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Novo diretor não tem experiência em arquivologia, bilbioteconomia ou história, áreas correlatas às atividades do Arquivo Nacional - Gov.BR/Divulgação. |
O
Ministério Público Federal (MPF) anunciou, em 24 de novembro, a abertura de uma
investigação para apurar a nomeação de Ricardo Borda D’Água Braga para o cargo
de diretor-geral do Arquivo Nacional, órgão federal vinculado ao Ministério da
Justiça e Segurança Pública, com sede no Rio de Janeiro.
A
decisão é contestada por entidades ligadas à arquivologia, ciência da
informação e história, que alertam para o descumprimento de um decreto que
exige experiência na área para ocupar o cargo, além de possíveis interferências
em documentos sobre a memória recente do Brasil, como os acervos do período da
ditadura militar (1964-1985) e sobre as populações indígenas.
A
exoneração da bibliotecária Neide de Sordi – seguida da nomeação do
desconhecido Braga aos cargos de diretor geral do Arquivo Nacional e presidente
do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) – acendeu um sinal de alerta na
oposição e em grupos ligados à preservação da memória e motivou a divulgação de
uma nota conjunta, contestando a decisão e exigindo explicações.
O
pesquisador Marcelo Zelic, membro da Comissão Justiça e Paz e fundador do
Armazém Memória, comemora a abertura de investigações sobre o caso por parte do
MPF, mas se mantém receoso com a falta de ligação de Braga com as áreas que
comandará e com a possível interferência em patrimônios valiosos à memória do
país.
“O receio grande que a gente tem é que ao se
priorizar, como se priorizou em inúmeras nomeações do governo Bolsonaro,
pessoas sem trajetória nessa área, é que seja um trabalho de desestruturação”,
alerta Zelic.
O
pesquisador também levantou a possibilidade de que o novo chefe do Arquivo
Nacional dificulte o acesso ou até mesmo interfira na documentação histórica:
“Há a possibilidade de censura de documentação, você tem a possibilidade de
começar a sumir a documentação. Não é difícil sumir documentação nesse país”.
Segundo
Georgete Rodrigues, professora de Arquivologia da UnB (Universidade de
Brasília) e membro do FNArq (Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do
Brasil), uma das signatárias da nota, o Arquivo Nacional possui uma base sólida
e capaz de conter eventuais excessos da nova gestão.
A
especialista também desconfia das qualificações de Braga, cujo currículo
permanece desconhecido, sabendo-se apenas que possui uma empresa de consultoria
e treinamento em segurança, além de participar
de torneios de tiro esportivo.
“Se você colocar alguém ligado à
segurança, alguém que é ligado ao atual ministro da Justiça, existe sim a
possibilidade de interferência. Agora a possibilidade de destruição do
documento eu acho que é muito difícil. A não ser que se provoque um incêndio.
Você tem os próprios servidores do Arquivo Nacional que devem ficar vigilantes,
há também boa parte do material digitalizado e espalhado em outras redes”,
afirma Rodrigues.
O
descumprimento de decreto que determina experiência acadêmica na área para o
cargo de diretor geral do órgão também é objeto de preocupação por parte de
parlamentares de oposição, que também são alvo de investigação do MPF.
A
deputada federal Erika Kokay (PT-DF) diz que o caso remete à crises também de
caráter ideológico em outras áreas do governo, como “a Fundação Palmares, os Ministérios do Meio Ambiente, Educação e das
Mulheres”.
“Nós estamos elaborando uma representação
calcada em qual aspecto legal está desrespeitando a própria legislação. Então
nós estamos fazendo um requerimento de informação, vamos tentar fazer uma
audiência pública e, ao mesmo tempo, uma representação no Tribunal de Contas”,
enumera a deputada, que pretende “utilizar
todos os instrumentos disponíveis para tentar impedir esse golpe contra o
Arquivo Nacional e contra a memória do povo brasileiro.”
Relevância do acervo
O
Arquivo Nacional, órgão responsável pela preservação e difusão de documentos da
administração pública federal, tem sua sede no Rio de Janeiro e uma unidade de
coordenação regional em Brasília, além de abarcar arquivos municipais,
estaduais e privados de relevância pública. Ao todo, são mais de 55 km de
documentos textuais, 1,74 milhão de fotografias e negativos, milhares de filmes
e outras relíquias disponíveis a pesquisadores e a qualquer cidadão, em formato
físico e digital.
Beatriz
Kushnir, pesquisadora e membro da Anpuh (Associação Nacional de História-RJ),
relembra que o Arquivo Nacional brasileiro é referência na área de arquivologia
em toda América Latina e enaltece a importância do órgão em sua trajetória
acadêmica.
“Desde 1981, eu recorro ao Arquivo Nacional
para fazer as minhas pesquisas, desde o doutorado até os pós-doutorados que fiz
depois. É, sem dúvida, uma instituição fundamental para qualquer pesquisador no
Brasil. Não existe um pesquisador no Brasil que não passe pelo Arquivo Nacional
durante a elaboração de seus trabalhos”, afirma.
Georgete
Rodrigues, que assim como Kushnir também possui vasta obra relativa ao período
da ditadura militar, também ressalta a particularidade da gestão brasileira
sobre o Arquivo Nacional, que é o vínculo institucional com Ministério da
Justiça e Segurança Pública.
“Na maioria dos países, esse órgão é
vinculado ao Ministério da Cultura, por essa forte carga histórica e cultural”,
pondera a pesquisadora que reforça o assédio de emissários do governo Bolsonaro
na “tentativa de dizer que não houve
tortura, que não houve ditadura, que se justifica uma comemoração pública de
1964”.
Rodrigues
acredita que a nomeação de Ricardo Borda D’Água Braga, por si só, já passa uma
mensagem clara e direta: “Colocar alguém
ligado à segurança é um processo intimidatório, tanto para os próprios
servidores do Arquivo Nacional como para quem pesquisa, como para dizer ‘olha
quem está tomando conta disso agora’”.
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Com informações do Brasil de Fato. Clique aqui e leia o texto completo.
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