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Desafios da cultura do Crato. Na imagem, Raimundo José da Silva, mais conhecido como Raimundo Aniceto. (FOTO/ Samuel Macedo). |
Por Alexandre Lucas, Colunista
O
Crato tem grandes desafios a serem superados no âmbito das políticas públicas
para a cultura. Não cabe aqui receitas pré-determinadas, até mesmo para não
correr o risco desconsiderar os esforços e avanços, muito menos podemos
desprezar os retrocessos, nem cair no simplismo que desconsidera as estruturas
econômicas, políticas e burocráticas em que se contextualiza a gestão pública.
A situação não é confortável. Não podemos
analisar a situação do Crato, de forma localizada ou a partir do calor do
momento. A conjuntura política nacional interfere diretamente no âmbito local.
A extinção do Ministério da Cultura e a descontinuidade das políticas para
cultura, em especial com o desmonte do Sistema Nacional de Cultura e do Cultura
Viva apontam cenários de instabilidades, junto a essa gravidade vivenciamos uma
crise sanitária que afeta diretamente o setor da economia da cultura. Mesmo diante
deste caos, o setor teve redução dos
impactos econômicos, a partir de ampla
articulação política nacional que reuniu trabalhadores e trabalhadoras da
cultura, gestores e parlamentares, o que
que resultou na aprovação da Lei Aldir Blanc, representando descentralização de recursos com
repasse da união para estados e
municípios, premissa prevista no Sistema
Nacional de Cultura, concomitantemente a isso impôs que os entes federados
estruturarem minimamente, os seus mecanismos de gestão, tendo como norte, os
Sistemas Municipais de Cultura. Se a Lei Aldir Blanc serviu como política
emergencial, a Lei Aldir Blanc 2, se apresenta como política permanente e
tramita em urgência na Câmara dos Deputados, juntamente com a Lei Paulo Gustavo
que tem caráter mais momentâneo. Ambas são importantes para o enfrentamento da
crise e têm efeitos diretos nos municípios.
A
política estadual de cultura também teve reflexos no Crato, diversas foram as
organizações que movimentaram a economia do Município neste período pandêmico,
o que abrange uma cadeia que compreende profissionais, serviços e empresas dos
mais diversos setores. A manutenção das atividades e dos espaços culturais são
essenciais para o processo de resistência, acalento afetivo e comunitário.
No
mesmo rumo, a gestão da cultura no Crato, apesar das críticas, a maioria
relacionadas a burocratização, conseguiu desenvolver editais que abrem brechas
para inclusão de novos atores no circuito estético, artístico e cultural do
município. Isso possibilita também o aperfeiçoamento na política de editais,
inclusive, no sentido de compreensão das demandas e particulares do setor
cultural.
Quando
observamos por outro lado os equipamentos culturais do Município: Museus,
bibliotecas, teatros, auditórios, escola de música, praças e outros espaços,
podemos perceber precarização, necessidade de adequação e de mecanismos
republicanos de ocupação. O que impõe restabelecer o seu uso em condições
adequadas e vinculadas às práticas de ocupação contemporâneas dos equipamentos
culturais que prevê editais de programações. Mas como fazer isso? Essa resposta talvez não esteja diante de um
olhar externo, mas que passa também por ele. As engrenagens do setor público
são bem mais complexas, às vezes, a chamada “vontade política”, não é o único
elemento realizador. As condições objetivas são sempre os elementos para serem
considerados, como recursos disponíveis, equipe, compreensão política,
capacidade de articulação, aspectos jurídicos e correlação de forças
políticas.
Por
outro lado, o Crato tem dois grandes marcos legais, a Lei do Sistema Municipal
de Cultura ( Lei 3.070, de 18 de dezembro de 2014) e a Lei Municipal do Cultura
Viva ( Lei 3.799, de 30 de junho de 2021), importantes instrumentos jurídicos
para pensar uma política estruturante para o município. Não basta apenas ter os marcos legais, é
preciso consolidar (“culturalizar”) enquanto política pública.
O
Sistema Municipal de Cultura apresenta um conjunto de mecanismos que apontam
para a necessidade de planejamento participativo a partir aspecto da
diversidade e pluralidade cultural, estética e artística e a transversalidade
da cultura, controle e participação social e garantia de recursos, a Lei do
Cultura Viva, voltada para os Pontos de Cultura envereda na mesma perspectiva,
resguardadas as suas peculiaridades.
Consolidar
esses dois marcos legais, talvez seja o grande e o principal desafio, tendo em
vista, que eles são responsáveis por atender a totalidade das demandas da
gestão da política pública do Município.
Mas isso não acontece num toque de mágica!
Neste
sentido, é preciso colocar que os dois marcos legais colocam para a gestão
pública dispositivos democráticos para execução da política pública, o que é um
avanço, mas ao mesmo tempo, requer mais trabalho e inevitavelmente mais
conflito. Marcos legais que propõem
participação e controle social, não estão isentos da contradição, do conflito,
da disputa de narrativas e dos diálogos (quase impossível existe apenas diálogos).
Romantizar a democracia como espaço apenas de diálogos é fugir da realidade,
acolher um lado da história e
desconsiderar a dinâmica social (ou dialética).
Neste
sentido, o Sistema Municipal de Cultura e Cultura Viva é um avanço e ao mesmo
tempo um pesadelo para os que têm descompromisso com a democracia, ou para
aqueles, que desconhecem o seu significado político e acabam romantizando o seu
conceito, principalmente numa sociedade antagônica, onde os conflitos são mais
evidentes.
No
Crato, especificamente, os dois marcos legais, servem para desconstruir uma
compreensão mofada, equivocada e elitizada que
é eleger o município como “cidade
da cultura” ou “capital da cultura”, historicamente essa compreensão só serviu
para excluir as camadas populares do acesso à produção cultural, estética e
artística e refletir um pensamento da elite econômica, tendo incidência ao
longo dos anos nas políticas públicas para cultura. O Crato com os dois mais
legais passar a ser reconhecido como “cidade das culturas”, a evidenciar a
escavação de lugares, territórios e sujeitos soterrados pelos discursos
estreitos de cultura e ao mesmo tempo evidencia a necessidade de construir uma
engenharia complexa, delicada e estruturante de cidade, onde a cultura está na
transversalidade e na centralidade da política pública.
Quem
disse que era fácil? Existe uma intenção
de construir essa engrenagem, estão sendo criados os espaços de escuta, ainda
temos um longo caminho, talvez de poucos beijos e abraços, é bem possível que
tenhamos fartura de dores de cabeças e lágrimas. É preciso insistir na
consolidação do Sistema Municipal de Cultura e no Cultura Viva e ao mesmo tempo
continuar defendendo a criação de um percentual mínimo de investimentos, no
mínimo 2% do orçamento do
Município.
Essa
tarefa só pode ser coletiva, deve unir os mais diferentes sujeitos, as vozes
mais discordantes, os desejos utópicos, as compreensões estruturantes e
emancipatórias de sociedade. Esse é o desafio, construir no conflito.