Desde
a segunda metade do século XX as ciências humanas têm contado com inúmeras
pesquisas que visam analisar a participação das mulheres na sociedade e a
relação entre os gêneros. Na historiografia isso significou maior abertura dos
objetos e temas de pesquisa, visando resgatar a memória de grupos
marginalizados, entre eles a história das mulheres, que por muito tempo
estiveram excluídas das narrativas tradicionais, em que a “história oficial”
privilegiava, sobretudo, o “sujeito universal” masculino, branco, heterossexual
e cisgênero.
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Thomas PollockAnshutz |
Para
compreender melhor essa abertura é necessário mencionar o impacto da história
cultural e dos próprios movimentos feministas na produção intelectual. No
decorrer do século XX as antigas formas de fazer história começaram a ser
questionadas. Segundo o historiador Jacques Revel, os grandes modelos teóricos
e suas propostas de fomentar uma inteligência global do mundo
sócio-histórico[1] passaram a não corresponder aos anseios dxs historiadorxs. É
necessário lembrar que vários desses modelos também carregavam em seu bojo a
promessa de progresso e melhorias na vida humana. Tais características geraram desconfiança em
várixs pesquisadorxs, que não só notaram os espaços ainda vazios no
conhecimento acumulado, como também passaram a ter um olhar mais crítico à produção
desse conhecimento. A nova história cultural abriu um leque de possibilidades,
pois se antes o que era considerado “cultura” era a produção artística,
literária e musical de certas elites, agora a cultura popular passou a ter
lugar na historiografia, resgatando a memória de indivíduos excluídos e
marginalizados. Entretanto, essa ampliação de horizontes não se ateve, apenas,
à história cultural, chegando a influenciar inúmeros trabalhos em história
social, política e econômica.
Na
inclusão de grupos humanos que não correspondiam ao “sujeito universal”, os
marxistas certamente foram os pioneiros em incluí-los nas narrativas
históricas. Podemos citar os trabalhos de Walter Benjamin e Theodor Adorno –
assim como outros nomes da Escola de Frankfurt -, e E. P. Thompson, que
colocaram a classe operária no centro de sua produção. Contudo, essas
narrativas privilegiavam, sobretudo, o recorte de classe, excluindo outras
categorias como raça, gênero e orientação sexual. O marxismo também passou a
ser visto com desconfiança, já que também era um modelo teórico cheio de
promessas que nem sempre correspondiam aos horizontes de expectativas de seus
críticxs – contrariando o senso comum que diz que nas ciências humanas o
marxismo é dominante.
Apesar
das grandes contribuições que os teóricos marxistas do século XX fizeram aos
movimentos sociais, as feministas nem sempre se sentiram contempladas por eles.
Além das tensões no interior dos movimentos de esquerda – que como bem sabemos
também reproduzem machismo, homofobia, transfobia e racismo -, havia também um
problema de ordem prática e ideológica: acreditando que o patriarcado era fruto
do capitalismo, era recorrente a ideia de que quando o proletariado derrubasse
a burguesia, todas as discriminações de gênero deixariam de existir. Um
pressuposto difícil de acreditar.
Com
isso, as mulheres reconheceram a necessidade de produzir seu próprio
conhecimento. Com a Segunda Onda nos anos 1960-70, o feminismo não pleiteou um
lugar para si apenas nas ruas, mas também nas universidades, conquistando um
espaço nas ciências humanas.
Desde
então muita coisa aconteceu. Se antes a área era chamada de “estudos da
mulher”, a categoria gênero passou a ser adotada pelo seu aspecto relacional[2]
e, mais recentemente, os termos “mulheres” e “estudos feministas” são
utilizados para dar visibilidade política ao gênero feminino. O feminismo
intersecional também fez importantes colaborações, incluindo as mulheres
lésbicas, bissexuais, negras, indígenas e trans* nessa produção. Conscientizando
que existem diferenças dentro da diferença e que as mulheres não fazem parte de
uma categoria monolítica.
Atualmente
no Brasil existem diversos núcleos, grupos de estudos e revistas acadêmicas
dedicadas aos estudos feministas e de gênero. Também testemunhamos a realização
de simpósios, congressos e encontros de pesquisadorxs da área, como o Fazendo
Gênero, realizado em 2013 em Florianópolis, e o Colóquio de estudos feministas
e de gênero, realizado em Brasília em 2014.
Com
isso, proponho axs leitorxs de nossa página que conheçam algumas revistas
dedicadas ao tema. Além de apresentar os resultados de diversas pesquisas,
também contribuem para o debate e formação intelectual nesse campo de estudos.
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