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Ato a favor da revolução agrária, contra as queimadas e o marco temporal, no centro histórico de São Paulo. – Bruno Santos/Folhapress. |
A cultura molda não apenas quem somos mas como vemos o mundo e como tomamos decisões. Ela não se limita a tradições, mas também reflete o conjunto de valores, expectativas e maneiras de pensar que são transmitidos de uma geração para outra.
Ela
representa um senso de identidade e de pertencimento que dá aos indivíduos um
significado. Ao mesmo tempo, ela também pode moldar nossas decisões de uma
forma que nos impeça de avançar em certos caminhos. Isso tende a ser
particularmente impactante para aqueles que vivem em comunidades
marginalizadas, lugares onde o peso de uma história de exclusão se faz presente
a todo momento.
É um
peso que sussurra a todo momento em seus ouvidos: “Conforme-se com sua
realidade, é assim que é a vida”. “Pessoas como nós nasceram para ficar à
margem.” “Não seja ambicioso para não se frustrar.” “Não vale a pena tentar.
Isso não é para você.” “Você não é digna de valor e respeito.” “Você tem a cor
da servidão.”
Nesse
contexto, tem-se que, quando uma pessoa cresce ouvindo que certos caminhos “não
são para ela”, a cultura se torna um eco de nossas barreiras estruturais,
refletindo-se em uma fonte psicológica de limitações que, em muitos casos,
tende a ser até mais poderosa do que as restrições de recursos.
Talvez
você faça parte do seleto grupo de nossa sociedade que não tenha ouvido, ano
após ano, mensagens limitantes semelhantes, e tudo bem. Você não tem culpa de
ter ganhado na loteria do nascimento.
Entretanto,
quero que você compreenda que, quando mensagens desse tipo se repetem e quando
crenças negativas se enraízam, não é difícil imaginar como isso vai afetar as
escolhas. E aqui também não se trata de culpar a cultura pela pobreza ou pela
desigualdade, mas de entender como estruturas profundamente arraigadas, como o racismo,
o machismo e a negligência institucional, moldam e perpetuam a própria cultura.
Essas
estruturas não operam isoladamente. Elas influenciam valores, comportamentos e
até mesmo as narrativas que valorizamos e que contamos sobre nós mesmos e sobre
o mundo ao nosso redor. No fundo, tem-se que o que uma pessoa almeja não surge
do nada, mas representa o fruto de uma construção forjada pelas expectativas
que ela ouve desde a infância, pelos exemplos que observa em sua comunidade e
pela maneira como o mundo ao seu redor valida ou invalida suas ambições.
As
conversas que temos, os gestos que nos são mostrados e os modelos sociais a que
temos acesso criam as bases sobre as quais construímos nossos ideais de
possibilidades e limites. Uma criança que cresce em um lugar onde o sucesso é
visível, alcançável e incentivado tende a acreditar mais em si mesma e
visualizar que seus sonhos podem se realizar. Entretanto, aquelas que são
expostas constantemente a mensagens de fracasso, exclusão ou desvalorização
tendem a internalizar a ideia de que seus desejos não são alcançáveis ou até
mesmo que são irrelevantes.
A
história das aspirações humanas é também a história das oportunidades que lhes
são negadas ou permitidas. Em um país em que, para muitos, as oportunidades são
escassas, tem-se que milhares aprenderam apenas a se adaptar ao contexto.
______
Texto de Michael França, na Folha de São Paulo e Geledés.
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