A
filósofa Marilena Chauí afirmou na última sexta-feira (8), em aula magna sobre
a greve de funcionários e professores da Universidade de São Paulo (USP), na
zona oeste de São Paulo, que a crise financeira e administrativa da
universidade é resultado da “metamorfose
da instituição social pública em organização operacional”.
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Marilena Chaui na aula Magna da USP. Foto: Daniel Garcia. |
Na
visão de Marilena, este tem sido o principal objetivo do governo do estado de
São Paulo, administrado pelo PSDB há 20 anos. A professora criticou os governos
tucanos ininterruptos no estado, e lembrou que lideranças do partido, originado
em uma dissidência do PMDB, já governavam o estado muito antes do PSDB vencer
eleições.
“Comecemos com a entrada deles no poder no
governo Franco Montoro (PMDB), seguido por Orestes Quércia (PMDB), Luiz Antônio
Fleury Filho (PMDB), Mário Covas (PSDB), José Serra (PSDB) e Chuchu Beleza
[Alckmin]. Eles estão aí faz 30 anos! Eu quero alternância de governo! É claro
que eu quero, porque, no que diz respeito a nós, vamos ver o que foi que foi
feito da educação do estado nesses 30 anos.”
A
greve de funcionários e professores da USP dura 73 dias. No último domingo (3),
as ocupações realizadas pelo movimento enfrentaram a reintegração de posse de
áreas como o restaurante universitário, institutos de ensino e o Centro de
Práticas Esportivas (Cepe USP) pela Polícia Militar. O reitor, Marco Antonio
Zago, anunciou nesta semana o corte de ponto de trabalhadores grevistas.
Segundo
Marilena, a crise na universidade começou a ser gestada ainda nos anos 70,
quando a USP abandonou o modelo de instituição social humanista, inserida no
universo político e voltada à comunidade, e passou a assumir uma formação
rápida e voltada ao mercado de trabalho. Um boom de parcerias da universidade
pública com o mundo empresarial na década de 1980 e a expansão de instituições
de ensino privadas consolidaram, nas décadas seguintes, um modelo de
administração neoliberal. Nele, a USP tem status de organização administrativa
que, com gestão de recursos e índices de produtividade, busca estratégias de
desempenho e eficácia e se articula com outras instituições públicas de ensino
superior por meio da competição.
“O modelo tecnocrático de gestão voltado à
sociedade de mercado dirige a universidade da mesma forma que administra uma
montadora de automóveis ou uma rede de supermercados. USP, Volks, Walmart, Vale
do Rio Doce são todas administradas da mesma maneira, porque tudo se equivale”,
explicou a filósofa.
O
aumento de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a
avaliação de estudantes e docentes por meio da quantidade de publicações,
colóquios e congressos realizados e a multiplicação de cursos voltados à
formação técnica são, para Marilena, evidências de que a formação da
universidade é regida por normas alheias ao conhecimento, e que contribuem para
a degradação interna e pública da USP.
A
professora ainda aponta a privatização de direitos sociais – estabelecidos pela
Constituição Federal de 1988 – por governos neoliberais, como o de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002), como uma das principais razões para a
privatização e crise do ensino público. “Os
direitos sociais como saúde, educação, liberdade de expressão, religiosa e
sexual foram transformados em serviços não exclusivos do estado, que podem ser
vendidos e comprados, pelo ideal neoliberal do estado mínimo.”
As
mudanças no sistema de gestão da USP se deram, de fato, em 1996, quando o
estado de São Paulo, governado por Mário Covas (PSDB, 1995-2001), adotou a
agenda de mudanças no ensino público recomendada pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) para a reestruturação das universidades da América Latina
e do Caribe. O tratado federal havia sido assinado em 1994, por Itamar Franco,
e passava a tomar corpo pelos governos estaduais. De acordo com Marilena, as normas
do BID para financiamento aplicavam ao ensino superior os mesmos critérios
utilizados em qualquer outro investimento: custo benefício, eficácia e
operância e produtividade. As universidades privadas são indicadas pelo banco
como modelo para as instituições públicas.
“As universidades privadas, além de serem
prestadoras de serviços a governos democráticos, são ágeis em termos
evolutivos, adaptam-se a ambientes conflitantes e fazem muito do que as
universidades públicas paquidérmicas, excessivamente politizadas, nunca fizeram
ou nunca conseguem fazer ao longo do tempo. Nós vivemos em um mercado
competitivo, é assim que pensam as universidades privadas e, por isso, ganham o
seu próprio dinheiro e regem-se de forma autônoma”, diz o documento.
O
texto do BID é, na visão da filósofa, o que rege, até hoje, a atuação do
governo tucano na administração da educação pública do estado de São Paulo.
Marilena ainda citou que os termos de gestão operacional estão evidenciados em
uma carta da reitoria enviada aos docentes da USP em 21 de julho. Nela, Zago
afirma buscar “um novo modelo de gestão
compartilhada, de modernização e de priorização da vida acadêmica”, além de
reforçar que o “comprometimento orçamentário está muito acima dos recursos
disponíveis”.
“A autonomia universitária que o governo do
estado de São Paulo busca nada tem a ver com o sentido sociopolítico de
universalização do conhecimento voltado à sociedade. Ela está ligada à gestão
de receitas e despesas, metas, indicadores de desempenho e contratos de gestão”,
reforça a filósofa.
Com
Viomundo