A
proibição de publicar o Cadastro de Empregadores que tenham submetido
trabalhadores a condições análogas à escravidão, conhecido como Lista Suja, foi
considerada por autoridades do governo federal, Ministério Público e
especialistas no tema como um “ataque” a um dos principais instrumentos da
política brasileira de combate a esse tipo de crime.
Instituída
em 2003 e atualizada em 2004, a Lista Suja estava disponível até o último dia
31 de dezembro no site do Ministério do Trabalho, quando foi retirada do ar
após liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo
Lewandowiski, acatando pedido da Associação das Incorporadoras Imobiliárias
(Abrainc).
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Oficina de costura em Itaquaquecetuba teve 14 bolivianos
resgatados do trabalho escravo em março de 2014. |
A
liminar foi concedida um dia antes da atualização semestral, feita pelo
Ministério do Trabalho. A lista contém os nomes dos empregadores que foram
flagrados submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão e que não
tenham conseguido contestar o auto de infração.
Para
o coordenador da organização não governamental Repórter Brasil e integrante da
Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, jornalista Leonardo
Sakamoto, a proibição da divulgação da Lista Suja se insere em uma estratégica
de “enfraquecimento” da política brasileira de combate ao trabalho escravo.
“Quem se utiliza do trabalho escravo não fica
impávido esperando para ver o que acontece. Ele reage. Reage às fiscalizações e
às punições. O que aconteceu é que o sistema econômico brasileiro que se
utiliza do trabalho escravo está reagindo”, disse Sakamoto. Para ele, a
tentativa de enfraquecimento do combate ao trabalho escravo também passa pela
tentativa de “flexibilização” do que é considerado trabalho escravo.
“É aquela coisa: já que não se consegue
impedir o combate, vamos mudar o conceito. Alguns setores querem alterar para
diminuir o combate. [A proibição da divulgação da Lista Suja] é também atentado
à liberdade de expressão, porque a Lista Suja nada mais é que uma base de dados
de transparência”, acrescentou Sakamoto.
O
chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do
Ministério da Trabalho, Alexandre Lyra, argumentou que o empregador antes de
ter o nome inserido na lista tem amplo direito de defesa, podendo contestar o
auto de infração lavrado pelos auditores-fiscais do trabalho. Por isso, ele
considerou a proibição de divulgar a Lista Suja um golpe no enfretamento ao
trabalho escravo.
“Infelizmente, o Supremo determinou que
retirássemos do site a oferta desses nomes à sociedade. Estamos lutando para
reverter a liminar, mas é um duro golpe justamente pelo compromisso do
Ministério do Trabalho em dar ciência à sociedade desses nomes”, lamentou
Lyra.
Apesar
de respeitar a decisão liminar do STF, o procurador-geral do Trabalho, Luís
Antônio Camargo, prometeu “trabalhar
arduamente” para rever a decisão.
“O Cadastro de Empregadores Infratores é um
beneficio que a sociedade brasileira tem, nos ajuda a identificar as pessoas
físicas e jurídicas que estão sendo investigadas por manter trabalhadores em
condições análogas à de escravo. Esse é um absoluto benefício para a sociedade
– do Poder Público para a sociedade – na erradicação do trabalho escravo
contemporâneo no Brasil”, disse Camargo.
“Não
posso admitir que o dinheiro público, que o sistema financeiro que opera com
recursos públicos – e que às vezes falta para áreas importantes como saneamento
e habitação, seja utilizado para financiar trabalho escravo. A partir de
fevereiro, com a volta das atividades do Judiciário, vamos trabalhar arduamente
para modificar essa decisão e permitir que o Cadastro de Empregadores
Infratores, conhecido como Lista Suja, seja publicado, [para que] as pessoa
tenham acesso à informação e que o dinheiro público não seja utilizado para
financiar a exploração de trabalhadores no Brasil”, acrescentou o
procurador-geral do Trabalho.
Em
nota, a Abrainc explicou que o pedido de liminar foi feito por considerar as
portarias do Ministério do Trabalho que instituíram a Lista Suja
inconstitucionais, por “substituírem a competência legislativa do Congresso
Nacional, assim como o procedimento dessa inclusão desrespeitar o devido
processo legal.”
A
associação acrescentou que “tem
trabalhado incessantemente para promover o setor imobiliário, um dos maiores
empregadores do país, buscando, entre outros objetivos, o aprimoramento das
relações de trabalho". A Abrainc disse também em nota, que se
posiciona veementemente contra o trabalho em condições análogas à escravidão e
que "continuará envidando todos os
seus esforços para a eliminação completa [do trabalho escravo] em todos os
setores da sociedade brasileira.”