Cida Bento. (FOTO | Divulgação | Unibanco).
“Quando falamos de recomposição de aprendizagens, precisamos lembrar que essa nunca foi uma realidade para as crianças negras. A história delas sempre foi de evasão, distorção idade-série e baixo desempenho. Agora, esse desafio se estende a todas as crianças, mas, para negras, indígenas e quilombolas, é a própria história.”
A afirmação é da escritora e psicóloga Cida Bento durante o Seminário “Recomposição e Avanço das Aprendizagens”, promovido pelo Instituto Unibanco na quinta-feira (28), em São Paulo. O encontro, quinto da série internacional sobre Gestão Educacional, discutiu como transformar diagnósticos em políticas efetivas para reduzir desigualdades e garantir mais equidade na aprendizagem.
Diagnóstico sem ação não basta
Referência no debate racial brasileiro, Cida é doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP (Universidade de São Paulo) , fundadora do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) e autora do livro “O Pacto da Branquitude” (Companhia das Letras, 2022), obra que se tornou marco ao problematizar os privilégios sustentados historicamente pela branquitude.
Em sua fala, Cida criticou a distância entre o grande volume de diagnósticos já produzidos sobre desigualdades educacionais e a ausência de ações efetivas a partir deles. “As evidências têm que gerar ação que seja monitorada. Não dá mais para continuar apenas falando. É preciso ação concreta, mensurável e imediata.”
Segundo ela, não há como discutir recomposição sem enfrentar o racismo estrutural. “A escola foi pensada para crianças burguesas, vírgula, brancas. Quando foi universalizada e entraram aqueles considerados de fora, a escola ficou mais desorganizada. Mas não há impedimentos cognitivos para justificar a defasagem das crianças negras. O que explica essa realidade é o racismo estrutural que segue em curso.”
Cida destacou que autoestima e identidade são pré-condições para aprender. “Dois elementos são fundamentais: sentir-se parte e estar bem no corpo que se habita. Se eu odiar meu cabelo, minha pele, se a cultura do meu grupo for tratada como coisa do demônio, eu não vou ter atenção para aprender. Uma parte de mim estará sempre roubada.”
Neurociência, alfabetização e saúde emocional
A partir da provocação, a pesquisadora e educadora Carla Francisco trouxe o olhar da neurociência. Ex-professora da rede pública de São Paulo, doutoranda em Educação e integrante da Mobile Brain (startup nascida de pesquisas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Carla pesquisa alfabetização e saúde emocional.
“Os dados mostram que há uma relação direta entre aprendizagem e saúde emocional. Aquilo que empiricamente já percebemos em sala de aula, de que alunos que não estão bem emocionalmente têm dificuldades para aprender, a neurociência nos ajuda a validar com evidências científicas”, afirmou.
Ela também chamou atenção para a desigualdade racial nos indicadores de alfabetização. “Dos 44% de estudantes do segundo ano não alfabetizados, mais de 60% são crianças negras. Não há nenhum impedimento neurológico que explique isso; o que existe é racismo estrutural em curso.”
Tecnologia com cuidado e foco na realidade
Na sequência, o empreendedor Ig Ibert Bittencourt, professor associado da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e pesquisador visitante da Escola de Educação da Universidade de Harvard (Estados Unidos), trouxe o olhar da inovação tecnológica.
Ele destacou que a tecnologia, se mal planejada, pode aprofundar desigualdades. “Não existe neutralidade na tecnologia. Quando ela chega na escola, pode gerar ganhos, mas também aumentar a desigualdade. Por isso, é preciso muito cuidado e calma.”
Para Ig, o Brasil ainda insiste em velhas fórmulas de política pública. “Se continuarmos pensando em tecnologia apenas em termos de infraestrutura e dispositivos, só vamos reduzir a defasagem em relação a países desenvolvidos em 2100. É fundamental olhar primeiro para o contexto e as necessidades locais, e só então desenhar a política.”
Sonho coletivo
Encerrando a mesa, a conversa entre os três participantes, mediada pelo jornalista Antônio Gois, focou nos sonhos para a educação brasileira.
Carla evocou a força da ancestralidade: “Eu sou o sonho da minha avó. Orgulho de Zumbi. Eu piso em lugares nos quais ela jamais poderia imaginar. É preciso continuar projetando utopias para que se tornem realidade.”
Ig defendeu foco absoluto em um objetivo comum: “Nada é mais resiliente do que a desigualdade. Se eu fosse definir o Plano Nacional de Educação, colocaria uma única meta: aprendizagem com equidade. Todo o resto é consequência.”
Cida, por fim, fez um chamado à união: “O meu sonho é que homens e mulheres, brancos, negros, indígenas e quilombolas tenhamos coragem de nos reconhecer em nossos lugares e fazer a mudança juntos. Não tem outro jeito. É preciso esticar a corda, porque temos condições de dar um salto.”
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Por Ana Luísa D'Maschio , no Porvir.
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