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(FOTO |Reprodução |ICL Notícias). |
Em primeiro lugar, para tentar responder a essa pergunta, é preciso lembrar que, na Economia Política, a tradição do “valor-trabalho” – de Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx – distingue valor de preço. O valor de uma mercadoria não pode ser confundido com o seu preço nominal.
Alguns
dirão que o valor de um produto está em seu uso; outros, como os que seguem a
teoria do valor-trabalho, afirmarão que ele vem da quantidade de trabalho
humano nele incorporado. Num livro, por exemplo, há o trabalho de quem extraiu
o metal da máquina que o imprimiu, de quem derrubou as árvores para fabricar o
papel, além do trabalho intelectual que lhe deu conteúdo etc.
Dito
isso, a pergunta atravessa a sala e retorna: quanto vale o trabalho de quem
ensina? A resposta não vem de imediato. Fica suspensa, como se encoberta pelo
feitiço do capital, que insiste em invisibilizar o essencial.
No
marxismo, o fetiche da mercadoria esconde que o valor nasce do trabalho humano.
Parece que a mercadoria tem poder próprio, quando na verdade cristaliza um
esforço invisível – esta é uma das “mágicas” ideológicas do capitalismo, e
muito útil a quem detém os meios de produção (aquilo quer faz as coisas
surgirem).
Hoje,
por exemplo, algo semelhante ocorre com as inteligências artificiais. Muitos
acreditam que funcionam sozinhas, esquecendo que máquinas, dados e linguagens
foram produzidos por pessoas, com suor, tempo e energia acumulados. São
valiosas justamente porque concentram uma quase infinidade de trabalho humano,
físico e intelectual.
Contudo,
como já lembrava Gramsci, todo trabalho é também intelectual. Quem limpa uma
escola, por exemplo, não age como um robô: pensa, organiza, decide como
realizar sua tarefa. Nenhuma atividade humana é destituída de pensamento.
Assim
também acontece com a escola. Costuma-se acreditar que o conhecimento floresce
naturalmente, mas sem professores a aprendizagem não se realiza plenamente – ou
torna-se precária, “capenga”. Apesar disso, há quem defenda o “homeschooling”,
como se a educação pudesse ser reduzida à transmissão de conteúdos em casa,
geralmente sem mediação pedagógica qualificada e com forte viés ideológico.
No
extremo, alguns chegam a propor a desescolarização (“deschooling”), ideia de
que seria possível uma sociedade sem escolas e professores. Essa concepção, em
vez de libertar, atende aos interesses neoliberais: desvaloriza o trabalho
docente, transforma o conhecimento em mercadoria individual e enfraquece a
função social da escola como espaço coletivo de formação, convivência,
socialização, emancipação e o surgimento de sentimentos como o da empatia entre
o público discente.
No
caso da Internet, a ilusão se repete. Plataformas de busca, como o Google,
alimentam a crença de que é possível aprender tudo sozinho, dispensando o
professor e a escola. Mas, por trás dessa aparência de autonomia, o que ocorre
é a captura sistemática de nossa atenção pelas big techs. Cada clique, cada
dado, é transformado em mercadoria, empacotado e vendido a empresas
interessadas em nossos interesses.
Pensamos
estar consumindo conhecimento livremente, quando na verdade somos nós os
produtos negociados.
Da
mesma forma, professores e alunos são tratados como números, indicadores,
estatísticas. O valor do trabalho docente se reduz a métricas vazias, como se
fosse uma engrenagem descartável em planilhas.
O
capital financeiro, internacionalmente hegemônico no acúmulo de riqueza e poder
político, controla os fluxos globais de quase tudo, mas precisa das big techs
para extrair mais-valor da atenção e da cultura. É um poder amalgamado,
sustentado pela captura digital e ideológica. Transformando os proprietários
destas empresas em “gurus popstar” da sabedoria mundial contemporânea.
Enquanto
isso, professores seguem trabalhando sem apoio e reconhecimento em seu “chão de
fábrica” – a escola e suas salas de aula. Gasta-se voz, energia e paciência
diante da indisciplina, do desinteresse e da precariedade. O esforço invisível
não aparece nos relatórios, nem nos discursos oficiais – isto é, há extração de
“mais valor” docente que, quando bem-sucedido, é capital simbólico acumulado
pelos dirigentes governamentais.
É
preciso romper com esse fetiche — o feitiço de que o trabalho docente não tem
valor. Cada aula noturna, cada explicação paciente, cada texto corrigido é
trabalho vivo, insubstituível. Não se trata de algo que possa ser feito de
qualquer maneira, “nas areias da praia”, como já chegou a afirmar um prefeito,
mas de uma atividade complexa, que exige dedicação, preparo e responsabilidade.
É um trabalho que nenhuma máquina, algoritmo ou métrica consegue replicar.
Professor,
quanto vale o seu trabalho? Vale mais que qualquer algoritmo, mais que qualquer
índice financeiro. Vale porque é humano, resultado de anos de estudos que nunca
terminam, dedicação cotidiana e consciência de classe construída na prática.
Hoje,
porém, esse valor tem sido pago com suor, tempo e saúde não reconhecidos. O
trabalho docente sustenta o futuro, mas continua invisibilizado por métricas
que jamais conseguirão traduzi-lo.
__________
Por Valter Mattos da Costa, no ICL Notícias.
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