A
filósofa Marilena Chauí, professora aposentada da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP, considera abominável o que o grupo de médicos
e estudantes de medicina anti-PT pregam na internet. De castração química a
holocausto aos nordestinos que votaram na candidata Dilma Rousseff no primeiro
turno das eleições presidenciais. Uma violência fascista, segundo a filósofa.
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Marilena: "Preconceito dos sulistas contra nordestinos é histórico, faz parte da violência institucional da sociedade brasileira". |
“O que
caracteriza a violência fascista é não suportar a diferença, a alteridade, e
partir para a eliminação. Você elimina o diferente, você elimina o outro. O
primeiro aspecto abominável disso é o fato de que o que se propõe é, pura e
simplesmente, genocídio dos nordestinos. O que é uma coisa inominável,
inacreditável, inaceitável", desabafa, em entrevista à Rádio Brasil Atual, acrescentando:
"A segunda coisa que é terrível é
que isso exprime uma certa direção tomada por uma certa classe média
reacionária e conservadora, que vive no sul do país, e que é capaz dessas
afirmações e propostas de um grau extremo de violência".
Incapacidade
em lidar com ideias, concepções e visões da política diferentes, ao ponto de
fazer com que essa diferença seja destruída com a morte do outro é uma coisa
que a professora nunca tinha visto no Brasil. É a primeira vez que ela vê um
grupo propor o extermínio de uma parte da população brasileira.
“Essa posição – mesmo que não seja a do
candidato oposicionista, tenho certeza que ele próprio jamais diria uma coisa
dessas – exprime uma parte do eleitorado dele, portanto, a violência social que
isso pode acarretar. Estou muito preocupada porque eu nunca tinha visto coisa
igual no Brasil. Nem na ditadura, nem em 69, quando foi editado o AI-5, que se
proclamou a existência de um inimigo interno que precisaria ser excluído, nem
lá houve esse grau de violência, porque a ideia era estar num combate, numa
guerra civil, a ideia de que haveria mortes e uma guerra. Agora não, não chega
nem aos pés do que a ditadura propunha.”
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Marilena Chaui vê fascismo em ataques a nordestinos. Foto: Divulgação. |
"É preciso averiguar esse grupo de supostos
médicos", diz a filósofa, porque com base na Constituição brasileira,
estamos diante de um crime horrendo. Fere a constituição, os direitos humanos,
a dignidade humana, portanto, é uma ação criminosa, uma ilegalidade que a
justiça brasileira precisa investigar.
Marilena
explica que o preconceito dos sulistas contra os nordestinos é histórico, faz
parte da violência institucional da sociedade brasileira, que é autoritária,
violenta, hierárquica, minada por preconceitos de todo tipo e, para ela, há um
agravamento dessa posição pela grande mídia, que reforça esse ódio.
“A
CartaCapital (revista) fez um
quadro comparando o que acontece de agressão na mídia à Dilma, à Marina e ao
Aécio. Para a Marina, quase nada. Para o Aécio, muito pouco. E para Dilma, uma
página inteira de agressões cotidianas, que ela recebe pelo rádio, pela
televisão, e pelos jornais e pelas redes. Então, há um ódio que foi afinado
pela grande mídia. E agora, nós estamos colhendo um dos frutos desse ódio, que
é a retomada do preconceito com os nordestinos na forma de violência de tipo
fascista.”
A
professora titular do Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Cynthia Sarti considera
surpreendente a declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, logo
após o primeiro turno das eleições. Ela não esperava que um cientista social
pudesse afirmar que os votos que Dilma ganhou nos estados do Norte e Nordeste do
país foi dos mais pobres, pessoas desinformadas. "Isso é preconceito", afirma a antropóloga.
“Por que quem vota no PT é desinformado?
Porque não lhe ocorre que essas pessoas votaram no PT porque a vida delas está
melhor com o governo do PT. Essa hipótese, ninguém fez uma pesquisa ainda sobre
o voto nessas eleições, mas é evidente, há um indício que as pessoas votaram
porque elas fizeram uma escolha. Então dizer que elas votaram porque têm menos
informação, são desinformadas, é uma maneira de desqualificar o voto",
protesta a antropóloga.
Para
ela, é uma afirmação muito grave partindo de um cientista social. "Tem uma arrogância nessa maneira de tratar
populações pobres, associar à desinformação e desqualificar o voto. Elas
fizeram uma escolha. Votaram no PT porque fizeram uma escolha, não porque são
desinformadas. Ao contrário, fizeram uma escolha e, talvez, ele não gostou
dessa escolha. É uma maneira muito arrogante de tratar o voto contrário ao que
ele esperava.”
A
atitude de FHC fez lembrar à antropóloga o que ocorreu com a deputada federal
Luiza Erundina, do PSB, quando foi eleita, em 1988, prefeita de São Paulo pelo
PT. "É o mesmo tipo de preconceito",
afirma Cynthia. "Existia um setor da
cidade que protestava contra Erundina e uma das coisas que se dizia na época é
que ela era nordestina."
“Quando você tem uma oposição política, você
desqualifica pela condição social, criando um estigma, assim como é a região
Nordeste, com os negros, gays. São várias formas de desqualificar a pessoa
porque ela tem uma posição política que é diferente da sua. Eu acho isso muito
grave, e as pessoas criam um clima de eleição muito perigoso, porque vai
havendo animosidade e um tipo de ‘regra do jogo’ muito complicada",
denuncia a antropóloga.
Segundo
Cynthia, esse posicionamento pode ter repercussões muito ruins na campanha
porque é uma maneira de desqualificar o voto contrário. "É muito desqualificador, por isso que eu
chamo de arrogante, porque a arrogância é exatamente isso, a desqualificação do
outro. A arrogância é muito violenta. É lamentável, uma pena, essa maneira de
lidar com o voto contrário àquilo que o PSDB espera. O suposto Sudeste avançado
está se revelando muito retrógrado.”
Via
Rede Brasil Atual