitas, que publicou em uma rede social: “A prisão de Jair Bolsonaro é um absurdo. A verdade é que Bolsonaro foi julgado e condenado muito antes de tudo isso começar. Uma tentativa de golpe que não aconteceu, um crime que não existiu e acusações que ninguém consegue provar”.
Prisão domiciliar: ‘tela azul’ na agenda populista penal da extrema-direita ou oportunismo?
Um jargão comum, quando se fala em equipamentos eletrônicos, é dizer que deu “tela azul” quando apresentam falhas ou deixam de funcionar. E é justamente esse efeito que a decisão de Moraes parece ter provocado, pois, a exemplo da declaração de Tarcísio de Freitas, a mesma extrema-direita que agita uma agenda populista de segurança pública, com recrudescimento penal e do uso das forças militares, hoje aponta um excesso da Justiça em decidir pela prisão domiciliar do ex-presidente, recurso que, em geral, nem sequer é concedido à maioria das gestantes ou puérperas encarceradas.
De acordo com dados de 2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mesmo com a determinação do próprio STF para a substituição da prisão preventiva pela domiciliar em tais condições, a realidade ainda é de encarceramento. Três a cada dez acusadas grávidas foram presas no país. Além disso, com uma das maiores populações carcerárias do mundo e refletindo as profundas desigualdades socioeconômicas e raciais que caracterizam o Brasil, de acordo como último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 70% das pessoas presas são negras e 30% estão em prisão provisória, ou seja, ainda aguardam julgamento.
Voltando à agenda da extrema-direita para segurança pública, cabe sublinhar, que entre os feitos do governador-modelo está a nomeação de Guilherme Derrite. Também conhecido como “Capitão Derrite”, o atual Secretário de Segurança Pública do estado, é um ex-policial militar das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (a ROTA) — uma unidade de elite da corporação conhecida por sua atuação ostensiva e frequentemente associada a abordagens truculentas, denúncias de violência policial e execuções extrajudiciais. Na carreira política como deputado federal, dedicou-se à defesa de projetos de lei conservadores e populistas. Embora sequer seja de sua própria autoria, atuou na campanha pela aprovação do excludente de ilicitude, um projeto de lei de ampliação das situações em que agentes de segurança pública podem agir sem serem responsabilizados criminalmente.
Fica nítido, então, o viés oportunista, e por que não racista, dos bolsonaristas nesta arena. Por um lado, em relação às políticas públicas que respondem ao todo da sociedade brasileira, como os excessos das forças de segurança pública, a superpopulação carcerária e a imensa maioria negra que a compõem, defendem medidas não somente ineficazes como perpetuadoras de desigualdades históricas. Por outro, quando se trata da sua própria casta acusada de cometimento de crimes graves, como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e participação em organização criminosa armada, utilizam de um falso discurso garantista ao denunciarem supostos excessos do Judiciário.
Se é verdade que a noção de universalidade da democracia pode ser questionada diante da ausência do Estado na garantia de direitos básicos e, ao mesmo tempo, de sua presença ostensiva por meio da repressão — a exemplo dos abusos policiais e do encarceramento massivo —, também deve ser verdade que o momento atual faça valer a ideia de “justiça cega”, igual para todos. Bolsonaro, como qualquer outro cidadão, deve estar submetido ao rigor da lei e, se condenado, deve pagar por suas ações sem brandura: na cadeia.
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Por Malu Nogueira, na Alma Preta Jornalismo.
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