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É a partir de escrevivências que Conceição Evaristo demarca o lugar da cultura afro no Brasil, projetando sentimentos do povo com foco no feminismo / Foto: Reprodução - Diário do Nordeste. |
Há
um termo simultaneamente poético e forte para designar a escrita gestada a
partir do cotidiano, das lembranças e da experiência de vida pessoal e de todo
um povo: escrevivências. Quem o trouxe à vista foi a escritora mineira
Conceição Evaristo - um dos nomes mais importantes e necessários da literatura
brasileira contemporânea - exatamente para dar destaque aos sentimentos de toda
ordem que atravessam a condição de ser afrodescendente no País que dividimos
morada.
Ao
singrar pelas páginas a costurar alegrias, emoções, gritos e sussurros de uma
camada da sociedade ainda tão fortemente marginalizada, excluída e silenciada,
a autora faz da arte um poderoso instrumento de luta contra o racismo e o
machismo instalados no alicerce da população.
Um
triste panorama a se considerar num território em que negras e negros são a
maioria, conforme pesquisa divulgada em novembro do ano passado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nela, se constatou que o número
de brasileiros que se autodeclararam pretos aumentou 14,9% entre os períodos de
2012 e 2016, resultando em uma nação de maior parte afro. Neste Dia da
Consciência Negra, conferir relevo a iniciativas que prezam pelo respeito e
afirmação da identidade de matriz africana neste solo, se faz, portanto,
bastante imperativo.
De
Cruz e Sousa (1861-1898) a Joel Rufino dos Santos, passando por Maria Firmina
dos Reis (1825-1917) e Elisa Lucinda, a literatura que contempla o segmento é
ampla e bebe de diferentes matrizes para alavancar significativas reflexões. Em
comum entre elas: um cuidadoso trabalho com as palavras de modo a fazer com que
o que foi escrito possa gerar engajamento. Configure-se, enfim, como afirmação
política.
Inspirado
por essa realidade, o Verso traz um apanhado de algumas das principais vozes no
âmbito das letras nacionais e internacionais que fazem valer esse intento e
injetam alta voltagem crítica nos textos que assinam. Carolina Maria de Jesus
(1914-1977) integra esse time. Moradora da antiga favela do Canindé, em São
Paulo, é conhecida pelos relatos em seu diário, reveladores de uma rotina
miserável, de total degradação da mulher negra, pobre, mãe, escritora e
favelada que era.
Descoberta
pelo jornalista Audálio Dantas - que, encarregado de fazer uma matéria na
favela onde ela morava, acabou a conhecendo e percebeu o quanto Carolina tinha
a dizer - é autora do livro "Quarto de despejo", obra-referência para
compreensão do Brasil indigesto em que vivemos, além de várias outras de
semelhante amplitude e importância.
Militância
Outras
potentes vozes se somam a Carolina Maria de Jesus e a inicialmente citada
Conceição Evaristo para bradar força e ativismo afro. Figura que tem ganhado
cada vez mais repercussão no País devido à publicação do livro "Quem tem
medo do feminismo negro?", Djamila Ribeiro é mestre em Filosofia Política
pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordena a coleção
Feminismos Plurais, da Editora Letramento, pela qual lançou "O que é lugar
de fala" (2017).
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Feminista, filósofa e acadêmica paulistana, Djamila Ribeiro é referência no estudo sobre o ativismo negro. FOTO: ALEX BATISTA / REVISTA GOL |
Na
principal obra sob sua assinatura, ela se utiliza de nomes do porte de Sueli
Carneiro, Alice Walker, Chaimamanda Ngozi Adichie e Bell Hooks para abordar
temáticas como os limites da mobilização nas redes sociais, as políticas de
cotas raciais e as origens do feminismo negro no Brasil e nos Estados Unidos.
Um recorte bastante amplo do que acomete os tempos atuais, feito destacado pela
pesquisadora Simone Ricco em artigo escrito por Vagner Amaro, fundador da
Editora Malê - voltada para publicação de autores e autoras negros.
Segundo
a estudiosa, "a gente quer falar de literatura brasileira, mas de um
recorte dela, o que está sendo produzido na literatura nacional contemporânea e
destacando a produção negra. E muitos não sabem o que está acontecendo, não
conhecem os autores, não têm ideia de como é o texto e ficam presos, muitas
vezes, associando a literatura negra a um texto mais panfletário e muitas vezes
não é o que acontece. A militância ocorre de uma forma bem mais
literária".
Em voga
Já
em outro âmbito, dos escritores estrangeiros outrora ofuscados que ganharam
maior destaque no Brasil com a recente publicação de obras, James Baldwin
(1924-1987) é um dos que merecem maior atenção. Personagem de renome da
literatura americana do século XX, nasceu em Nova York e é autor de uma vasta e
relevante obra de ficção e não-ficção.
Entre
os assuntos abarcados pelo seu guarda-chuva, estão a luta racial e questões de
sexualidade e identidade. "O quarto de Giovanni" e "Terra
estranha" são as obras editadas recentemente em solo nacional, pela
Companhia das Letras.
Já
Toni Morrison nunca perde o pique de ser bem-vinda e comentada ao redor do
globo por deixar como legado a vivência das negras norte-americanas ao longo
dos séculos XIX e XX. Ela já venceu o Pulitzer e foi a primeira escritora negra
a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1993, atestando o quão longe pode ir
um tratamento esmerado sobre o genuinamente ser negro. (Com informações do Diário do Nordeste).
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