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Sala de aula. (FOTO | Zezinha Carvalho | Governo do Tocantins). |
Já viu vaquejada sem boi? Pois é mais ou menos isso que acontece quando a gente inventa de fazer “aula show” sem combinar com os alunos e, principalmente, sem acertar as contas com a sociedade. O professor chega cheio de vontade, desenha plano de aula com cores de arco-íris, ensaia a fala como se fosse maestro de orquestra sinfônica… mas quando abre a boca, percebe que o auditório está em outro canal. O aluno olha para ele como quem olha para vendedor de rede em beira de estrada: “moço, para quê eu quero mais isso, se já tenho a minha?”
E não é falta de inteligência, não. Como lembra Michael França, convencer um jovem pobre a investir anos em estudo “é como pedir um ato de fé”. Fé num futuro que a realidade, cruel como sol de meio-dia em sertão, insiste em negar. Afinal, o vizinho terminou a faculdade e continua vendendo pastel na feira. O primo ralou pra pagar cursinho, fez faculdade, mas ganha salário que mal cobre o aluguel. O colega de infância, que largou a escola cedo, tá dirigindo moto de aplicativo e, no fim do mês, às vezes bota mais dinheiro no bolso.
A neurociência até explica: sem motivação real, o cérebro desliga. Mas aqui a gente não precisa de laboratório para saber disso. Basta perguntar ao aluno: “me diga aí, pra que serve estudar tanto se eu vou continuar pobre, só que agora endividado?”. É a mesma lógica de quem planta feijão em solo rachado: sabe que não vai vingar, então prefere nem perder a semente.
Enquanto isso, os tais “papagaios da educação” repetem feito maritaca: “só o ensino de qualidade vai salvar o país”. Mas esquecem que escola não é milagreiro. Como nos ensina França, “não cabe a eles a tarefa de operar milagres”. Só que aqui a gente adora colocar cruz pesada nas costas de professor.
Na prática, sobra o quê? Professor tratado como super-herói sem capa, sem verba e sem poder de voar. O máximo que consegue é apagar incêndio com cuspe. E quando o aluno não aprende, a culpa é dele. Quando a escola não dá certo, a culpa é dele. Quando a sociedade não abre caminho, adivinha? A culpa continua sendo dele.
E os alunos, cada vez mais, se afogam em informação sem rumo: TikTok, WhatsApp, fofoca em tempo real. Querem mais dado? Não. Querem sentido. Mas sentido a escola, sozinha, não dá conta de entregar. Ainda mais numa terra onde a leitura nunca foi visita de casa, mas só de festa. O Brasil nunca cultivou cultura de estudo como se cultiva milho ou mandioca. Quer resultado sem semear. A linguagem popular traduz melhor: “ninguém vai se lascar à toa”.
Na sala dos professores, o retrato é sempre o mesmo: café ralo, riso engasgado e conversa baixa sobre saúde mental indo pelo ralo. É cada vez mais gente largando a profissão, cansada de ser malabarista em picadeiro sem lona. Professor aqui é jogado às piranhas — indisciplina, cobrança, salário curto e sociedade indiferente.
E no fim, a constatação é simples, quase um ditado popular: não dá para ensinar quem não quer aprender. Mas “não querer aprender”, hoje, não é preguiça — é percepção. Como reforça França, “os estudantes não são ingênuos; percebem desde cedo que o esforço dos desfavorecidos raramente é recompensado”. O jovem não é besta, sabe que a escada da educação, nesse Brasil de chão esburacado, é mais trapézio sem rede do que degrau firme.
O que fazer então? Ressignificar. Mexer na estrutura, abrir caminhos reais. Porque, se não houver mudança no mercado de trabalho, se a sociedade continuar fechando portas, a educação vai seguir sendo esse show mal combinado. E o professor, maestro sem orquestra, vai seguir aplaudido de pé… mas apenas no tribunal da culpa.
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Por Fernando Maciel Vieira, professor da rede estadual de ensino do Tocantins.
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