Do BBC
Um
dos mais conhecidos historiadores brasileiros, em especial pela publicação, em
1987, de Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que Não Foi(livro que
fez uma análise crítica sobre o processo de Proclamação da República no
Brasil), José Murilo de Carvalho oferece uma visão pessimista do atual momento
político brasileiro.
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'Tudo pode acontecer, até um sério conflito social', diz historiador sobre crise política. |
Em
entrevista à BBC Brasil, por e-mail, o também cientista político mostra
preocupação com a crise política - mais precisamente com o acirramento de
ânimos desde as eleições de 2014.
Só
não se mostra surpreso. Afinal, assim como outros colegas de profissão,
Carvalho cita o longo histórico de revoltas e conflitos que marcam o Brasil
República. Porém, diferentemente de outros analistas, o integrante da Academia
Brasileira de Letras diz que a crise atual não pode ser meramente comparada a
momentos anteriores de turbulência na história brasileira. Incluindo a
constantemente citada crise de 1954, que culminou com o suicídio do presidente
Getúlio Vargas.
O
historiador mineiro vê na crise atual o que chama de "um misto de tradição
e novidade". Uma combinação que ele considera preocupante diante do
processo de desgaste na imagem dos poderes Executivo e Legislativo.
BBC Brasil -
Como o senhor vê a atual crise política brasileira sob uma perspectiva
histórica?
José Murilo de Carvalho
- Nos 127 anos da República, houve dezenas de revoltas, guerras civis e vários
golpes com o envolvimento dos militares. Desde 1930, de 14 presidentes
(incluindo a atual), apenas oito foram eleitos diretamente. Destes, só cinco
completaram os mandatos. Isso não é nada animador. E essa é mais uma das
inúmeras crises de nossa claudicante República. O regime foi introdizido há 127
anos mas ainda não faz jus ao nome de república democrática. Pelo lado da
inclusão política, até 1945 apenas 5% da população votavam. Pelo lado da
inclusão social, o grande salto foi dado durante a ditadura do Estado Novo
(1937-1945) com a introdução da legialção trabalhista. Mesmo com os avanços do
governo Lula, agora sendo revertidos, ainda somos um dos países mais desiguais
do mundo. Os governos militares, por sua vez, não restringiram o grande aumento
do eleitorado, mas impediram a formação de lideranças democráticas capazes de
dar conta do grande aumento de participação, além de destruírem os valores
republicanos da boa governança.
BBC Brasil
- Historiadores e analistas políticos com certa frequência comparam o atual
momento à crise que resultou no suicídio do presidente Vargas, em 1954. O
senhor vê paralelos?
Carvalho
- Hoje, creio que nenhum historiador dirá que a história se repete, como
tragédia ou como farsa. A crise atual é nova, um misto de tradição e novidade.
Há elementos comuns entre a crise atual e a de Vargas: a acusação de corrupção
e o conflito distributivo.
O
“pai dos pobres” (Vargas, responsável pelas leis trabalhistas) era acusado por
setores da classe média de exercer ou tolerar práticas corruptas (o “mar de
lama”). A grande diferença era a presença ativa dos militares em 1954, que
forçaram a saída de Vargas, e da Guerra Fria. Hoje, o conflito é civil e
nacional. Civil porque não há ameaça de interferência militar. Nacional porque
não estamos mais Guerra Fria com suas pressões políticas, inclusive de
intervenção dos Estados Unidos. O fator externo hoje resume-se às oscilações da
economia internacional.
BBC Brasil
- O senhor se preocupa com o atual momento brasileiro no que diz respeito à
segurança das instituições? Crê na possibilidade de uma ruptura mais séria
mesmo sem a presença de um Exército, como em 64?
Carvalho -
Há motivo para preocupação. O Poder Judiciário - incluindo aí o Ministério
Público e a Polícia Federal - tornou-se quase hegemônico diante da
desmoralização do Executivo e do Parlamento. Isso poderá sair pela culatra,
como aconteceu na Itália durante a operação Mãos Limpas, e reduzir ou anular os
efeitos do esforço de combate à corrupção. Por outro lado, a desmoralização do
Parlamento e a descrença nos políticos e na política podem abrir caminho para
aventureiros populistas.
BBC Brasil
- Muito se fala em polarização política e ideológica no Brasil. O senhor
concorda com as avaliações de que o acirramento de ânimos foi intensificado
pela ascensão do PT ao poder ou estamos falando do retorno de antigas divisões?
Carvalho
- O PT trouxe forças novas para a política brasileira, sobretudo os líderes
sindicais. Junto com uma forte demanda por políticas sociais, o partido exibiu
também um estilo mais agressivo de atuação, mantido mesmo após chegar ao poder.
Sua militância é muito mais aguerrida do que a do PTB dos tempos de Vargas.
A
radicalização política e a intolerância chegaram hoje a um ponto perigoso. Não
há mais debate, apenas bate-boca e gritaria. Neste cenário dominado pelas
paixões, tudo pode acontecer, mesmo um sério conflito social.
BBC Brasil
- Qual o efeito que o eventual impeachment da presidente Dilma poderia ter
nesse cenário?
Carvalho
- Um impeachment não vai resolver a situação. Mudarão os lados, mas o conflito
político continuará e a crise econômica não será resolvida. Não há, a meu ver,
uma saída sem custos para a crise.
BBC Brasil
- Podemos comparar o retorno do ex-presidente Lula ao governo (agora suspenso
por determinação do STF) a algum momento de relevância semelhante na história
política brasileira?
Carvalho -
Ex-presidentes voltaram ao governo, como Nilo Peçanha (como ministro das
Relações Exteriores, em 1987), mas não em situação de conflito. A nomeação
desastrada deu-se em 29 de outubro de 1945. Os militares pressionavam o então
ditador Getúlio Vargas a deixar o governo. Em reação, o presidente nomeou seu
controvertido irmão Benjamin chefe de polícia. Os militares irritaram-se e o
depuseram nesse mesmo dia.
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