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Retrato colorido de Malcom X. (FOTO/ Getty Images). |
Malcolm
X sabia que seu destino era morrer jovem. E que sua morte seria violenta. Em
sua autobiografia, ele explicou: “Em qualquer cidade, aonde quer que eu vá,
homens negros estão observando cada movimento que eu faço, esperando pela
chance de me matar. Quem escolhe não acreditar no que estou dizendo não conhece
os muçulmanos da Nação do Islã. Sei também que posso morrer de uma hora para
outra nas mãos de brancos racistas. Ou pode ser um negro que tenha passado por
lavagem cerebral, e que acha que, ao me eliminar, estaria ajudando o homem
branco”.
Essas
impressões não eram coitadismo do líder ativista. Numa madrugada de fevereiro
de 1965, um coquetel molotov explodiu na sala de estar de sua casa, em Nova
York, com fragmentos de uma segunda bomba encontrados mais tarde na parte
traseira da residência, bem onde ficavam os quartos da família. Foi o fracasso
desse outro explosivo que permitiu que Malcolm, sua esposa e quatro filhas
conseguissem fugir do fogo, alcançando a rua sem tempo de tirar os pijamas.
“Se
essa bomba tivesse atravessado a janela, ela teria atingido em cheio uma menina
de 6 anos, uma de 4 anos e uma de 2”, declarou, indignado – ele ainda era pai
de um bebê de 7 meses, que ficava em outro cômodo. “Se o ataque fosse
bem-sucedido, eu pegaria meu rifle e iria atrás do primeiro que visse pela
frente.”
A
polícia não identificou os responsáveis pelo atentado – nem se esforçou para
achar quem estivesse ameaçando um líder negro tão inconveniente. Mas Malcolm X
tinha certeza: era um ato da Nação do Islã, a organização muçulmana com a qual
vinha trocando acusações graves desde que deixou de ser um de seus principais
porta-vozes, um ano antes. Só que o atentado não chegou a intimidá-lo. Ele
manteve sua agenda de discursos, até porque calar-se representaria uma vitória
de seus inimigos. Brancos e negros.
Passada
uma semana dos coquetéis molotov, Malcolm X convocou a família para
acompanhá-lo em uma palestra que faria no teatro Audubon Ballroom, no bairro
negro do Harlem. A ocasião era especial, porque ele estaria ali representando
sua nova entidade de ativismo, a Organização da Unidade Afro-Americana. Não que
a importância do evento o cegasse para os riscos que estava correndo.
Segundo
seu biógrafo, Alex Haley (famoso pelo best-seller Negras Raízes), Malcolm X
tinha tanta certeza de que poderia ser assassinado que passara os últimos dias
atrás de advogados: queria tratar de seguro de vida e de um testamento. Mas
faltar a um compromisso público estava fora de cogitação. “Vou amenizar um
pouco essas tensões dizendo para os negros pararem de brigar entre si. Porque
isso tudo é parte da grande manobra do homem branco para nos manter uns contra
os outros.”
Na
hora do discurso, Malcolm X se aproximou do microfone e fez a saudação
tradicional muçulmana para seus ouvintes: As-Salaam-Alaikum – que aqui no
Brasil adaptamos para salamaleque, e cujo significado é que a paz esteja com
vocês. Mas não foi paz o que ele teve em resposta ao cumprimento. Imediatamente
o auditório virou um cenário de bangue-bangue. Aproveitando a distração de uma
briga na plateia, que atraía a atenção dos guarda-costas, um homem negro subiu
no palco com uma espingarda com o cano serrado e mais duas armas de fogo.
Disparando
contra Malcolm X, acertou-o no queixo, na mão e no peito – e outros tiros
vieram de partes diferentes do auditório. Quando os disparos começaram, sua
esposa, Betty Shabazz, teve uma reação instintiva, materna: jogou-se na direção
de suas filhas pequenas, sentadas próximas ao palco, para transformar o próprio
corpo num escudo que salvasse a vida das crianças – ao mesmo tempo impedindo-as
de ver com detalhes os ferimentos em seu pai.
Os
tiros não acertaram as garotas nem a mãe delas, mas derrubaram o palestrante
para trás. Ele caiu sobre duas cadeiras antes de se estatelar no chão. E assim
a profecia do próprio
Malcolm
X se concretizava: um dos maiores ícones
da resistência
contra a perseguição
aos negros nos EUA morreu jovem, aos 39 anos, e de maneira especialmente
violenta. A polícia
constatou que pelo menos 16 balas haviam acertado o corpo do ativista. Um
destino de certa maneira previsível naquela época, meados dos anos 1960, quando
parte do país queria frear a qualquer preço – assassinatos, inclusive – a luta
dos negros pelo fim de uma segregação que predominava desde o fim da
escravidão.
O
reverendo Martin Luther King Jr. teria o mesmo destino três anos depois, quando
recebeu uma bala que atravessou sua bochecha direita, esmagou sua mandíbula e
percorreu a medula espinhal até finalmente se alojar em seu ombro. Mas a cor da
pele, a luta pelos direitos dos negros e a morte por armas de fogo eram as
poucas coincidências entre esses dois personagens. Luther King era cristão,
pastor protestante, enquanto Malcolm X praticava a fé em Alá. Ele via o
cristianismo como a religião do homem branco e “do negro que queria se
transformar em branco”.
Luther
King ganhou um Nobel da Paz por seu combate à desigualdade racial promovendo a
resistência não violenta, inspirado pelo indiano Mahatma Gandhi. Malcolm X
acreditava ser impossível resistir a linchamentos, a tiros e à própria
violência do Estado contra os negros sem devolver, em igual medida, a
ferocidade e o ódio com que os de pele escura eram tratados nos Estados Unidos.
“É um crime ensinar um homem a não se defender quando ele é vítima constante de
ataques brutais”, ele diria.
Mas
a maior diferença entre esses dois heróis da história americana estava na
maneira como viam o futuro dos negros. Martin Luther King Jr. fez um discurso
inesquecível, afirmando que tinha um sonho... um sonho de que um dia os
descendentes de escravos e os de proprietários de escravos se sentariam juntos
à mesa, em total fraternidade. O que ele defendia era a absorção do negro na
sociedade dominada pelos brancos. Já o sonho de Malcolm X era bem diferente.
Ele
dizia que não se considerava americano, pois os negros que viviam nos Estados
Unidos eram africanos cujos ancestrais haviam sido raptados e submetidos ao
cativeiro na América. Para ele, o homem branco era o inimigo – ou o demônio.
Seu sonho não era o negro aceito pela sociedade branca. Era o negro
protagonista de sua própria sociedade. Um protagonismo obtido à base de
confronto e, sobretudo, da consciência de que os brancos usarão de todas as
estratégias para permanecer dominantes – para estender à vida contemporânea a
relação entre o sinhô e seus escravos, entre a casa grande e a senzala.
“Quando
Malcolm fala, ele fala diretamente ao coração dos negros”, afirmou em 1963 o
escritor e ensaísta James Baldwin, talvez o maior expoente entre os pensadores
negros. “Ele articula seu sofrimento, o sofrimento que há tanto tempo é negado
neste país. Essa é a grande autoridade de Malcolm sobre qualquer um de seus
públicos. Ele corrobora a realidade deles, diz que eles realmente existem.”
Enquanto
Martin Luther King Jr. pregava a integração entre brancos e negros, Malcolm X
achava que não havia alternativa melhor que a separação – embora uma que não
fosse desvantajosa para os de sua cor. Era uma perspectiva que ele herdara dos
pais militantes, e que foi reforçada nos mais de seis anos que passou na prisão
– uma detenção que ainda não tinha a ver com suas ideias revolucionárias, mas
com a pura e simples delinquência.
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Com
informações do Aventuras na História.
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