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A relatora especial das Nações Unidas Ashwini K.P. durante coletiva de imprensa - Tomaz Silva/Agência Brasil |
O racismo no Brasil é sistêmico, perdura desde a formação do Estado brasileiro, e as medidas para combater o preconceito não são suficientes para fazer frente à gravidade da situação. Essas são algumas das conclusões preliminares apresentadas nesta sexta-feira (16) pela relatora especial sobre formas contemporâneas de racismo, Ashwini K.P., que faz parte do corpo de especialistas independentes do sistema de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Ashwini
K.P. também manifestou preocupação com as eleições municipais, que ocorrerão em
outubro deste ano. Segundo ela, há uma representação política muito baixa no
país de grupos raciais e étnicos marginalizados, além de o ambiente político
ser hostil e mesmo perigoso para quem consegue se eleger. Ela citou como
exemplo o caso de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em
2018.
“Ficou
extremamente evidente para mim, após minha visita, que as pessoas
afrodescendentes, os povos indígenas, comunidades quilombolas, romani e pessoas
pertencentes a outros grupos raciais e étnicos marginalizados no Brasil,
incluindo aqueles que enfrentam discriminação interseccional com base em
deficiência, gênero, status LGBTQIA+ e/ou ser pessoa migrante ou refugiada,
continuam a experimentar formas multifacetadas, profundamente interconectadas e
generalizadas de racismo sistêmico”, disse, em coletiva de imprensa.
“A violência estrutural e a exclusão
endêmicas, que desumanizam pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados,
causam danos muitas vezes irreparáveis e tornam as pessoas invisíveis dentro da
sociedade, sendo consistentemente articuladas para mim como características
integrais do racismo sistêmico no Brasil”, observou.
Embora
reconheça medidas de combate ao racismo importantes no país, ela diz que ainda
não são suficientes diante da gravidade do problema. “O ritmo atual de mudança não parece corresponder à gravidade da
situação sofrida por pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados.
Existem lacunas significativas na implementação e alcance de leis e políticas,
e o progresso em direção à justiça racial é muito lento. As pessoas de grupos
raciais e étnicos marginalizados no Brasil já esperaram tempo demais por
justiça e igualdade racial. A própria vida e existência de pessoas
marginalizadas depende de ação mais ousada e urgente”, afirmou.
Entre
os bons exemplos destacados estão os programas de ações afirmativas para
instituições de ensino superior e outras instituições públicas; os esforços para
garantir o reconhecimento cultural e a memória sobre as experiências coletivas
de pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados, com a criação de
memoriais; e até mesmo a criação do Ministério da Igualdade Racial e do
Ministério dos Povos Indígenas em 2023, bem como a criação de uma Secretaria
sobre os Povos Romani dentro do Ministério da Igualdade Racial.
Eleições
Em
relação à representação política, ela mostrou preocupação. “Estou, portanto, muito preocupada com
relatos de representação política muito baixa de grupos raciais e étnicos
marginalizados, incluindo afrodescendentes, povos indígenas, comunidades
quilombolas e romani em órgãos políticos e de tomada de decisão, incluindo o
Congresso Nacional e órgãos estaduais e municipais”, disse.
Ela
acrescentou: “Notei como positivo que
cotas de representatividade racial existem, mas me preocupei ao ouvir que não
estavam sendo implementadas e que há ausência de responsabilização por esse
descumprimento. Também ouvi testemunhos preocupantes sobre como as instituições
políticas são consideradas lugares profundamente hostis e inseguros por pessoas
de grupos raciais e étnicos marginalizados.”
Segundo
a relatora, ameaças e violência, incluindo violência letal, contra pessoas de
grupos raciais e étnicos marginalizados, incluindo mulheres, que se elegem ou
participam de cargos políticos, como o caso de Marielle Franco, são “mais uma questão de profunda preocupação
para mim, particularmente dadas as próximas eleições municipais”. “Exorto veementemente o Brasil a tomar todas
as medidas necessárias para evitar qualquer forma de violência política durante
as próximas eleições municipais”, ressaltou.
Em
relação à proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece novas regras
para os partidos políticos na aplicação de recursos destinados às cotas raciais
em candidatura, aprovada pelo Senado nesta quinta-feira (15), ela defende que é
também responsabilidade dos próprios partidos políticos assumirem o compromisso
de garantir a representatividade de comunidades marginalizadas.
A
chamada PEC da Anistia (9/2023) também perdoa os débitos dos partidos que
descumpriram a aplicação mínima de recursos em candidaturas de pretos e pardos
nas eleições passadas e permite a renegociação de dívidas tributárias das
legendas.
Visita ao Brasil
Ashwini
K.P. está no Brasil desde o dia 5 de agosto. A visita terminou nesta sexta. Ela
esteve Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro,
a convite do governo federal. Reuniu-se com representantes dos governos federal
e estaduais, além de representantes da sociedade civil que trabalham com
racismo e preconceito e de comunidades que sofrem discriminação racial.
Nesta
sexta, a relatora especial apresentou à imprensa as conclusões preliminares da
avalição. A apresentação está disponível na íntegra na página do Escritório do
Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos na internet. A
análise completa será apresentada na 59ª sessão do Conselho de Direitos Humanos
em junho de 2025.
As
relatorias especiais fazem parte do que é conhecido como Procedimentos
Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais trata-se do
maior corpo de especialistas independentes do sistema de direitos humanos da
ONU, que apuram e monitoram situações específicas de países ou questões
temáticas em todas as partes do mundo. Ashwini K.P. foi nomeada pelo conselho
como a sexta relatora especial sobre formas contemporâneas de racismo,
discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata em 2022.
Os
especialistas em Procedimentos Especiais trabalham de forma voluntária; não são
funcionários da ONU, são independentes de qualquer governo ou organização e
atuam em sua capacidade individual.
_____
Com informações do Geledés.
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