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Vereadora e professora Zuleide rasga a CF/88 ao falar de Estado Laico. Foto de Arquivo |
Depois
de fazermos referência aqui mesmo nesse portal sobre a relação conflituosa
entre política-partidária e religiosidade sob o pilar do catolicismo do poder
legislativo do município de Altaneira que fere brutalmente o já tão
desrespeitado e fragilizado estado laico, a vereadora Zuleide de Oliveira, com
assento na Câmara pelo PSDB, seguiu o caminho que já havia iniciado na sessão
do dia 17 de setembro e na reunião desta terça-feira ,24, reforçou uma opinião
descabida, desmedida e que foge aos princípios constitucionais.
Zuleide
cogitou na sessão plenária dia 17/09 a construção de uma estátua de Santa
Tereza D´Ávila na avenida que leva o seu nome. Na oportunidade nos posicionamos
contra por entender que matéria dessa natureza surra o estado laico. Toda via,
a parlamentar continuou no intento e colocou requerimento solicitando do
executivo municipal verba para o seu propósito.
Na defesa da matéria a edil mencionou artigo veiculado no INFORMAÇÕES EM FOCO e arguiu que pessoas que tem esse tipo de posicionamento tem dificuldades
de respeitar as religiões.
Como
assim vereadora? Defender o cumprimento do que (religiosamente falando) reza a
Constituição Federal, no seu Art. 19 é lutar pela não hierarquia do catolicismo
frente às demais crenças. É lutar pelo não favorecimento de um grupo religioso
em detrimento de outros. É buscar formas de garantir que as pessoas que não
possuem crenças em um “ser superior” sejam respeitados na sua plenitude. E isso é
tolerância.
Zuleide
parece que está confundindo Estado Laico com Estado Ateu. Ou melhor, parece que
ela possuiu uma visão errônea do que seja laicidade, pois chegou a ter um discurso
falsário. Para ela, o fato dos espaços públicos possuírem símbolos religiosos
não fere a laicidade. Assim como não fere, o fato da administração abraçar sua
causa.
Talvez
a vereadora não saiba, mas a Laicidade do Estado não é, portanto uma convicção
entre outras, mas a condição primeira da coexistência entre todas as convicções
no espaço público. Todavia, nenhuma liberdade sendo absoluta e todo o direito
supondo deveres, os cidadãos permanecem submetidos às leis que se deram a si
próprios. Assim, manter imagens nos
espaços de poder com caráter público fere brutalmente o princípio supracitado e
contido na Carta Magna, ao sobrepor uma religião sobre as outras.
A
vereadora desconhece a história do Brasil ao afirmar que somos um país cristão,
de forte tendência ao catolicismo ao se utilizar desse norte para defender o
indefensável. Ela desconhece a forma como foi implantado o catolicismo no
Brasil. Adotou-se a aculturação ao impor uma crença aos índios e na mesma
proporção aos negros que além de serem forçados a vir trabalhar como escravos
tiveram que esquecer suas próprias crenças e adotar os traços do catolicismo português.
Tivemos uma imposição de valores que, no contraponto, alimentou a aculturação.
Não
se pode continuar alimentando essa vergonha onde a maioria quer decidir sobre a
minoria. Não se pode apoiar em um discurso onde a maioria vence. Não se pode
rasgar a Constituição Federal simplesmente para favorecer a um grupo, ou sob a
pesperctiva de querer fomentar o turismo religioso. Nesse quesito não funciona
assim. Afina de contas, a tolerância pressupõe sempre que alguém tolera e que
alguém é tolerado: em geral, uma maioria tolera as minorias. A Laicidade faz
melhor: as leis que o povo se confere democraticamente são válidas para todos
os cidadãos. Sendo a cidadania cega às diferenças, uma minoria não pode ser tratada
diferentemente da maioria.
A
vereadora está esquecendo que para garantir simultâneamente a liberdade de todos
e a liberdade de cada um, a laicidade diferencia e separa o domínio público,
onde se exerce a cidadania, e o domínio privado, onde se exercem as liberdades
individuais (de pensamento, de consciência, de convicção) e onde coexistem as
diferenças (biológicas, sociais, culturais). Desta feita, ao pertencer a todos,
o espaço público é indivisível. E pensar assim é saber que nenhum cidadão ou
grupo de cidadãos deve impor as suas convicções aos outros. Simétricamente, o
Estado laico proíbe-se de intervir nas formas de organização colectivas
(partidos, igrejas, associações etc.) às quais qualquer cidadão pode aderir e
que relevam do direito privado.
Intolerantes
não são os que buscam liberdade de crença ou os que buscam reparar um erro
histórico, a saber, a falta do cumprimento constitucional. Demonstram
racionalização e não racionalidade a os vereadores que votaram favorável ao requerimento
da social-democrata, como o progressista e líder da oposição, o professor
Adeilton, o social-liberal Gilson Cruz e trabalhista Genival Ponciano. O fato
lamentável é que a atitude desrespeitosa foi iniciada por uma professora e
comungada por mais dois professores.
O Blog de Altaneira divulgou em primeira mão que o requerimento foi rejeitado. Votaram favorável a matéria os edis Gilson Cruz (PSL), Genival Ponciano (PTB), professor Adeilton (PP), além da autora. Se posicionaram contrário Antonio Leite e Edezzyo Jalled, ambos do PRB, Alice Gonçalves (PSB), Flávio Correia (PCdoB) e a presidente da casa, também do PCdoB corroborou para a rejeição da matéria.
Por
via das dúvidas, segue abaixo o Art. 19 da Constituição Federal:
“É
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I
- estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II
- recusar fé aos documentos públicos;
III
- criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.