"A democracia custa caro", escreveu
o deputado Vicente Cândido (PT-SP) no relatório que propõe um fundo bilionário
de financiamento público de campanhas eleitorais, aprovado na quarta-feira 9
pela comissão da reforma política.
Desde
que a doação por empresas foi proibida, em 2015, o mundo político brasileiro
vem tentando encontrar uma forma de reverter a perda de receita. A primeira
medida foi turbinar o já existente fundo partidário, que saltou de 308 milhões
em 2014 para 819 milhões de reais neste ano, apesar da crise econômica. Mas
eles querem mais.
Por
Jean-Philip Struck, no CartaCapital -
Deixando a rivalidade de lado, os principais partidos querem agora canalizar
3,6 bilhões de reais dos cofres públicos exclusivamente para custear as
campanhas de 2018.
Segundo
organizações internacionais e especialistas ouvidos pela DW, o financiamento
público é uma importante ferramenta para conter dinheiro da corrupção em
campanhas e o lobby de empresas e para equilibrar a disputa entre diferentes
partidos.
Para
Luciano Santos, codiretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE),
usar dinheiro público pode causar rejeição entre a população, mas em princípio
o saldo é positivo. "Os brasileiros
pagam mais com a corrupção causada pelas doações de empresas."
O
problema é como tudo deve ser implementado no Brasil.
Segundo
Luciano Santos, com a fiscalização atual e a falta de exigência de
contrapartidas, o fundo eleitoral brasileiro vai acabar reforçando vários
aspectos nocivos do sistema político, como a falta de renovação, o
apadrinhamento, o distanciamento das siglas da população e o mau uso de
recursos.
De
alguma forma, mais de 118 dos países do mundo contam com algum tipo de
financiamento estatal, seja para partidos ou campanhas, segundo o Instituto
Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea). O sistema também
é amplamente usado na Europa Ocidental, onde apenas a Suíça não conta com algum
tipo de ajuda.
Dependência e isolamento
Na
prática, o Brasil já conta com um sistema indireto para pagar campanhas. Além
das centenas de milhões do fundo partidário, o espaço para a propaganda
eleitoral também é pago com abatimento de impostos devidos pelas emissoras –
foram pelo menos 576 milhões de reais em 2016.
O
projeto de Cândido prevê um sistema misto, com financiamento público e doações
de cidadãos – neste último caso com limites. O formato é defendido pelo
Conselho da Europa, entre outras organizações.
Mas
segundo um relatório do Idea disponibilizar tantos bilhões para um fundo pode
acabar sendo suficiente para os partidos, não gerando incentivos para que eles
formem canais de comunicação com a sociedade para arrecadar recursos
individuais, o que acentuaria o isolamento das siglas.
Luciano
Santos afirma que isso deve ser ainda pior no Brasil. "Não existe no país uma cultura de buscar
doações junto à sociedade. Os políticos se acostumaram a pedir só para
empresários. Da forma como desejam, os partidos poderão atuar como centrais que
dependem do imposto sindical. O dinheiro cai todo o mês e não é necessário
fazer um trabalho de base."
O
problema da dependência excessiva ocorre em outros países. No México, 95% dos
gastos da campanha presidencial de 2012 foram pagos pelo Estado. Na Espanha, o
financiamento público cobre mais de 80% dos gastos dos partidos. Uma forma de
contornar isso seria criar mecanismos para incentivar doações e participação
popular, mas nada disso é contemplado no projeto brasileiro.
"Os partidos recebem poucas doações
particulares por causa da sua reputação terrível. Com mais dinheiro fácil, não
têm incentivo algum para melhorá-la. Do jeito que está a proposta acaba
causando mais danos ao sistema democrático", afirma Gil Castelo
Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
Concentração
Nos
anos 90, os cientistas políticos Richard Katz e Peter Mair advertiram que o
financiamento público de campanhas poderia acabar sendo uma das ferramentas
para encastelar os partidos que já estão no poder e que contam com bancadas já
estabelecidas.
Reservando
a maioria do dinheiro para si, essas siglas garantiriam novas vitórias e
barrariam a entrada de novos competidores. Segundo os cientistas políticos,
isso ajudava a criar uma "cartelização" do sistema partidário.
Segundo
a proposta na Câmara, 2% do valor do fundo será dividido igualmente entre os
atuais 35 partidos. O restante, 98%, proporcionalmente à votação que seus
candidatos a deputado federal tiveram nas eleições de 2014.
O
grosso do fundo de 3,6 bilhões ficará então com PT, PSDB e PMDB. A Rede, de
Marina Silva, por exemplo, ficaria com apenas 8 milhões de reais porque seu
partido tem apenas quatro deputados e um senador, segundo cálculo do jornal
Valor. Bem distante dos 415 milhões do PT e 363 milhões do PSDB.
"Também não há critério sobre quem deve
receber o dinheiro dentro do partido e regras para que ele seja direcionado
para a inclusão de setores da sociedade. Os líderes partidários vão decidir
livremente como distribuir. É apenas a perpetuação de quem já está aí e um
incentivo para mais apadrinhamento", afirma Luciano Santos, do MCCE.
Em
2016, quando recursos do fundo partidário foram usados em escala mais ampla
pelas siglas para cobrir o fim das doações empresariais, os principais
beneficiários internos foram os políticos que já tinham mandato. Houve até
ajuda para parentes. No PSL, por exemplo, o filho do presidente da legenda
levou 1,3 milhão para custear sua campanha para prefeito em 2016.
Incentivar
siglas menores, no entanto, não significa distribuir os recursos igualmente. O
próprio Idea afirma que isso levaria a profusão indiscriminada de novas siglas,
com o objetivo pegar uma fatia do bolo. Segundo Santos, uma forma de incentivar
siglas sem beneficiar organizações sem expressão seria exigir que elas fossem
transparentes nos seus estatutos e garantissem renovação das lideranças para
ter mais acesso aos valores. Dessa forma, ganhariam legitimidade.
A fiscalização
Comum
entre diferentes projetos brasileiros que envolvem financiamento público é a
falta de detalhes sobre a fiscalização. O exemplo do Fundo Partidário já é
desanimador. A entrega das prestações de contas para análise era física até
abril. No momento, se acumulam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo menos
560 mil páginas relativas a despesas entre 2011 e 2016.
"A fiscalização é pífia, e quem quiser
consultar as contas tem que ir pessoalmente revirar centenas de pastas e catar
notas fiscais", afirma Gil Castelo Branco. "Antes de se cogitar
dar dinheiro para campanhas, seria preciso analisar os gastos do fundo partidário
e o uso do horário eleitoral, que já custam mais de um bilhão por ano. Já
existe um mau uso dos recursos atuais."
No
início do ano, o tribunal ainda estava concluindo a análise das contas de
partidos relativas a 2011. Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo
apontou que recursos foram para o aluguel de jatinhos, churrascos e compra de
bebidas alcoólicas. Os partidos podem no máximo ser punidos com cortes em sua
parte do fundo e as irregularidades prescrevem se não forem analisadas em até cinco
anos.
"Isso vai piorar. Os candidatos vão receber
de uma só vez de seus partidos, mas devem poder entregar suas contas em
separado, sobrecarregando o TSE. É um incentivo para que nada seja fiscalizado",
afirma Luciano Santos, do MCCE.
Uma
forma de contornar isso seria responsabilizar os dirigentes partidários pelo
mau uso dos recursos – o que não acontece hoje – e ainda unificar as campanhas.
"Faz uma campanha única, com a
adoção de listas. Seria possível entregar apenas uma prestação unificada. E a fiscalização
teria que ser rigorosa", completa Santos.
Discussão
A
discussão do fundo eleitoral tem ocorrido exclusivamente entre caciques
partidários. Isso simplesmente contraria a recomendação de organismos
internacionais, que pedem a participação de outros setores na elaboração dos
mecanismos de financiamento, como o Judiciário e a sociedade civil.
Luciano
Santos, que vem acompanhando o projeto no Congresso, afirma que a falta de
transparência vem sendo a norma. "Não
há nenhum tipo de consulta pública. As reuniões das comissões não são marcadas
com antecedência e simplesmente são adiantadas sem nenhum aviso."
Gil
Castelo Branco também critica como o projeto tem avançado. "É descabido que temas que se arrastaram por
anos e não são um consenso na sociedade, possam ser aprovados em pouco mais de
um mês e meio. Tudo apenas para garantir a sobrevivência dos grandes partidos.
Essa reforma não será boa para a democracia, apenas para os caciques."
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No Brasil, partidos recebem poucas doações particulares por causa de sua reputação terrível. Foto: Elza Fiúza/ Agência Brasil. |