O
Brasil tem um dos mais injustos sistemas tributários do mundo e uma das mais
altas desigualdades socioeconômicas entre todos os países. Além disso, os mais
ricos pagam proporcionalmente menos impostos do que os mais pobres, criando uma
das maiores concentrações de renda e patrimônio do planeta. Essa relação direta
entre tributação injusta e desigualdade e concentração de renda e patrimônio é
investigada no estudo Perfil da Desigualdade e da Injustiça Tributária,
produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) com apoio da Oxfam
Brasil, Christian Aid e Pão Para o Mundo. Tive o privilégio de conduzir a
pesquisa e redigir sua versão final.
Foram
considerados os quesitos de sexo, rendimentos em salário mínimo e unidades da
Federação. O texto busca identificar o efeito concentrador de renda e riqueza,
a partir das informações sobre os rendimentos e de bens e direitos informados à
Receita Federal pelos declarantes de Imposto de Renda no período de 2008 a
2014.
Os
dados da Receita Federal analisados para o estudo revelam uma casta de
privilegiados no país, com elevados rendimentos e riquezas que não são
tributados adequadamente e, muitas vezes, sequer sofrem qualquer incidência de
Imposto de Renda (IR). Por exemplo: do total de R$ 5,8 trilhões de patrimônio
informados ao Fisco em 2013 (não se considera aqui a sonegação), 41,56%
pertenciam a apenas 726.725 pessoas, com rendimentos acima de 40 salários
mínimos. Isto é, 0,36% da população brasileira detém um patrimônio equivalente
a 45,54% do total. Considera-se, ainda, que essa concentração de renda e
patrimônio está praticamente em cinco estados da federação: São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, agravando ainda mais as
desigualdades regionais do país.
Um
sistema tributário injusto amplia — ao invés de amenizar — esta desigualdade.
Um dos fatos mais graves é que a tributação sobre a renda no Brasil não alcança
todos os rendimentos tributáveis de pessoas físicas. A legislação atual não
submete à tabela progressiva do IR os rendimentos de capital e de outras rendas
da economia. Elas são tributadas com alíquotas inferiores à do Imposto de Renda
incidente sobre a renda do trabalho. Não existe Imposto de Renda Retido na
Fonte sobre os lucros e dividendos. Um dispositivo legal (mas excêntrico) — o
dos “juros sobre capital próprio” — permite uma redução da base tributária do
IR e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Esses rendimentos são
tributados a 15% de forma exclusiva, não necessitando o beneficiário fazer
qualquer ajuste na Declaração Anual do IR. A consequência chega a ser bizarra:
os 71.440 declarantes hiper-ricos, que tinham renda acima de 160
salários-mínimos em 2013, praticamente não possuíam rendimentos tributáveis,
pois 65,80% de sua renda tinha origem em rendimentos isentos e não tributáveis.
O
estudo aponta ainda que os contribuintes com rendas acima de 40 salários
mínimos representam apenas 2,74% dos declarantes de IR, mas se apropriaram de
30,37% do montante dos rendimentos informados à Receita Federal em 2013. Além
disso, dos R$ 623,17 bilhões de rendimentos isentos de Imposto de Renda em
2013, R$ 287,29 bilhões eram de lucros e dividendos recebidos pelos acionistas.
Se submetidos à alíquota máxima da atual tabela progressiva do Imposto de Renda
(27,5%), esses recursos gerariam uma arrecadação tributária extra de R$ 79
bilhões ao Brasil.
As
informações tornadas públicas pela Receita Federal, a partir da
disponibilização da base de dados “Grandes Números das Declarações do Imposto
de Renda das Pessoas Físicas”, contribuem para uma maior transparência sobre a
questão tributária no país, que há tempo ocupa lugar na agenda pública das
propostas de reformas. Os dados ampliaram um novo olhar sobre a desigualdade
social no Brasil e reforçam ainda mais a injustiça tributária no país. Até
mesmo o Imposto de Renda, que deveria ser o fiador de um sistema tributário
mais justo, acaba contribuindo para maior concentração de renda e riqueza em
nosso país.
Com
isso, as propostas para a reforma tributária que diversas organizações da
sociedade civil — inclusive o Inesc — já apresentaram na agenda pública
brasileira estão na ordem do dia. É necessário revogar algumas das alterações
realizadas na legislação tributária infraconstitucional após 1996, que
sepultaram a isonomia tributária no Brasil, com o favorecimento da renda do
capital em detrimento da renda do trabalho. Dentre essas mudanças destacam-se:
1) o fim da possibilidade de remunerar com juros o capital próprio das
empresas, reduzindo-lhes o Imposto de Renda e a CSLL; e 2) o fim da isenção de
IR à distribuição dos lucros e dividendos na remessa de lucros e dividendos ao
exterior e nas aplicações financeiras de investidores estrangeiros no Brasil.
Outra
medida fundamental seria a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas
(IGF), previsto na Constituição e não regulamentado até hoje. É uma
oportunidade para a prática da justiça tributária, por aplicar corretamente o
princípio constitucional da capacidade contributiva, onerando o patrimônio dos
mais ricos no país. Igualmente necessária é a introdução da progressividade no
Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos
(IT-CDM). Outras medidas importantes são a tributação maior para bens
supérfluos e menor para produtos essenciais para a população.
Uma
proposta de reforma tributária no Brasil deveria ser pautada pela retomada dos
princípios de equidade, de progressividade e da capacidade contributiva no
caminho da justiça fiscal e social, priorizando a redistribuição de renda. As
tributações de renda e do patrimônio nunca ocuparam lugar de destaque na agenda
nacional e nos projetos de reforma tributária após a Constituição de 1988.
Assim, é mais do que oportuna a recuperação dos princípios constitucionais
basilares da justiça fiscal (equidade, capacidade contributiva e
progressividade). A tributação é um dos melhores instrumentos de erradicação da
pobreza e da redução das desigualdades sociais, que constituem objetivos
essenciais da República esculpidos na Constituição Federal de 1988.
 |
Marina no Jardim Acapulco, Guarujá: aqui não se paga imposto sobre grandes fortunas. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!