Mostrando postagens com marcador Coluna de César Pereira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Coluna de César Pereira. Mostrar todas as postagens

28 de julho de 2025

Selminha

 

(FOTO | Reprodução | WhatsApp).


Por César Pereira, Colunista

— Você viu também? — Ele disse.

— Acho que não vi nada — eu disse.

— Pois eu vi — ele disse — está lá na folhagem na jaqueira.

— Então deixa esse pra mim — eu falei.

— Mas você não acerta nada — é alface.

— Eu pego esse Dimas — te juro.

— Vamos ver — ele falou — mas se ficar com pena ele foge e você não acerta nada.

— Não vou ter pena — eu disse — vou matar ele.

22 de julho de 2025

Dia de apedrejar Maria


(FOTO | Reprodução | WhatsApp).

Por César Pereira, Colunista

Calada ao lado dos irmãos Maria não comia, não olhava para frente, não querendo encará-los, as mãos fechadas sobre o colo e uma formiga rubra passeando no vestido. Parou de respirar e ouviu o irmão mais velho esperando. Rígido na sua cadeira o pai comia em silêncio, mas sem apetite, os olhos duros e ausentes.

10 de julho de 2025

A volta da esposa pródiga

 

A volta da esposa pródiga. (FOTO | Reprodução | WhatsApp).

Por César Pereira, Colunista

— Te dou as chaves da casa, te ponho de rainha do lar — falou Candinho.

Lili divagou o olhar vesgo e distraído a roda do salão.

28 de junho de 2025

Não furtarás

 

(FOTO | Reprodução | WhatsApp).


Por César Pereira, Colunista

O menino ouviu o pai caminhando pela casa e abriu os olhos dentro da noite. O teto do quarto estava baixo, pois a treva dentro do quarto era espessa e fria. O menino procurou olhar o dia através da escuridão, mas seus olhos não viram nenhuma margem, voltou a fechá-los pensando que afinal poderia dormir mais um pouco, pensou também que logo o pai tomaria as ferramentas e deixaria a casa outra vez em silêncio, pronta para dormir.

22 de junho de 2025

Xibungo, meu pai

 

(FOTO | Reprodução).

Por César Pereira, Colunista

Aceitou a noiva que a mãe lhe deu, mas deixou a Heleninha cozinhando em fogo baixo. A noiva não tinha pressa, pois era tarda e reconhecia a impossibilidade de se casarem logo. Casar-se assim, sem nada de seu, sem profissão, sem nosso ninho, para quê?

15 de junho de 2025

Banhos de rio

 

(FOTO | Reprodução | WhatsApp).

Por César Pereira, Colunista

De repetente num susto fui arrastado de dentro do sono pelo súbito mugido da vaca e este foi o meu primeiro respiro naquele dia. Abri os olhos e ainda sentindo o gosto do sono puxei o lençol até a altura da cabeça e me encolhi sobre a cama para gozar por alguns instantes mais a imobilidade tranquila e silenciosa da casa.

25 de maio de 2025

Ladrões no telhado

 

(FOTO | Reprodução).

 

Por César Pereira, Colunista                                 

Eram dez e meia da noite e ela se preparava para dormir quando ouviu o primeiro barulho no telhado. Só pode ser o gato, sim é um gato — se disse — acabou de vestir a camisola e se deitou na cama ao lado da amiga.

22 de abril de 2025

Os saberes de Dona Dionísia Severo e as resistências dos indígenas Kariri no sertão cearense

 

Dona Dionísia no ano de 2013 na entrada da sua casa no Sítio Pau-dos-ferros em Milagres-CE. (FOTO do autor). 


Por César Pereira, Colunista


Cantiga do Caboclo João do Morro


Quando eu venho do meu reinado

Trago meu terço na mão

Pra curar o mal difícil

Que botaram com as mãos.

Chame João do Morro,

Chame João do Pé do Morro

Chame João do Pé do Morro

Chame ele que ele vem.

Pra curar o mal difícil

Que botaram com as mãos.

(Dona Dionísia Severo, 2021)

25 de março de 2025

A negação do Ceará e a invenção da terra da luz

 

Reisado Mestre Dedé de Luna durante as celebrações do Dia da Mulher Negra Latino-americana na Praça 7 de setembro na cidade de Milagres-CE, 2024. (FOTO | Carlos César Pereira de Sousa).


Por César Pereira, Colunista

No dia 27 de julho de 2020 a página online do Diário do Nordeste, um dos jornais de maior circulação no estado do Ceará passou a veicular uma curiosa reportagem com a seguinte manchete: Origem do cearense: nórdicos superam índios e negros na genética. O texto é de autoria dos jornalistas Nícolas Paulino e Alessandro Torres que se fundamentam numa pesquisa do professor Luís Sérgio Santos da Universidade Federal do Ceará.

9 de março de 2025

O caso de Francisca Maria do Socorro e os Estígmas da violência de gênero em Milagres-ce

 

...a menina era de cor morena clara, cabelos louros e lisos, nariz um pouco aquilino, olhos castanhos pardos, de aparência franzina trajando vestimentas paupérrimas. Era impúbere... (Relato de Dona Maria). Francisca Maria do Socorro, imagem gerada por inteligência artificial.


Por César Pereira, Colunista

No dia 10 de novembro de 2020 a população do município de Milagres cidade da região do Cariri no Estado do Ceará foi abalada por um crime bárbaro que vitimou perante centenas de testemunhas a jovem Cícera Samires dos Santos Souza.

8 de agosto de 2023

O Egito Negro, problematizando estereótipos

 

Kmet era uma civilização negra (Imagem disponível em: https://afrokut.com.br/blog)

Por César Pereira, Colunista

No ano de 2014 o diretor de cinema Ridley Scott lançou o filme Êxodo: deuses e reis cujo roteiro baseia-se no Midrash, conjunto de textos exegéticos sobre a Torá hebraica e no próprio livro do Êxodo da Bíblia cristã. O filme reconta a história da liderança de Moisés enquanto luta para retirar o povo Hebreu da escravidão no Egito do século XIV a.C.

29 de julho de 2023

O Sr. Francisco Ivan Rodrigues e as eleições de 1988 em Milagres-CE

 

Sede da prefeitura municipal de Milagres-CE, no ano de 1984 (FOTO | Reprodução | IBGE CIDADES).

Por César Pereira, Colunista

O ano de 1979 foi marcado por dois debates centrais na cena política brasileira. No primeiro semestre, mesmo antes da eleição indireta do general João Batista de Figueiredo para a presidência da república já se discutia abertamente a necessidade de uma lei que garantisse anistia aos brasileiros expurgados pela ditadura ao longo dos seus quinze anos de existência.

21 de julho de 2023

Nzinga Mbandi, a saga e o trono da rainha resistente

 

Figura 01. Retrato de Nzinga Mbandi em um pergaminho conservado no mosteiro de Coimbra, ilustração presente na obra: BRÁSIO, Antônio. Monumenta Missionária Africana. Lisboa: A.G.U. 1952, 11vol. 

Por César Pereira, Colunista

Em 1571 o rei de Portugal Dom Sebastião determinou a organização de uma política colonizadora para as terras portuguesas nos territórios africanos conhecidos hoje como Angola. O objetivo do monarca europeu era criar uma estrutura colonial semelhante àquela que já estava em desenvolvimento no Brasil desde 1530.

14 de julho de 2023

A gangorra do poder e o mandonismo do latifúndio em Milagres-CE (1970 – 1980)

 

Milagres em 1965. (FOTO | Arquivo do autor).

Por César Pereira, Colunista

Até a década de 1970, a economia de Milagres estava alicerçada na agricultura e na criação de gado. Uma boa parte das terras cultivadas do município eram ocupadas pela cotonicultura, pois o mercado do algodão estava aquecido no Ceará, além disso, havia também uma importante produção de grãos, milho, feijão, arroz, que eram destinados ao consumo local e regional.

4 de julho de 2023

O baião lírico e o baião dialógico de Jonas de Andrade, o Bilinguim

 

Imagem 1. Jonas de Andrade, o Bilinguim. (FOTO | Reprodução | Internet).

 

“No meu jardim tem uma rosa
Tem uma rosa no meu jardim
No meu jardim tem muitas flores
Foi meu bem que plantou pra mim.”

(Trio Nortista)

 

Por César Pereira, Colunista

Quando Jonas de Andrade, o Bilinguim, nasceu no dia 29 de dezembro de 1941, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, começava a sua carreira artística no Rio de Janeiro. No dia 05 do mês de março desse ano o futuro Reio do Baião atuou pela primeira vez num estúdio apoiando a execução da canção “A viagem de Genésio” da dupla Genésio e Januário e no dia 14 de março gravaria suas primeiras músicas: “Véspera de São João” e “Numa Serenata”.

27 de junho de 2023

A educação das relações étnico-raciais e o ensino escolar no Ceará

 

Cartaz criado pelo CONSED para celebrar os 20 anos da criação da Lei n° 10.639/2003. (FOTO | Divulgação). 


Por César Pereira, Colunista

No ano de 2008, três anos após a criação da Lei n° 10.639/2003 esta passaria por modificações importantes, pois a sua abrangência seria ampliada com a introdução da obrigatoriedade de estudar a História e Cultura Indígena nas escolas.

18 de junho de 2023

A E.E.M. Dona Antônia Lindalva de Morais e a lei n° 10.639/2003: resistência antirracista no cotidiano da sala de aula em Milagres – CE (2003/2020)

 

Escola Dona Antônia Lindalva de Morais na cidade de Milagres-CE, desde 2021 incluiu no seu PPP o projeto de um currículo antirracista. (FOTO |  prof. Emanuel Issacar).

 

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda...”

(Paulo Freire)

Por César Pereira, Colunista

O acesso da população negra aos bancos escolares se democratizou ao longo da década de 1990 e 2000, mas essa democratização não afetou de forma generalizada a vida dessa maioria de brasileiros. Houve importantes ganhos sociais sem dúvida, pois o número de estudantes negros ingressando nas universidades também cresceu e a renda dos trabalhadores negros melhor qualificados também aumentou, mas o grosso da população preta do país continuou na miséria, sem falar que a violência contra o negro aumentou muito nesses primeiros vinte anos do século XXI.[1]

11 de junho de 2023

Machado de Assis e o embranquecimento do Brasil

 

Machado de Assis em imagem clássica divulgada nos livros e em foto recriada pela campanha "Machado de Assis Real". (FOTO | Divulgação).

Por César Pereira, Colunista

Em 1911, na cidade de Londres, Inglaterra, centenas de intelectuais reuniram-se para participar do Primeiro Congresso Internacional das Raças. O evento ocorreu entre os dias 26 e 29 de julho, durante o evento discutiu-se intensamente sobre eugenia, darwinismo social, o suposto “fardo do homem banco,” raças, relações inter-raciais, cordialidade inter-racial.

O Brasil foi convidado para tomar parte no congresso, e teve como seu delegado o antropólogo João Batista de Lacerda que durante a realização da sexta sessão do congresso apresentou o trabalho intitulado "The Metis, or half-breeds, of Brazil" para intelectuais da Europa, África, Ásia e América. Era um artigo onde o representante brasileiro defendia sua tese de embranquecimento da população “mestiça” do Brasil.

Ao longo da segunda metade do século XIX e das primeiras décadas do século XX, importantes intelectuais brasileiros refletiram sobre o papel histórico, econômico e social do negro para a civilização brasileira. Intelectuais brancos como José de Alencar, Joaquim Nabuco, Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Nina Rodrigues, Oliveira Vianna, dedicaram-se a pensar sobre o chamado “elemento negro” no Brasil.

Esses homens escreveram obras em que defendem um país com a hegemonia da branquitude sobre as características fenotípicas dos negros. Segundo a maioria deles, o negro representava a decadência da raça, e a sua predominância demográfica no Brasil explicava em grande parte nosso atraso cultural e econômico com relação as nações europeias mais ricas e “civilizadas” que eram os modelos para o Brasil das elites.

José de Alencar polemizou intensamente na imprensa fluminense nas décadas de 1860 e 1870 contra os abolicionistas que ganhavam força por todo o Império do Brasil. Em suas Cartas a favor da escravidão, José de Alencar argumenta contra a extinção do trabalho escravo no país e questiona sobre o futuro da nação depois que o “elemento servil” já não estiver sob a tutela de um senhor branco. Na visão do escritor cearense os pretos livres representavam um sério risco à sociedade brasileira.

Joaquim Nabuco foi um dos mais importantes políticos brasileiros do final do período monárquico. Suas principais pautas eram a defesa da manutenção da monarquia no país e a abolição da escravidão. Joaquim Nabuco defendia o fim da escravidão como um instrumento político que iria revolucionar o império, pois a escravização dos negros era uma mancha na sociedade brasileira uma vez que tal prática envergonhava o Brasil perante as nações civilizadas e atrasava a economia nacional.

Nabuco compreendia a escravidão não como sendo um instrumento que se impunha de forma violenta e destrutiva sobre seres humanos negros, mas como uma prática política imprópria para uma nação civilizada como a nossa. Para ele a escravização não era um problema porque violentava pessoas, mas porque fazia do Brasil uma nação bárbara perante as nações civilizadas da Europa. Acabar com a escravidão era libertar o Brasil.

Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Oliveira Vianna concluíram que a presença do negro no Brasil era um fator importante na formação cultural e econômica do país, mas para eles essa importância não se sobrepunha ao do branco, pois os brancos, principalmente a herança luso-europeia do Brasil deveria se impor sobre a africana.  Para estes intelectuais havia a necessidade de um predomínio do branco sobre o negro, a eliminação das chamadas características “negroides” por elementos “caucasianos” era fundamental para o Brasil caminhar lado a lado com a civilização europeia.

As ideias deles são ecos do pensamento geral da branquitude nacional nos fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Para Euclides da Cunha a própria miscigenação de várias raças no Brasil criou uma sub-raça, mestiços degenerados e que eram responsáveis pelos retrocessos culturais, econômicos e sociais.

O artigo de João Batista de Lacerda é a defesa dessa ideologia de embranquecimento do país. O projeto da branquitude propondo-se a criar uma nação branca, um Brasil cuja presença do negro fosse irrelevante ou inexistente se corporifica na comunicação de João Batista de Lacerda em Londres,

 Para Lacerda a escravização de pretos e pretas no Brasil não representou violências, pois esses homens e mulheres foram sempre tratados com cordialidade pelos seus senhores. Segundo ele não houve na história de nosso país violência escravocrata, pois em nenhum período histórico houve segregação do negro pelo branco.

Ainda segundo seu ensaio a aceitação da miscigenação a partir do livre intercurso sexual do branco e das negras no Brasil, criou por aqui uma singular “excepcionalidade racial”, pois por causa da "seleção sexual", os mulatos procurariam sempre encontrar parceiros que pudessem "trazer de volta seus descendentes para o tipo branco puro", removendo os aspectos característicos da "raça negra", inclusive o atavismo. (Lacerda, 1911a, p. 382).

Desenvolvendo mais ainda seus argumentos racistas, Lacerda afirma que a introdução de imigrantes brancos no Brasil em muito favoreceu a melhoria racial do país, assim, o cruzamento entre os mestiços e os brancos faria recuar o “elemento negro” decadente e aos poucos o “elemento branco” superior predominaria, prevendo João Batista de Lacerda que em cem anos 1912 a 2012 já não haveria mais negros no Brasil.

Grande parte dos dados que Lacerda apresenta para demonstrar sua tese do branqueamento, foram produzidos por Roquette-Pinto (Figura 1). Este outro intelectual brasileiro era assistente da cadeira de Antropologia, Arqueologia e Etnografia do Museu Nacional, portanto um jovem antropólogo que já vinha reunindo, pelo menos desde o ano de 1906, vastas informações, dados estatísticos sobre a formação social do Brasil, principalmente com relação à 'evolução' e às características raciais do povo brasileiro.

As pesquisas de Roquete-Pinto estavam apontando que a população branca no Brasil tinha crescido progressivamente, e de forma acelerada, entre 1870 e 1910, enquanto o crescimento da população negra e mestiça seguiam em sentido claramente oposto (Souza, 2011, p. 90-92). Se baseando, então, na sequência progressiva dessa estatística, não fora difícil para João Batista de Lacerda chegar à conclusão que, em 2012, a "raça branca" representaria 80% da população brasileira, os indígenas, 17% e os mestiços, 3%, sendo que a "raça negra" tendia a desaparecer de vez do território nacional (Lacerda, 1912b, p. 101).

O trabalho de Lacerda publicado em 1912, foi o amadurecimento de uma ideia que já vinha sendo desenvolvida desde o século XIX e que aparece ilustrada na pintura A redenção de Cam, de Modesto Brocos (1893). O diagrama criado por Roquete-Pinto se impunha como o elemento científico comprobatório da ideologia do branqueamento do Brasil.


Sintomaticamente no ano de 2011 a Caixa Econômica Federal veiculou na televisão um comercial utilizando um ator branco que representava o papel de Machado de Assis como um dos clientes do banco. Na propaganda um ator branco caminha pelas ruas do Rio de Janeiro no começo do século XX e dirige-se a uma agência da Caixa Econômica para fazer uma transação bancária. A peça publicitária é narrada pela atriz Glória Pires.

Ao entrar no banco o ator representando Machado de Assis é cumprimentado como um homem célebre das letras nacionais e o próprio comercial deixa isto evidente ao longo de seu 1 minuto e 2 segundos de duração. A ideia dos criadores da peça publicitária é deixar bem evidente ao público que aquele senhor branco grisalho é um dos maiores escritores da língua portuguesa.

Logo que a propaganda veio a público causou imenso desconforto em quem conhece bem a história de Machado de Assis. Filho de pai negro e neto de pretos que tinham sido escravizados, o escritor era um homem negro e foi como uma pessoa preta que alcançou a maior posição intelectual já atingida por escritor brasileiro em todo o mundo.

A cor da pele de Machado de Assis se tornou alvo de disputas entre a elite brasileira desde os primeiros dias de sua morte em 26 de setembro de 1908. Joaquim Nabuco que era seu amigo, pessoa que muito conviveu com ele desde a década de 1880 e se correspondia intensamente com Machado se pronuncia nesses termos sobre a cor deste: "O Machado para mim era branco. [...] quando houvesse sangue estranho, isto em nada alterava a sua perfeita caracterização caucásica" (NABUCO Apud MASSA, p.46).

A negritude de Machado de Assis sempre foi um problema para a branquitude brasileira. Ressentida por saber que o maior escritor da nossa língua e um dos maiores intelectuais do mundo é um indivíduo não-branco, então essa elite vai utilizar de todos os subterfúgios para impor um branqueamento que o fizesse seu legítimo representante.

Além disso, um Machado de Assis negro refutaria os argumentos da intelectualidade racista brasileira e internacional, aquela intelectualidade que se reunira em 1911 na cidade de Londres para argumentar sobre a superioridade da raça branca sobre a raça negra e desta primeira sobre todas as raças.

A peça publicitária da Caixa Econômica Federal foi a massificação da tese defendida por João Batista de Lacerda de que em cem anos não haveria mais negros no Brasil. Ora, analisemos de perto a estrutura da ideologia veiculada pela propaganda do banco federal.

Segundo Lacerda em 2012 a população brasileira seria composta de 80% de brancos, 17% de indígenas e apenas 3% de mestiços, negros seriam ausentes, logo, uma campanha publicitária para divulgar um dos bancos mais ricos do país, um banco que pertence ao país, país este supostamente segundo Lacerda formado predominantemente por pessoas brancas, pessoas que seriam os verdadeiros clientes do banco, indígenas consumiriam serviços bancários na selva? Mestiços pobres se utilizariam de bancos? Assim a campanha da Caixa Econômica Federal dirigiu-se para aqueles que ela considerava ser a maioria dominante do provo brasileiro, os brancos.

Se a tese de João Batista de Lacerda estivesse correta a propaganda da Caixa Econômica Federal teria acertado bem no alvo o ego da branquitude brasileira, pois como não existiria mais negros no Brasil, um Machado de Assis branco satisfaria muito bem o narcisismo branco.

Mas não foi isto que se deu. No dia seguinte ao início da primeira veiculação da propaganda o Movimento Negro, clientes do banco, jornalistas, escritores, intelectuais e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir-PR), questionaram o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda e este teve que suspender a peça publicitária do ar e solicitar da agência que a produzira fizesse uma outra agora com um ator negro representando o escritor.


Foto da representação das duas propagandas da Caixa Econômica Federal (FONTE | YOUTUBE)

.

A cor da pele de Machado de Assis sempre foi um problema para as pulsões narcísicas da elite branca nacional. Mesmo quando o escrito era vivo, os intelectuais brasileiros já polemizavam sobre sua origem hereditária e a sua negritude. Num dos primeiros estudos sobre a obra machadiana o crítico literário e antropólogo Sílvio Romero escreve o seguinte:

Quem já o estudou à luz de seu meio social, da sua influência, de sua educa- ção, de sua hereditariedade não só física como étnica, mostrando a formação, a orientação normal de seu talento? Quem já lhe ‘assinou o posto’ na história espiritual do país? (ROMERO, p. 18)

 

E continua:

(...) Machado de Assis não sai fora da lei comum, não pode sair, e aí dele, se saísse. Não teria valor. Ele é um dos nossos, um genuíno representante da sub-raça brasileira cruzada, por mais que pareça estranho tocar neste ponto (ROMERO, p. 28).

 

Este estudo de Sílvio Romero sobre Machado de Assis foi escrito nos meados da década de 1890 e publicado em 1897, isto é, quando o escritor estava no auge de sua carreira literária tendo já escrito e publicado os romances da primeira fase de 1872 a 1878 e as obras mais importantes da literatura mundial como Memórias Póstumas de Brás Cubas, O alienista, Quincas Borba, Papéis Avulsos e Histórias sem data.

Durante todo a crítica de Sílvio Romero sobre o escritor fluminense nota-se o desconforto deste com a negritude de Machado de Assis. Para Sílvio Romero a obra deste era imperfeita exatamente devido as suas influências hereditárias africanas. Podemos compreender que a visão de Romero eram os ecos do desconforto geral da intelectualidade branca nacional bem como da própria elite da qual o crítico literário sergipano havia se feito cão de guarda.

Nas citações acima percebe-se a obsessão de Sílvio Romero com relação a afrodescendência de Machado de Assis, tais obsessões narcísicas já muito evidentes quando o escrito era vivo se tornarão ainda mais intensas após sua morte. Romero defendia a seguinte tese sobre o futuro do Brasil:

A minha tese, pois, é que a vitória na luta pela vida, entre nós, pertencerá, no porvir, ao branco; mas que esse, para essa mesma vitória, tem necessidade de aproveitar-se do que de útil as outras duas raças lhe podem fornecer, máxime a preta com quem tem mais cruzado. Pela seleção natural, todavia, depois de prestado o auxílio de que necessita, o tipo branco irá tomando a preponderância até mostrar-se puro e belo como no Velho Mundo. Será quando já estiver de todo aclimatado no continente. Dois fatos contribuirão largamente para esse resultado: de um lado, a extinção do tráfico africano e o desaparecimento constante dos índios, e de outro a imigração europeia. (ROMERO, p. 47).

 

Percebemos que as ideias de Sílvio Romero são muito semelhantes a ideologia geral que predominava entre a intelectualidade branca brasileira em fins do século XIX e início do XX. Para estes porta vozes da elite não havia futuro para o negro no Brasil. Desse modo explica-se por que se recusavam a aceitar um Machado de Assis afrodescendente.

Relutante em reconhecer a genialidade da obra de Machado de Assis devido as suas ideias racistas, Sílvio Romero passa a analisar a obra machadiana como imitação da escrita de Flaubert, Zola e Charles Dickens. Para Sílvio Romero a literatura de Machado de Assis é apenas uma imitação dos cânones europeus.

Mesmo diante da relutância de Romero outros críticos literários e intelectuais precisaram reconhecer a genialidade de Machado de Assis. Um desses críticos foi José Veríssimo. Para este o Machado de Assis gênio literário da língua portuguesa não era o descendente de pretos, na troca de cartas com Joaquim Nabuco José Veríssimo não aceita o adjetivo “mulato” com que se referiam ao amigo.

Mulato, ele foi de fato, um grego da melhor época. Eu não teria chamado Machado de Assis de mulato e penso que lhe doeria mais do que essa síntese. (…) O Machado para mim era um branco e creio que por tal se tornava; quando houvesse sangue estranho isso nada alterava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só via nele o grego” ( Joaquim Nabuco, em carta a José Veríssimo, após a morte de Machado de Assis, disponível em: https://www.geledes.org.br/duas-cores-de-machado-de-assis/, acesso em 11 de junho de 2023 ).

         

Assim os dois se entenderam sobre o problema da cor da pele de Machado de Assis, era um mulato, mas um mulato grego. A insatisfação das pulsões narcísicas da elite brasileira com um Machado de Assis negro atravessou, portanto, todo o século XX e ainda repercutiu no ano do centenário do Congresso Internacional das Raças através da propaganda da Caixa Econômica Federal.

O branqueamento de Machado tornava-o palatável para as elites e foi assim que ele entrou na galeria dos cânones da literatura brasileira. A certidão de óbito do escritor lavrada em 19 de outubro de 1908, três semanas após sua morte o declara como branco.


Trecho da Certidão de óbito de Machado de Assis. (FOTO | Reprodução | Internet).

A declaração do documento destoa dos vastos testemunhos sobre a negritude de Machado de Assis, mas confirma a campanha oficial para branqueá-lo. Importante notar aqui que este documento possui uma anomalia estudada pela cientista social Simone da Conceição Silva, esta anomalia consiste em estar declarada a cor da pessoa morta, para a pesquisadora é estranho que a certidão de óbito de Machado de Assis a traga, pois este tipo de declaração só passou a ser obrigatória no Brasil em 1973.

Apesar de constituir uma falsa declaração da branquitude do escritor o atestado de óbito vai servir de base para sustentar vários argumentos sobre a suposta pele branca ou no máximo mulata do autor. Essa obsessão em descrever Machado de Assis como branco vai ecoar nas celebrações do seu centenário nascimento em 1939.

Para desmontar os argumentos sobre a negritude do escritor, argumentos estes que tinham principal base sua ascendência africana, pai, avós paternos e o fato de haver nascido no Morro do Livramento, a região da Pequena África no Rio de Janeiro, exibiu-se na Academia Brasileira de Letras a certidão de nascimento de Machado de Assis como prova irrefutável de sua dívida com a branquitude luso-brasileira:

Aos treze dias do mês de Novembro de mil oitocentos e trinta e nove annos na Capella da Senhora do Livramento filial a esta Matriz com Provizão do Illustrissimo e Reverendissimo Monsenhor, e Vigário Capitular Narcizo da Silva Nepomuceno, e minha licença o Reverendo Narcizo José de Moraes Marques baptizou, e pos os Santos Oleos a Joaquim, innocente filho legítimo de Francisco Jozé de Assis, e Maria Leopoldina Machado de Assis, elle natural desta Côrte, e Ella da ilha do Faial, digo, Ella da Ilha de São Miguel: forão padrinhos o Excellentissimo Viador Joaquim Alberto de Souza da Silveira, e Dona Maria Jozé de Mendonça Barrozo, nasceo aos vinte e hum de junho do prezente anno: de que fis este assento.

O Vigr.° Jozé Francisco da Silva Cardoso. (COSTA & FRANCO, p. 49)

O documento causou impacto, pois para a intelectualidade do Estado Novo representava o triunfo do elemento lusitano sobre o africano, demonstrando que aqueles que insistiam em Machado de Assis negro estavam enganados. A partir desse momento a crítica e a história da literatura trabalhará durante todo o século XX, com a representação de um Machado de Assis branco.

Para ajudar na manutenção do mito da branquitude de Machado de Assis a iconografia, registros fotográficos e pinturas guardados na Academia Brasileira de Letras será de grande importância. Nas fotografias em branco e preto, o escrito é representado como um jovem quase imberbe, sentado numa escrivaninha encarando o espectador, nesta fotografia seus traços afrodescendentes foram quase apagados pelo trabalho de retoque do estúdio.


Fotografia de Machado de Assis como esta acima ajudaram a divulgar a imagem do gênio da literatura brasileira como um homem branco (FOTO | Reprodução | Internet).

Em outra fotografia ele aparece já como um senhor maduro, barbado e grisalho olhando fixamente para um horizonte ausente como se contemplasse misteriosamente algo que só a ele é dado ver. Ainda nesta fotografia procurou-se apagar sua negritude. No entanto, apesar de todo os esforços por invisibilizar sua afrodescendência através dos retratos divulgados ao público, a sua ascendência negra não escapou aos olhos dos estudiosos mais atentos, segundo um destes:

Alguns o consideram como branco. Examinando os retratos que dele nos ficaram, nota-se que, adulto, tinha, como muitos brasileiros, alguns traços negroides: cabelos ligeiramente crespos, o lábio inferior bastante carnudo, um nariz antes achatado. Estes traços mais ou menos acentuados segundo os vários retratos, são bem encobertos pelo uso da barba. (MASSA, p.46-47)

 

Quem assim se pronuncia é o crítico francês Jean-Michel Massa no seu livro A juventude de Machado de Assis de 1947. Apesar dessa percepção do autor francês a regra entre os estudiosos brasileiros da vida e da obra machadiana foi sempre considerá-lo não-negro. Os vastos estudos bibliográficos, de crítica literária e história da literatura que serão escritos por diferentes autores no decorrer do século XX, procurarão obsessivamente repensar a condição de mulato de Machado de Assis e todos eles concomitantes num ponto, não aceitam a negritude do escritor.

Somente no século XXI começa-se a rediscutir a afrodescendência de Machado de Assis e as obsessivas tentativas de branqueá-lo ao longo da história do Brasil. Estudos como o de Sidney Shalhoub “Machado de Assis Historiador” e de Eduardo de Assis “Machado de Assis Afrodescendente” reabriram o debate sobre a presença do negro na obra do romancista.

Machado de Assis segundo esses historiadores era um homem negro e como tal agia, também agia como um intelectual negro observando as elites brancas por dentro, também agia como um funcionário público negro dentro do alto escalão da monarquia e da república, e agia igualmente como um jornalista negro num país escravocrata e racista.

REFERÊNCIAS

COSTA & FRANCO, Machado de Assis, José Olympio, Rio de Janeiro, 1988.

LACERDA, João Baptista de. Informações prestadas ao Ministro da Agricultura Pedro de Toledo Rio de Janeiro: Papelaria Macedo, 1912a.

MASSA, Jean-Michel, A juventude de Machado de Assis, Ministério da Educação, 1947.

ROMERO, Nelson. A história da literatura brasileira. 3. ed.. Rio de Janeiro: Editora Zélio Valverde, 1944.

4 de junho de 2023

O terreiro de nossa senhora do rosário e os batuques dos pretinhos de congo em milagres-ce

 

Mestre Doca Zacarias 1929 - 2023. (FOTO | Jaildo Oliveira, 2021).

Por César Pereira, Colunista

Em 2010 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os seguintes resultados para a classificação cor/raça da população de Milagres:


Podemos então observar a predominância da população negra no município, pois pelo método do IBGE que classifica as pessoas de cor parda e preta como negros, teríamos em Milagres 20.318 pessoas negras residentes em 2010 o que equivaleria a 71,9% da população da cidade. Portanto no município que segundo o relatório dos presidentes da província do Ceará do século XIX foi o último a abolir o trabalho escravo a população negra sempre representou incrível maioria.

Contudo, a história da população negra de Milagres não está restrita somente ao problema da sua escravização no Vale do Riacho dos Porcos, a história negra Do município de Milagres é na verdade a história da própria cidade que a população negra construiu através do seu trabalho, das suas lutas, das suas estratégias de resistência, das suas identidades, memória social e cultura.

A história negra na cidade de Milagres começa ainda no século XVIII quando os primeiros colonizadores do vale solicitam sesmarias no Riacho dos Porcos e no documento em argumentam a favor da solicitação informam que possuem escravos, gado vacum e cavalar para ocupar e povoar as terras.

O suplicante, Bento Correa de Lima, alegou que havia requerido ao capitão-mor anterior duas datas de terra no Cariri e no riacho dos Porcos, sendo uma para seu colega, João Dantas Aranha (este sesmeiro possuía quatro sesmarias: CE 0089, CE 0125, CE 0294 e PE 0055; mas, não foi possível identificar qual delas corresponde a referida na CE 0903) e a outra para sua mulher e seus filhos. * Como João Dantas não havia povoado a sua parte, o suplicante comprou a data para si com uma escritura de venda e ocupou a terra, povoando também os sítios Pilar e Carueira com ajuda de dois homens brancos e de dois escravos da Guine, não constam seus nomes na carta CE 0903. Porém, a data ficou em posse do coronel João de Barros Braga (este sesmeiro possuía nove sesmarias: CE 0836, CE 0105, CE 0166, CE 0168, CE 0167, CE 0172, CE 0178, CE 0236 e CE 0825) e como não se achou o traslado da data no Livro de datas da capitania, o suplicante alegou que diziam que ele não havia comprado à data de João Dantas Aranha. Como Bento Correa de Lima já havia servido a Vossa Majestade e havia povoado a terra desde o ano de 1720, solicitou a data para obter o justo titulo de posse. (Grifos do autor, Plataforma S.I.L.B. Disponível em http://silb.cchla.ufrn.br/sesmaria/CE%200903).

Bento Correa Lima, João Dantas Aranha e José Correa de Lima eram todos eles sesmeiros do no Riacho dos Porcos e sertões da Paraíba eram moradores de Goiana em Pernambuco. Donos de engenho na Zona da Mata pernambucana e criadores de gado nos sertões, esses colonizadores serão os principais responsáveis pelo combate aos índios Kariris sublevados no sertão. Para ter as terras solicitadas concedidas pela autoridade colonial informam que as ditas áreas que requerem são devolutas, isto é, não pertencia a nenhuma aldeia indígena.

Juntos contrataram mercenários e atacaram os grupos indígenas até desocupar as terras por volta da década de 1720 e só em 1730 decidiram povoar definitivamente essas sesmarias. Além do argumento de terras devolutas informam que possuem escravos, no caso acima, dois escravos da Guiné, que não necessariamente significa que tais homens eram guinéus traficados, mas trabalhadores africanos escravizados que haviam sido embarcados para o Brasil através do porto da Guiné.

Mais uma vez demonstramos que o homem negro esteve desde o princípio ligado ao processo de povoamento, colonização e formação histórica e cultural do Vale do Riacho dos Porcos desde o princípio de sua ocupação pelos sesmeiros sob o mando das autoridades coloniais do século XVIII. A origem desses primeiros colonizadores brancos do Riacho dos Porcos não resta nenhuma dúvida que está na Vila de Goiana em Pernambuco:

O sesmeiro [Bento Correa Lima] recebeu dez concessões: Quatro no sertão das Piranhas, em 1679 (PB 1140), em 1700 (PB 0019), em 1706 (PB 0063) e em 1712 (PB 0099); e seis no riacho dos Porcos, em 1703 (CE 0125), em 1704 (CE 0083, CE 0085 e CE 0092), em 1708 (CE 0294) e em 1723 (CE 0903). * Nas cartas PB 1140, CE 0083, CE 0085 e CE 0903, não aparecem à ocupação do sesmeiro. * Nas cartas CE 0092, CE 0125, PB 0019, PB 0063 e PB 0099, a ocupação do sesmeiro aparece como capitão. * Nas cartas PB 1140, PB 0019, CE 0125 e CE 0903, não constam onde o sesmeiro morava. * Nas cartas CE 0083, CE 0085, CE 0092, CE 0294 e PB 0099, o sesmeiro consta como morador da capitania de Pernambuco (Goiana). * Na carta PB 0063, o sesmeiro consta como morador da capitania da Paraíba. (Plataforma S.I.L.B. Disponível em http://silb.cchla.ufrn.br/sesmaria/CE%200903).

Goiana era um dos principais centros produtores de açúcar da colônia, esteve sob o domínio holandês e a expulsão dos flamengos de suas terras deu-se pelo heroico episódio de Tejucopapo onde as mulheres goianenses lutaram para expulsar os invasores. Com o fim da dominação holandesa a Freguesia de Goiana recebeu uma leva de migrantes vindos das capitanias hereditárias do Nordeste e também de Portugal.

O trabalho nos engenhos de açúcar da colônia era realizado principalmente por trabalhadores escravizados que eram obrigados a realizar todo o serviço desde a plantação da cana, sua colheita, sua moagem e na maioria das vezes o cozimento do caldo da cana para a obtenção do açúcar. Quando os senhores de engenho de Pernambuco, Bahia, Sergipe, Alagoas, lugares que no período colonial estavam integrados sob a denominação de Capitanias Hereditárias, foram obrigados pelo decreto do rei de Portugal a retirar o gado das proximidades da região canavieira eles se voltaram então para a colonização do sertão.

Foi desse modo que os proprietários de gado e engenho de Goiana começaram a requerer terras nos sertões do Cariri paraibano e cearense. Dentre esses proprietários quem mais nos interessa aqui é Bento Correa Lima por ter sido o primeiro a pedir sesmarias no Riacho dos Porcos.

Bento Correa Lima solicitou terras tanto para si, quanto para sua esposa e também seu filho, todas elas no Vale do Riacho dos Porcos. Também pediu terras e as obteve na Paraíba e no Rio Grande do Norte. Sendo de Goiana em Pernambuco a família Correa Lima espalhou pelo Sertão do Cariri a devoção a Nossa Senhora dos Milagres, cuja igreja que hoje é patrimônio histórico na cidade de Goiana sem dúvida ajudou a construir na década de 1720.

Além da devoção a Nossa Senhora dos Milagres há em Goiana toda uma intensa devoção a Nossa Senhora do Rosário que é a padroeira da cidade. Desde o século XVI a igreja usou a devoção a Nossa Senhora do Rosário como meio de conversão dos africanos. Os padres usavam intensamente a imagem dessa representação da Virgem Maria para promover a conversão das pessoas negras tanto na África como no Brasil e uma das principais festividades negras os Reisados de Congos surgirão em torno das festas em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e diretamente ligada a suas irmandades negras.

A primeira igreja construída para homenagear Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi a de Olinda – PE, onde se constituiu a mais antiga Irmandade dos Homens Pretos que se tem notícia no Brasil. Na cidade de Goiana, antiga Freguesia de Goiana que ficava na capitania de Itamaracá existe duas igrejas em honra de Nossa Senhora do Rosário. A igreja de Nossa Senhora do Rosário que é a matriz de Goiana e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e Pardos, ambas construídas no século XVIII, mas a última foi construída especificamente pela Irmandade dos Homens Pretos e era onde as pessoas pardas e pretas, mesmo livres ou escravizadas realizavam suas celebrações e era em frente dessa igreja que realizavam suas festas negras.

Sem dúvida a história colonial de Milagres está ligada aos latifundiários de Goiana e suas devoções, mas também está vinculada aos pretos de Goiana e suas devoções, pois como os colonizadores brancos os negros vieram ao Riacho dos Porcos também para colonizá-lo ainda que na condição de homens escravizados.

Além dessa relação devocional de Milagres com Goiana expressa na devoção que ambas as cidades têm a Nossa Senhora dos Milagres e Nossa Senhora do Rosário, devoção que remonta ao século XVIII quando em ambas as localidades foram construídas igrejas e capelas para essas representações da Virgem Maria, há outro elemento que faz a cultura e a história das duas cidades se cruzarem. Em Goiana existe um grupo de congos ligados à devoção a Nossa do Rosário e Milagres também existe um grupo de congos também ligado a fé em Nossa Senhora do Rosário. Em Goiana o grupo se chama Pretinhas do Congo e sua origem remonta ao período colonial e ao trabalho escravo nos engenhos, durante séculos a apresentação do grupo Pretinhas do Congo foi realizado durante as festividades de Nossa Senhora do Rosário e era uma das principais formas da Irmandade dos Homens Pretos celebrarem as festas em homenagem à santa.

Milagres possui um grupo de congo também ligado as festa de Nossa Senhora do Rosário e origem desse grupo remonta há mais de duzentos anos, exatamente quando os primeiros homens pretos foram trazidos para o Vale do Riacho dos Porcos. Os participantes dos Congos de Milagres se apresentam principalmente durante as novenas de Nossa Senhora do Rosário, no distrito do Rosário, antigo Podimirim, e fazem suas apresentações em frente da igreja de Nossa Senhora do Rosário ou no interior dela. Um dos cantos entoados pelos brincantes é este:

Pretinho de Congo

Para onde vai?

Pretinho de Congo

Para onde vai?

Eu vou pro Rusaro

Festejá Maria!

 

Outro canto que é bem interessante refletir é esta saudação que Mestre Doca Zacarias o nonagenário líder dos Congos de Milagres entoa:

Boa noite Senhora Santana

Cheguei de Goiana

Mais meu contramestre.

Sem dúvida a presença da palavra Goiana não é gratuita e remete as memórias ancestrais dos pretos e pardos que compõem o grupo de Congos de Milagres, ora já sabemos que os primeiros pretos que chegaram ao Vale do Riacho dos Porcos foram trazidos por proprietário de terras lá de Goiana. Sem dúvida Mestre Doca Zacarias é a continuidade dessa memória dos homens pretos que foram trazidos lá no século XVIII para colaborar com o homem branco na colonização das terras do Riacho dos Porcos.

Desse modo temos total convicção de que a população negra é a história do município de Milagres, que homens e mulheres negras construíram a história, a cultura e as identidades do Vale do Riacho dos Porcos e os Congos de Milagres são a ponte identitária que liga o presente da cidade ao seu passado colonial e a sua história de resistência e lutas da população negra no vale.

Os Congos de Milagres

O grupo de Congos de Milagres comandado desde a década de 1950 por Mestre Doca Zacarias é a maior e uma das mais importantes pontes que liga a população negra do município a sua ancestralidade africana.

A cidade de Milagres já possuiu num passado bem recente, várias manifestações da cultura popular. Banda cabaçal, grupo de penitentes, lapinha, renovações, vaquejada, artesanato em barro, tecido, grupo de caretas, mas atualmente toda essa vasta herança cultural encontra-se praticamente extinta no município. Delas restam apenas alguns resquícios que não chegam a representar um fator decisivo na composição das identidades das atuais gerações.

Mas graças ao empenho e comando exercido por Mestre Doca Zacarias que em 2019 completou noventa anos, os Congos de Milagres têm resistido e ainda se mantém vivo como um dos maiores patrimônios culturais e históricos da cidade de Milagres. O grupo de Congos de Milagres é um dos herdeiros dos reinados africanos como são todos os Reinados de Congo trazidos ao Brasil pela população da África que tendo sido traficada e escravizada no território da América Portuguesa e no Império do Brasil, mantiveram suas identidades e memória sociais preservadas através das festividades dos folguedos de congos e reisados que celebravam as embaixadas dos reis do Congo antes de sua destruição pelos invasores europeus nos século XVI e XVII.

Mestre Doca Zacarias se refere sempre ao seu grupo de brincantes como “os congo de Nossa Senhora do Rusaro”, mas reforça que “o nome certo são os pretinho de congo” (CORDEIRO, 2014). O que é muito importante, pois situa os Congos de Milagres sempre dentro da herança da cultura africana no Vale do Riacho dos Porcos, documentando a intensa presença do negro na região desde tempos remotos.

A origem dos folguedos de congos em Milagres sem dúvida remonta as últimas décadas do século XVIII e princípios do XIX, posto que só tenha sido devidamente mapeado juntamente com outras manifestações do gênero em fins do século XIX e começo do XX pelos pesquisadores ligados ao Instituto do Ceará. Os congos e reisados são semelhantes e são expressões da cultura popular ligadas principalmente a vida e ao cotidiano dos engenhos também fazendas de criar gado.

No século XIX a agricultura canavieira e a criação de gado foram as principais atividades econômicas do Vale do Riacho dos Porcos, já na segunda metade dos oitocentos, Milagres possuía os maiores rebanhos do Cariri e do Ceará. No final do século XIX e durante as quatro primeiras décadas do século XX foi um dos maiores produtores de rapadura do sul do Estado do Ceará, possuindo vastos canaviais.

Desde o censo de 1872 a população de Milagres foi sempre majoritariamente negra. Nos censos de 1892 e 1900 estima-se que a porcentagem de pessoas negras no município era de 78,6% no primeiro censo da república e dez anos depois já se elevava a 81,8%. Ainda em 1908 o recenseamento daquele ano permite estimar a população negra de Milagres em torno de 82% e no censo de 1920 estaria estimada em 79,5%.[1] Uma população predominantemente negra que não tinha acesso à educação, a saúde e que compunha a mão-de-obra barata que trabalhava nos canaviais, engenhos, fazendas de criação de gado e algodoais do Sertão do Cariri.

Convivendo com uma minoria branca, pessoas que descendiam dos antigos colonizadores do Vale do Riacho dos Porcos, mas que era minoria, pois a grande maioria de brancos que viviam no município de Milagres entre a segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX eram homens e mulheres pobres que como a população negra vivia de trabalhos mal remunerados e na condição de pobreza extrema como aquela. Mas é fato que a população negra do município mesmo sendo a maioria era aquela que mais sofria, pois contra ela havia todo um discurso depreciativo que era justificado pelas falas racistas que serão evocadas pela intelectualidade cearense em consonância com a brasileira nas primeiras décadas do século XX.

Na década de 1930 a fundação da Ação Integralista Brasileira e o fato de que vários intelectuais ligados ao Instituto do Ceará repercutir no estado os trabalhos de pesquisadores racistas como Oliveira Viana e Nina Rodrigues leva ao escritor e ativista da A.I. B (Seção do Ceará), Oswaldo Barroso, a celebrar um suposto embranquecimento da população cearense.

Sabemos que o grupo de homens de letras e pesquisadores ligados ao Instituto do Ceará já vinha sustentando desde o início do século XX a ideia de que no Ceará quase não houve escravidão e a população negra cearense era insignificante, pois como diziam eles, a maioria da população cearense era composta por caboclos e mestiços de índio com branco. Uma inverdade que ajudava a intelectualidade do Ceará a impor seu discurso racista contra uma sociedade onde predominavam negros e descendentes de pessoas que outrora compunham a população indígena do estado, mas que havia perdido suas terras e direito as suas identidades.

Em Milagres houve um grupo de integralistas bem ativos de 1933 a 1937. Eram homens e mulheres que pertenciam às famílias ricas do Vale do Riacho dos Porcos e que militavam no partido pró-fascistas criados por Plínio Salgado e que teve intensa atuação no Ceará e no Cariri enquanto existiu como partido legal. Racista, autoritário e extremamente conservador, o grupo que congregava-se em torno dos ideais da Ação Integralista Brasileira defendia a superioridade de alguns sobre muitos, afirmava que existia um líder superior que deveria impor seu comando sobre as massas inferiores. No Brasil os superiores eram os brancos descendentes de portugueses e os inferiores as pessoas pardas e pretas que compunham a grande maioria da população nacional.

Tal grupo ideológico existiu em Milagres e militou na política local com seu discurso racista. Sem dúvida a elite branca de todo o Brasil nunca demonstrou nenhuma satisfação em viver num país cuja população negra era e é maior fora do continente africano. Sempre houve um projeto de embranquecimento da população negra no Brasil e também outro projeto, o de extermínio dos negros em território nacional. Em Milagres não foi diferentes. A população negra desse município foi desde o século XIX, no período dos embates abolicionistas no Ceará e evidentemente no pós-abolição marginalizada e mal vista pelas elites locais.

Por ter uma das maiores populações negras do Ceará, Milagres é também uma das cidades mais pobres do estado, pois os piores índices de educação, trabalho, saúde, enfim, de IDH, estão então entre os brasileiros negros. Isso acontece porque o racismo estrutural transformou as vidas negras brasileiras nos principais alvos do descaso e da violência política, econômica e cultural em nosso país.

No censo de 1950 a população negra de Milagres é de 73,4%, e em 1991 era de 68% essa porcentagem foi de 70,6% No censo de 2000. Desse modo a história de Milagres é a história dessa população negra. Foram esses homens e mulheres negras que construíram a história do município, foram eles que produziram as riquezas do Vale do Riacho dos Porcos. Os negros não contribuíram para a história e a cultura de Milagres, a verdade é que eles são a história e acultura da cidade, a população negra construiu e continua construindo as identidades e a memória social da cidade de Milagres.

O grupo de congos comandados por Mestre Doca Zacarias é sem dúvida o elementos mais visível dessa identidade negra de Milagres. A história dos “pretinhos de congos” de Milagres é a história do município e do Vale do Riacho dos Porcos. Mestre Doca Zacarias é um príncipe africano herdeiro dos reis de congo lá da África e esse príncipe que assumiu o comando de sua embaixada na década de 1940, recebendo a sucessão das mãos do seu pai que a recebeu do pai outro príncipe africano que recebeu a embaixada também de seu pai e mestre viveram e labutaram nas terras e brejos do Riacho dos Porcos.

Mestre Doca Zacarias e seus Pretinhos de Congo desfilando nas ruas do Distrito do Rosário. (FOTO | Reprodução | Internet).

Os Congos de Milagres segundo a memória de Mestre Doca Zacarias em torno de duzentos anos de existência. É uma das tradições africanas mais significativas do Brasil, pois suas vivências remetem ao passado escravista e as lutas de resistência da população negra contra a escravidão no Vale do Riacho dos Porcos. Também é um testemunho importantíssimo para documentar todo o processo de lutas dos negros milagrenses para manter viva sua história e suas identidades no decurso do século XX, tão prolifico de práticas racistas.

Composto de homens e mulheres, trabalhadores da agricultura e pessoas vindas da camada social menos favorecida de Milagres, os congos tem toda uma hierarquia e figuras que compõem o reinado:

O grupo é formado por figuras que vêm dos folguedos populares. Em Milagres são eles: Rei, Rainha, Espantão, Mestre, Contramestre, Embaixadores e Figuras, cerca de vinte participantes. Além destes há os músicos que acompanham o cortejo (dois pífanos, uma zabumba, uma caixa de guerra, um violão) [...] Durante o cortejo e apresentação eles se organizam tendo a frente o Espantão, ao meio o rei e a rainha e duas fileiras de personagens denominadas Figuras sob o comando de dois embaixadores. As crianças maiores ficam no final das duas fileiras, imitando os passos e dos dançantes adultos. (NUNES, 2011, p.68).

Mestre Doca Zacarias leva seus “Pretinhos de Congo” para se apresentarem nas renovações, festas de santos da paróquia de Nossa Senhora dos Milagres, na procissão de Nossa Senhora dos Milagres e principalmente nas festividades de Nossa Senhora do Rosário no antigo Distrito de Podimirim. As apresentações são acompanhadas de cantos e passos de dança que entremeia as práticas devocionais do grupo.

As músicas convocam o grupo para a festa de Nossa Senhora do Rosário e têm na voz de Mestre Doca Zacarias seu principal comandante. Este começa o folguedo interrogando o grupo sobre o destino da embaixada:

Pretinho de Congo,

Para onde vai?

Vamo pro Rusaro

Para festeja.

Festeja, pretinho,

Com muita alegria!

Vamo pro Rusaro

Festejar Maria.

 

É uma música ancestral que evoca as memórias do povoamento do Vale do Riacho dos Porcos pelos colonizadores brancos e negros vindos da Freguesia de Goiana em Pernambuco. Seriam os “Pretinhos de Congos” de Milagres descendentes das “Pretinhas de Congo” da Zona da Mata Pernambucana?

A marcha “Boa noite Senhora Santana” evoca Goiana trazendo a memória dessa história colonial:

Mais uma prova de que toda a história de Milagres está indissociavelmente vinculada à cultura e a história dos homens e mulheres negras e ainda que o discurso da branquitude e o racismo queira encobrir e renegar toda essa história ela sempre emergirá como estrato dialético na construção das identidades e processos históricos da cidade. Mestre Doca Zacarias e seu reinado como príncipe africano no terreiro de Nossa Senhora do Rosário sempre prevalecerá como elemento estruturante da história da cultura de Milagres no século XX, como seus ancestrais o foram nas lutas pelo fim do trabalho escravo no Riacho dos Porcos também nos embates políticos e processos culturais do pós-abolição.

Mestre Doca Zacarias

Mestre Doca Zacarias aos 29 anos de idade já liderando os Pretinhos de Congos nas ruas de Milagres-CE (Foto gentilmente cedida pela senhora Iza Figueiredo). 

No dia 19 de novembro de 2019, Mestre Doca Zacarias completou noventa anos de idade e setenta e um anos de reinado sobre seus Pretinhos de Congo. Mestre Doca reinou sobre seus Congos desde 1949 e recebeu de seu pai o comando dos Congos de Milagres a mais antiga manifestação das Congadas Afro-brasileiras no Ceará e uma das mais antigas e bem preservadas do Brasil.

Herdeiro da ancestralidade africana, Mestre Doca Zacarias recebeu de seus antepassados negros (o pai, o avô, o bisavô), trabalhadores do Vale do Riacho dos Porcos que desde o século XVIII formaram a mão-de-obra que produziu a riqueza de Milagres ao longo do século XIX e XX. Milhares de homens e mulheres negras que foram escravizados no Ceará e no Cariri, mas nunca perderam suas identidades africanas e mantiveram suas tradições ancestrais que os colocava diretamente em contato com toda a sua matriz africana.

A genealogia dos Reis de Congo se perde na história e têm nesses homens, mestres da cultura popular os herdeiros legítimos de um reino ancestral que apesar de haver sido invadido e destruído pelo colonizador branco europeu nos séculos XVI e XVII permaneceu vivo nos inúmeros reinados e rituais de coroação que os príncipes africanos trouxeram na sua memória quando foram obrigados a se transplantar para o Brasil através do tráfico de seres humanos escravizados.

Mestre Doca Zacarias é um desses príncipes herdeiros dos Reinados de Congo, reina soberano sobre Milagres, cidade do Cariri cearense com 28.316 habitantes de acordo com o censo de 2010 dos quais 20.318 são pessoas negras, todos súditos do Rei Negro.

O dia 19 de novembro, véspera da data da morte de outro grande rei negro brasileiro Zumbi do Palmares (ou melhor, Nzambi em língua banta africana) que significa espírito imortal, a população de Milagres tem muito que refletir, pois tendo sido a cidade do Ceará que só emancipou seus escravizados no final de 1886 precisa reconhecer que sua história é a história dos homens e mulheres negras que em colaboração com o branco colonizou o vale ainda nas primeiras décadas do século XVIII, fundou com seu trabalho a Vila de Nossa Senhora dos Milagres em 1846 e garantiu com seu trabalho e suor nas plantações de cana-de-açúcar, algodão e fazendas de gado a prosperidade do município no decorrer de seus cento e setenta e quatro anos de existência.

Mestre Doca faleceu no dia 10 de janeiro de 2023, depois de reinar 75 anos sobre os seus Pretinhos de Congos. (FOTO |  Jaildo Oliveira, 2021).

REFERÊNCIAS

BARROSO, Oswaldo. Reis de Congos, IMEP, Fortaleza, 1999.

NUNES, Cícera. Reisado cearense: Uma proposta para o ensino das africanidades, Conhecimento Editora, Fortaleza, 2011.

SOUZA, Carlos. Milagres, nossa terra Cariri, Artes Gráficas e Editora, Fortaleza, 2021.

http://www.funai.gov.br/index.php

http://bndigital.bn.gov.br/acervodigital

https://www.ufpe.br/progepe/documentos

http://www.silb.cchla.ufrn.br

https://www.arquidioceseolindarecife.org/arquivo.


[1] (Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/).