Proposta serve para "constranger" trabalhador a optar pela retirada dos próprios direitos. (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil). |
Uma
"nova carteira de trabalho verde e
amarela" é a única proposta que consta no plano de governo do
candidato Jair Bolsonaro (PSL) para combater o desemprego, o mais grave
problema econômico do país que atualmente atinge 12,7 milhões de pessoas,
segundo dados do IBGE. Com tons patrióticos, a nova modalidade,
"voluntária", será alternativa à já conhecida carteira azul que
atualmente regula as relações de trabalho de cerca de 32 milhões de
trabalhadores brasileiros, e lhes garante direitos.
"Assim, todo jovem que ingresse no mercado de
trabalho poderá escolher entre um vínculo empregatício baseado na carteira de
trabalho tradicional (azul) – mantendo o ordenamento jurídico atual –, ou uma
carteira de trabalho verde e amarela (onde o contrato individual prevalece
sobre a CLT, mantendo todos os direitos constitucionais)", diz trecho
do programa Brasil Acima de Tudo Deus Acima de Todos. Em debates e declarações,
Bolsonaro é ainda mais explícito e diz que, num eventual governo seu, o
trabalhador deverá escolher entre ter direitos e não ter emprego ou ter emprego
e não ter direitos.
"Não é o trabalhador que vai escolher. Vai
ser uma imposição da vontade da empresa, do empregador, que vai determinar a
condição de contratação", rebate a pesquisadora do Centro de Estudos
Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) Marilane Teixeira. Trata-se de uma proposta ainda "mais
selvagem" que a dita "reforma" trabalhista implementada pelo
governo Michel Temer, que alterou mais de 200 artigos da CLT, com a mesma
promessa de estimular a criação de empregos, e ainda não deu resultados, nem
deve dar.
A
"reforma" também já permite a flexibilização de direitos – o chamado
"negociado sobre o legislado" – mas que depende que a empresa negocie
essas alterações com o sindicato que representa o trabalhador em questão. Com a
"verde e amarela", o trabalhador deverá fazer essa opção
individualmente, ficando ainda mais exposto à exploração.
"Não
se contentam em ter feito uma reforma que já flexibiliza formas de contratação,
que dá liberdade para o empregador contratar com jornadas e salários
diferenciados. Ainda inventam uma carteira verde e amarela para constranger o
trabalhador em nome de uma ideia de que é ele que está escolhendo", diz a
pesquisadora da Unicamp, que classifica a proposta como "perversa".
É
como se o indivíduo endossasse a retirada dos próprios direitos, diz a
professora do Departamento de Economia e da pós-graduação Universidade de São
Paulo (USP) Leda Paulani, que atribui a inovação ao assessor econômico de
Bolsonaro, o economista Paulo Guedes, sócio do grupo Bozano Investimentos.
"Tem efeito mais simbólico que qualquer outra coisa. Se ele concorda em
perder direitos, não precisa de carteira. Vai lá, trabalha informalmente,
ajusta tudo com o patrão, e pronto. Se é para não ter direitos, tanto faz ter
ou não carteira."
Como
grande parte das propostas do candidato, a proposta se alimenta do medo das
pessoas em relação ao desemprego, diz a professora da USP. "É óbvio que nessa atual situação, muita
gente vai cair nessa. Querem criar oficialmente a classe do sub-trabalhador,
que informalmente já existe. O trabalho informal atinge 33 milhões",
destaca ela.
O
risco, de acordo com as duas economistas, é de pouco a pouco a dita carteira
proposta por Bolsonaro substituir a tradicional, o que representaria a
universalização da informalidade. "O
que ele quer fazer? É transformar esses 32 milhões que hoje têm acesso a como
em trabalhadores informais, se somando aos outros 33 milhões de trabalhadores
informais que não têm acesso a esses direitos", diz a pesquisadora do
Cesit. As economistas também são unânimes em dizer que o período de 2003 a
2014, quando foram criadas mais de 20 milhões de vagas de emprego com carteira
assinada, serve de exemplo de que não é necessário retirar direitos para criar
postos de trabalho.
Paulani
lembra ainda que, quando a economia se aquece, o empregador é o primeiro a
desejar a formalização, de maneira a garantir a permanência do trabalhador na
empresa. Por outro lado, Marilane diz que o empresário não vai contratar mais,
mesmo que a mão de obra esteja mais barata, se suas vendas não aumentam. Mas
não vão perder a oportunidade de exterminar direitos quando a economia
reaquecer e voltarem a recontratar. Elas dizem ainda que muitos desses direitos
que seriam eliminados com a carteira verde e amarela, como o pagamento de
férias remuneradas e horas-extras, significam perda ainda maior no poder de
consumo da população. Isso, em vez de resolver, pode agravar a crise econômica,
agravando ainda mais o desemprego. (Com
informações da RBA).
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