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(Foto: Reprodução/ Quero Bolsa). |
Fruto
da luta de movimentos sociais em busca da equidade social no Brasil, a Lei de
Cotas foi promulgada em 2012 no Brasil. Com ela, negros e indígenas que
estudaram o Ensino Médio completo em escolas públicas têm direito a uma parte
das vagas em universidades públicas ligadas ao Ministério da Educação.
“Quando um país adota cotas raciais como
política de ação afirmativa, está confessando que foi responsável por medidas
racistas que afastaram essa população de espaços dignos de trabalho, estudo e
política - isso em nosso país, que sempre se orgulhou ao afirmar uma tal
democracia racial, tem um valor simbólico imensurável e nos serve agora para
ultrapassar o simbólico e tentar construir uma integração real da população
negra com espaços onde nossos pais e avós se acostumaram a só entrar para
limpar ou servir”, explica a historiadora e militante do movimento negro
Suzane Jardim.
Essa
Lei é uma medida temporária para compensar a desigualdade causada
historicamente para pretos, pardos e indígenas. Por isso, ela tem a “validade”
de dez anos, ao final desse prazo essa política pública será avaliada e
revisada, a fim de descobrir se essa ação foi benéfica, ou não, e redesenhá-la
conforme a necessidade da época.
Quem tem direito às cotas raciais?
O
que poucos sabem é que as cotas raciais são um subgrupo das cotas sociais, essa
respectivamente foi criada anteriormente e garante 50% das vagas em
instituições de Ensino Superior público para estudantes provenientes do ensino
público brasileiro, ou seja, que estudaram os três anos do Ensino Médio em
escolas mantidas pelo governo.
Preenchendo
esse pré-requisito obrigatório, é preciso ser de uma dessas duas etnias: negra
(pretos e pardos) ou indígena.
O
cálculo de vagas para as cotas raciais é feito da seguinte forma: após a
separação de 50% das vagas para alunos que vieram do Ensino Médio público, essa
porcentagem das vagas é dividida em duas partes, sendo 50% para alunos com
renda per capita mensal menor que 1,5 salário mínimo e 50% para alunos com
renda per capita mensal maior que 1,5 salário mínimo, respectivamente.
Dentro
dessa última subdivisão apresentada, cria-se uma nova divisão, em que uma certa
porcentagem será destinada para pretos, pardos e indígenas. Para calcular qual
será esse número de vagas, a instituição de ensino precisa usar como base o
número divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de
pretos, pardos e indígenas que residem naquela região. Ou seja, dependerá da
quantidade de habitantes negros e indígenas para descobrir qual será o número
final de vagas destinadas às cotas raciais.
Como saber se eu tenho direito a
Cotas Raciais?
Em
2017, publicamos uma matéria na Revista QB explicando como funciona o sistema
de cotas raciais em universidades brasileiras. Curiosamente, muitas pessoas
comentaram sobre o texto questionando como saber se uma pessoa tem direito a
essas cotas. Por isso, decidimos procurar a resposta para esse questionamento e
encontramos!
Como
saber se você tenho direito a cotas raciais? Pelo seu fenótipo!
Característica aparente ou observável de um indivíduo, determinada pela interação de sua herança genética (genótipo) e pelas condições ambientais - Michaelis de Língua Portuguesa.
Assim
como mostra o dicionário, fenótipo são as características que uma pessoa possui
a partir da sua genética, ou seja, nesse caso, é a cor da sua pele, seus traços
e/ou a textura do seu cabelo.
“No Brasil temos uma hierarquia racial
diversa daquela que existe nos Estados Unidos, que foi um dos primeiros países
a adotar cotas raciais. Aqui o racismo se dá por fenótipo e não por parentesco
sanguíneo. Isso significa que em nosso país a discriminação se dá pelo corpo
negro em si, seus traços, cor e símbolos culturais. Uma pessoa, mesmo que filha
de pai ou mãe negros, mas que possui um fenótipo branco, é identificada
socialmente como branca e usufrui dos privilégios dessa condição”, pontua a
historiadora.
Mariana
Teles ingressou no curso de História da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
por meio da política de cotas raciais e conta que “descobriu” o racismo e que
era negra ainda quando criança na escola. “O momento que eu percebi o racismo
foi na escola, em comentários de colegas sobre o meu nariz e meu cabelo. E isso
está inteiramente ligado com o fato de me reconhecer como uma mulher preta,
porque quando você é zombado por ser quem você é, você não quer mais ser aquela
pessoa. Não se sofre racismo sendo branco com uma avó negra, se sofre racismo
quando você é negro”, lembra.
Ou
seja, no Brasil são as características físicas que fazem com que uma pessoa
seja discriminada socialmente e sofra as consequências disso. Por isso, na
maioria dos casos, o que é considerado é o fenótipo.
Em
vista, é importante deixar de lado questões como, por exemplo, a descendência,
ou seja, ter parentes que possuam traços africanos, sendo que você não “herdou”
esses fenótipos. Segundo Gianne Reis, que é doutora em ciências políticas e
pesquisadora sobre o sistema de cotas raciais no Brasil, é importante também
considerar principalmente a cor da pele, visto que ela é muito relevante na
sociedade brasileira.
“Se nós partirmos desse princípio, todos nós
teremos em algum grau ancestral uma pessoa negra, uma pessoa indígena ou
branca, isso é comum no Brasil, até porque houve a miscigenação. Agora, o que
nós entendemos quanto processo de cotas é que as pessoas de pele mais escura,
no sentido da visualização, têm maiores dificuldades em conseguir emprego em
postos de trabalho, elas são discriminadas e o objetivos das cotas é diminuir
essa discriminação nesse sentido”, explica Dra. Gianne Reis.
Entretanto,
para ela, é uma questão de bom senso e, por isso, se a pessoa se identifica
como negra, seja ela parda ou preta, ela pode candidatar-se às cotas.
Entretanto, dependendo do caso e da instituição de ensino, podem acontecer
casos de denúncia de fraude, aí, apesar da cor ser autodeclaratória, será
preciso comprovar esses vínculos
Casos de fraudes de cotas raciais no
Brasil
Com
a implementação da Lei de Cotas em 2012, não foi muito surpreendente quando
casos de denúncias de fraudes começaram a aparecer. Segundo um levantamento
feito pelo Estado, uma a cada três universidades federais já investigaram casos
de fraudes no sistema de cotas. Os dados ainda mostraram que o maior número de
denúncias foram feitas na Região Sul, seguido pela Região Sudeste.
No
início deste ano, o campus de Bauru da Unesp recebeu destaque da mídia por
diversas denúncias de falsos cotistas. Para Juarez Tadeu de Paula Xavier, que é
presidente da Comissão Permanente de Verificação da Unesp, as fraudes são
causadas, em sua maioria, por pessoas que não aceitam as ações afirmativas.
“O que as apurações têm mostrado, não apenas
na nossa universidade, na Unesp, mas também nas outras, é que há um grupo de
pessoas que não se conformam com a democratização do acesso à universidade
pública. De uma certa forma, parece que é uma resistência daqueles que tiveram
os seus privilégios conformados em direito e não querem abrir mão de uma ação
democrática na universidade”, declara.
Para
Suzane Jardim, as fraudes são cometidas por dois motivos: falta de conhecimento
ou má-fé. “Para muitos, as cotas são um
"roubo" ou uma "trapaça" que impede o exercício da
meritocracia, porém não se questiona que meritocracia é essa”, afirma a
historiadora.
No
caso da Unesp, o que é levado em consideração na apuração da veracidade do
direito à cota são os seguintes fatores: fenótipo e o processo da construção da
identidade do concorrente. De acordo com Juarez, até o momento, com um ano de
instauração da comissão, foram recebidas mais de 450 denúncias.
Como evitar as fraudes das Cotas
Raciais?
“Casos assim acontecerão até que se crie uma
cultura de letramento racial mais ampla no país. Letramento racial é
simplesmente falar sobre raça, branquitude, privilégio, mestiçagem e racismo
com seriedade nos espaços de ensino, mídia e formação em geral. Só assim se
ampliará o entendimento necessário para que as fraudes por desinformação
diminuam”, opina Suzane sobre a melhor forma de diminuir os casos de
fraude.
Já
Juarez acredita que, além do diálogo, as comissões criadas para apuração também
são uma ótima saída para combater essa problemática. “A melhor forma de
combater as fraudes é criar mecanismos para a efetivação da política pública.
Eu acho que o caminho indicado pelo Ministério Público de formar comissões de
verificação é uma boa direção. Acredito que essas comissões deveriam ser
criadas todo momento em que uma instituição adota a política de cotas. Essas
delegações precisam ser ágeis para que as pessoas, no ato de ingresso na
universidade, possam passar pela verificação e, nos casos de inconsistência
entre autodeclaração e a hétero identificação, o ideal é que a pessoa seja
expulsa da instituição”, pondera.
A
Dra. Gianne Reis também considera que as comissões são a solução para o momento
atual, visto que elas também servem para instruir possíveis cotistas: “eu acho que essas comissões não têm o
sentido de apontar quem é negro ou quem não é, mas são justamente para evitar
esse tipo de fraude. E elas podem acontecer? Podem acontecer. Nós vivemos num
país continental, e é muito pouco provável que seja possível avaliar caso a
caso. Essas comissões existem justamente para tentar minimizar essas fraudes,
ou seja, a pessoa vai pensar duas vezes antes de tentar fraudar o sistema”.
Dúvida cruel: as cotas são um tipo
benefício?
Segundo
a Dra. Reis, que é pesquisadora sobre o assunto, as cotas raciais não são um
benefício, e é preciso que isso seja entendido pela sociedade brasileira para
que, assim, os números de preconceito com cotistas diminuam.
“Uma política de reparação visa, e eu diria
numa visão operacional, consertar algo que não foi feito no tempo quando
poderia ter sido feito. Não houve política nenhuma para igualar os negros e
indígenas, nem no século 19 e nem no século 20. Então, essa é uma tentativa,
como tantas outras para outros grupos, de igualar as pessoas, ou seja, diminuir
essa lacuna de desigualdade social e racial, o objetivo dessa política é esse”
finaliza. (Por Isabela Giordan, no Quero Bolsa).
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